Alfa/Expresso – por João Miguel Salvador
Uma noite de terror, 130 mortos e 413 feridos. Praticamente dois anos de estado de emergência em França. E uma cidade que durante muito tempo não foi a mesma — mesmo que os parisienses tudo fizessem para voltar à normalidade o quanto antes. Como se enfrenta a vida depois de olhar a morte? Como se ultrapassa a morte e se continua a viver? É a isso que se propõem Gédeon e Jules Naudet, com um trabalho documental onde pretendem dar voz “às histórias humanas por detrás dos ataques que aconteceram em Paris a 13 de novembro de 2015”.
“13 de Novembro: Terror em Paris” não é nem uma investigação nem um relatório do que aconteceu, asseguram os realizadores, mas isso não lhe retira realidade. Apenas a apresenta de uma forma diferente, que foge ao sensacionalismo característico de vários trabalhos sobre tragédias. Para isso, decidiram usar o mínimo possível de imagens de arquivo. “Sentimos que é um grande privilégio poder partilhar estas histórias incríveis de sobrevivência e esperança”, expressaram os realizadores a propósito do documentário, que segue de forma cronológica os eventos da fatídica noite em Paris e que conta com um grande número de testemunhos.
Com o auxílio das associações de familiares das vítimas e de sobreviventes, Gédeon e Jules Naudet chegaram à fala com aqueles que viveram o ataque de perto, tendo também contactado com aqueles que os socorreram num primeiro momento no Bataclan e com os políticos responsáveis à época. O antigo Presidente François Hollande — que nesse dia havia assistido a um jogo de futebol no Stade de France, um dos alvos dos ataques — é uma das figuras que aceitou falar para as câmaras de Naudet, com a presidente da Câmara de Paris Anne Hidalgo a responder também ao apelo dos cineastas.
Sobre a sua proximidade ao projeto, os irmãos lembram a experiência pela qual passaram no início da década passada. Em setembro de 2001, estavam em Nova Iorque a filmar um novo documentário da sua autoria quando a realidade lhes trocou as voltas. O filme documental em que trabalhavam à época seria centrado nas várias corporações de bombeiros nova-iorquinas, mas os ataques terroristas do 11 de Setembro mudaram o foco da ação. Jules Naudet, o irmão mais novo, planeava passar o dia com um dos grupos de bombeiros, no entanto a agenda acabou por mudar. A corporação seria uma das primeiras a responder aos ataques e esse relato cru da dura realidade não podia ser ignorado.
Foi assim que nasceu “9/11” (também com o título “Onze de Setembro”), um dos primeiros documentários sobre a tragédia em solo americano e um dos mais prestigiados. Apresentado por Robert de Niro e estreado no canal norte-americano CBS em 2002, venceu dois Emmys (Melhor especial de não-ficção e Melhor mistura de som para um programa de não-ficção) e esteve nomeado para outros três (Melhor direção de fotografia, Melhor edição de imagem e Melhor edição de som). A estas distinções juntou também o reconhecimento dos prémios Peabody e DuPont.
Embora “9/11” seja o seu projeto mais celebrado, Gédeon e Jules Naudet assinaram outros trabalhos documentais de referência e que fazem deles dois dos nomes mais requisitados do género. “Em Nome de Deus: Um Olhar Íntimo Sobre as Vidas dos Maiores Líderes Religiosos do Mundo” (também para a norte-americana CBS), “Os Porteiros dos Presidentes” (Discovery Channel) — sobre a história presidencial americana ao longo de 50 anos, contada a partir dos relatos daqueles que os serviram — e “Os Chefes dos Espiões: a CIA na Mira” (Showtime/CBS) são alguns dos títulos a que vale a pena dedicar algumas horas, numa altura em que os irmãos Naudet regressam às luzes da ribalta com o seu novo projeto.
“13 de Novembro: Terror em Paris” tem a missão óbvia de apresentar os factos da noite dos atentados terroristas na capital francesa de forma realista, mas falar sobre algo tão presente na vida dos parisienses tem riscos acrescidos. Os trabalhos documentais sobre os ataques até agora apresentados receberam críticas negativas — os sobreviventes e os familiares das vítimas não se reviram no que foi apresentado no ecrã — e o canal estatal France 2 foi mesmo obrigado a adiar o seu projeto de um telefilme sobre o massacre no Bataclan. O drama romântico “Ce soir-la” contava a história de dois desconhecidos que se apaixonavam depois de resgatarem sobreviventes do ataque e a escolha do argumento não foi vista com bons olhos por aqueles que passaram por um trauma tão grande. Além disso, nenhuma das associações de vítimas foi consultada previamente, pelo que as vozes de protesto cresceram rapidamente e houve até uma petição na internet para que a produção fosse cancelada.
A série documental de Jules e Gédéon Naudet — que à realização somam a produção-executiva (através da Goldfish Pictures) e que trabalharam em conjunto com a Propagate e a No School Productions — é composta por três episódios e está disponível em streaming desde esta sexta-feira. Para os realizadores, que consideram ter encontrado na Netflix os “parceiros certos” para “dar vida” à sua ideia, um dos fatores importantes de ter um trabalho documental como este numa plataforma de televisão não linear é permitir que este possa ser visto ao ritmo que o telespetador entender. Segundo os responsáveis por “13 de Novembro: Terror em Paris”, o peso da narrativa pode levar algumas pessoas a necessitarem de fazer paragens enquanto veem o documentário ou a verem-no ao longo de vários dias.