Deputado Paulo Pisco mente e manipula, ou desconhece a realidade das Comunidades Portuguesas? Polémica/Ensino

Pedro Rupio
Conselheiro das Comunidades Portuguesas
Bruxelas, 31 de janeiro de 2020

« Deputado Paulo Pisco mente e manipula, ou desconhece a realidade das Comunidades Portuguesas? »

(Pedro Rupio, residente em Bruxelas, responde a Paulo Pisco (leia o artigo anterior do deputado socialista em baixo nesta página)

Pedro Rupio
Conselheiro das Comunidades Portuguesas
Chaussée de Waterloo, 189
1060 Bruxelles
Mail: pedrorupio@gmail.com – Site: www.pedrorupio.pt

 

Pedro Rupio – Conselheiro das Comunidades Portuguesas

Chaussée de Waterloo, 189 — 1060 Bruxelles

Mail: pedrorupio@gmail.com – Site: www.pedrorupio.pt

Bruxelas, 31 de janeiro de 2020

Opinião: o Deputado Paulo Pisco mente e manipula, ou desconhece a realidade das Comunidades Portuguesas?

 

O Sr. Deputado Paulo Pisco pôs recentemente em causa a credibilidade e a boa fé de um professor do ensino superior, de conselheiros das comunidades portuguesas e de sindicatos, num artigo de opinião repleto de deturpações e incorreções.

Para contextualizar a problemática, convem recordar a realidade do ensino de português no estrangeiro (EPE) há uns anos atrás.

Em 2009, existiam duas tutelas no EPE em função do público-alvo. Por um lado, existiam os cursos de língua e cultura portuguesas (LCP), vertente de língua materna, destinados às crianças portuguesas residentes no estrangeiro. Estes cursos estavam sob a alçada do Ministério da Educação. Na altura, a rede oficial do ensino de português no estrangeiro era constituída por cerca de 600 professores que ensinavam LCP a cerca de 60.000 alunos luso-descendentes.

Por outro lado, também existiam os cursos de língua portuguesa, vertente de língua estrangeira, destinados a pessoas de nacionalidade estrangeira. Estes cursos estavam sob a tutela do Instituto Camões/Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Passado um tempo, operou-se uma reforma. Houve uma transferencia de tutela e os cursos de LCP, destinados a crianças portuguesas em situação diaspórica, também passaram a estar sob a tutela do Instituto Camões/Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Colocar as duas vertentes – língua materna e língua estrangeira – num mesmo pacote teve consequencias dramáticas na década de 2010 para o EPE destinado a crianças portuguesas.

Qual era o objetivo secreto desta reforma que jamais nenhum político terá a coragem de assumir pública e abertamente? Em primeiro lugar, aproveitar o orçamento que estava previsto para o ensino de português para filhos de emigrantes (cerca de 38 milhões de euros em 2009) de modo a reforçar o ensino de português como língua estrangeira. E em segundo lugar, acabar progressivamente com o ensino de português para as crianças portuguesas que residem no estrangeiro.

Hoje, a 31 de janeiro de 2020, a rede oficial do ensino de português no estrangeiro é constituída por pouco mais de 300 professores que dão aulas a cerca de 40.000 alunos: uma diminuição de 300 professores e de 20.000 alunos em 10 anos. E pelo meio, implementou-se uma propina que veio criar mais um entrave, mais um obstáculo à inscrição de crianças portuguesas no EPE. Porquê? Porque, repito, o objetivo da reforma iniciada na década de 2010 era de acabar com o ensino de português para filhos de emigrantes.

Os números catastróficos do EPE para crianças portuguesas são factos. Não há como manipulá-los. Mas quando nas Comunidades, confrontamos os nossos políticos sobre o estado do EPE para filhos de emigrantes, respondem-nos que está tudo bem e tudo melhor, que o EPE está em ”expansão”, que há perto de mil professores no EPE e quase duas centenas de milhares de alunos!

Só que essas referencias dizem essencialmente respeito ao ensino de português como língua estrangeira, destinado a pessoas de nacionalidade estrangeira. Relativamente ao EPE para filhos de emigrantes, não há ”expansão”, há sim destruição.

Voltando ao artigo de opinião produzido pelo Sr. Deputado Paulo Pisco, este último critica ainda as ”duas ou três vozes que há pelo menos duas décadas andam a anunciar a morte do Ensino de Português no Estrangeiro”. Infeliz afirmação a dele porque se houvesse apenas ”duas ou três vozes”, o Sr. Paulo Pisco seria uma delas pois nunca hesitou em denunciar a ”destruição” do EPE quando ele era Deputado num momento em que o PS estava na Oposição[1]. Afirmou ainda que a propina no EPE era ”ofensiva para milhões de portugueses” num artigo de opinião divulgado no jornal Público no dia 6 de junho de 2012. E não faltam citações do mesmo género: ”[…] pela importância da ligação do país com os portugueses residentes no estrangeiro […], o PS opõe-se à cobrança de uma propina no Ensino de Português no Estrangeiro[2]. Outra citação: ”Intervenção […] sobre a destruição a que o Ensino de Português no Estrangeiro tem estado sujeito”[3]. E finalmente: ” […] proposta do PS para eliminar a propina no Ensino de Português no Estrangeiro, […] Seria bom que a maioria PSD-CDS mostrasse sensibilidade para a questão[4].

De facto, seria bem bom que o Sr. Deputado voltasse a ter essa ”sensibilidade” de outrora quando defendia com unhas e dentes o fim da propina e denunciava heroicamente a destruição do EPE.

Nada está inventado, todas essas afirmações são públicas e podem ser consultadas por todos. Na Oposição, o Sr. Deputado dizia que o EPE estava a ser destruído e que a propina era má, muito muito má. E hoje, no Poder, desvaloriza as ”duas ou três vozes” que anunciam a morte do EPE e diz que, afinal, a propina não é assim tão má, e quase se tornou boa! Ou seja, quando está na Oposição, diz uma coisa, quando está no Poder, diz o seu contrário.

Fazendo uma rápida análise, compreende-se o porquê da nossa Democracia estar em crise: é com esta forma de fazer política que muitas pessoas se cansam dos partidos ditos tradicionais para se aproximarem de partidos populistas. Haja uma reflexão sobre isso.

Ao citar outra parte do artigo de opinião do Sr. Deputado que fala de ”críticas e ataques feitos à gestão do EPE […] através de alguns partidos, sindicatos e conselheiros das comunidades numa linha antiga de contestação militante”, responderia o seguinte: não somos dois ou três, Sr. Deputado, somos 1.313 atualmente que assinaram a petição Português para Todos, petição que pretende defender o EPE para filhos de emigrantes e que está a merecer mobilização por parte de todos os Portugueses, a viver no estrangeiro ou em Portugal, com ou sem filiação partidária. E aqueles que assinaram a petição, com filiação partidária assumida publicamente, são oriundos de inúmeros horizontes, da esquerda à direita: sem assento parlamentar, assinaram militantes do Movimento Alternativa Socialista e da Aliança; com assento parlamentar, assinaram militantes do Livre, PSD, Bloco de Esquerda, PAN, Iniciativa Liberal, Partido Comunista Português e… Muitos do Partido Socialista, incluindo dois dos quatro candidatos do PS à Assembleia da República pelo círculo da Europa!

A clivagem é clara e não vai ao encontro daquilo que afirma o Sr. Deputado: é toda a sociedade civil portuguesa, a residir dentro e fora de Portugal, que está a lutar por esta causa. Não se trata de uma ”luta particular” de alguns, é um combate de todos nós que nos interessamos honesta e sinceramente pela Diáspora.

O Sr. Deputado ainda associou os cursos de LCP dirigidos a crianças portuguesas a uma visão do EPE ”arcáica” e ”ultrapassada […] de uma Língua fechada no seu gueto”.

Pois bem, ainda bem que, como eu, muitos luso-descendentes tiveram a sorte de frequentar cursos de LCP, ainda sob a tutela do Ministério da Educação, o que nos permitiu criar uma forte ligação com o país de origem. E isso é fundamental para as Comunidades Portuguesas mas também para Portugal. Porque, investir hoje numa criança portuguesa residente no estrangeiro, é investir a prazo num potencial aliado de Portugal além-fronteiras em domínios como a ciencia, a economia, o desporto, a política ou a cultura. E isso é possível desde que se criem as condições para que as ditas crianças se sintam próximas de Portugal.

Talvez tivesse dado jeito ao Sr. Deputado que eu não sentisse uma ligação tão forte com Portugal. Talvez não tivesse escrito este artigo. Mas é assim, Sr. Deputado, sinto-me português. Orgulhosamente português e orgulhosamente belga. E como eu são milhares de luso-descendentes que tiveram a oportunidade de frequentar os cursos de LCP sem entrar numa suposta armadilha de ”gueto” pois estamos perfeitamente integrados nos países onde nascemos (se bem que nem deveríamos falar em integração por termos nascido cá).

A posição do Sr. Deputado Paulo Pisco sobre o EPE é infelizmente alimentada pelos muitos preconceitos que ainda existem em relação à Diáspora portuguesa. Mas ele não é caso único porque muita gente da nossa classe política e administração pública tem um conhecimento rudimentar da realidade das Comunidades. Estão essencialmente preocupados com a expansão do ensino de português dirigido a pessoas de nacionalidade estrangeira, e à imagem do Sr. Deputado Paulo Pisco, desconhecem e desvalorizam a importancia dos cursos de LCP para filhos de emigrantes.

Cabe-nos a nós, todos os Portugueses, convencê-los do contrário.

O tempo da Valise en Carton acabou. Agora sabemos defender-nos com as armas que a Democracia nos deu. E é por essa razão que vamos maciçamente aderir à petição Português para Todos, levá-la para discussão obrigatória no Parlamento para derrubar os últimos preconceitos que ainda prevalecem em relação às Comunidades Portuguesas. Faremos tudo para que o Ensino de Português para filhos de emigrantes esteja ”bem vivo”, de forma duradoura, para bem de Portugal e de todos os Portugueses.

Pedro Rupio

Conselheiro das Comunidades Portuguesas

[1] Paulo Pisco (9 de maio de 2012), www.facebook.com/paulo.pisco.33

[2] Paulo Pisco (30 de novembro de 2012), www.facebook.com/paulo.pisco.33

[3] Paulo Pisco (9 de julho de 2015), www.facebook.com/paulo.pisco.33

[4] Paulo Pisco (19 de fevereiro de 2013), www.facebook.com/paulo.pisco.33

 

Leia aqui, o artigo do deputado socialista

OPINIÃO . O arigo de Paulo Pisco – in Público de 27/01

Está bem vivo o Ensino de Português no Estrangeiro – in OP

Nenhum Governo se atreverá a diminuir este que é um dos instrumentos centrais da afirmação de Portugal no mundo.

O ensino da língua portuguesa no estrangeiro, do pré-escolar à universidade, é um dos grandes ativos da afirmação externa de Portugal e um dos instrumentos que permite um efetivo reforço da ligação ao país das nossas comunidades espalhadas pelo mundo.

É verdade que o Ensino de Português no Estrangeiro (EPE) nem sempre tem sido bem tratado e, particularmente no período da crise durante a governação do PSD/CDS, foi mesmo objeto de cortes violentos em professores, cursos e alunos, não obstante ter havido o reforço de alguns aspetos que o vieram valorizar, como a consolidação das certificações, os planos de leitura, os manuais gratuitos e a adoção da prática de um registo das inscrições mais eficiente. A propina e o processo de inscrição que lhe está associado pode suscitar críticas, mas pelo menos veio moralizar uma tendência para inchar as turmas com alunos inexistentes e contribuir para reduzir um considerável número de desistências que em cada ano letivo se verificava e distorcia a realidade do ensino.

Pessoalmente sempre combati a introdução da propina e cheguei mesmo a afirmar publicamente que ela era ilegal e inconstitucional. Porém, dado que o provedor de Justiça, em resposta a um pedido de parecer que fiz, considerou que a propina não era nem ilegal nem inconstitucional, não voltei a abordar a questão por esse prisma. De resto, é fácil perceber que dificilmente poderá ter vida longa na nossa ordem democrática o que quer que seja de ilegal ou inconstitucional, o que retira, portanto, consistência às afirmações feitas nesse sentido.

A decisão de aplicar uma propina é política, tal como foi a de transferir o EPE do Ministério da Educação para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, precisamente porque se considerou ser aqui que a sua gestão podia ser mais eficaz. E a verdade é que, hoje, nada evidencia que o EPE esteja pior e muito menos que esteja moribundo. Pelo contrário, o EPE está a crescer e é cada vez mais considerado politicamente, como o demonstram os números do investimento e o aumento dos alunos, dos cursos, dos docentes e das coordenações. Os cerca de 22 milhões de euros de despesa pública que anualmente se destina só ao EPE não será propriamente uma verba insignificante, mesmo que haja sempre margem para melhorar.

Para uma melhor compreensão deste tema, é preciso também identificar uma origem de natureza ideológico/partidária nas críticas e ataques feitos à gestão do EPE, que se exprime essencialmente através de alguns partidos, sindicatos e conselheiros das comunidades numa linha antiga de contestação militante. Trata-se de uma linha de pensamento que de alguma forma é tributária de uma visão arcaica da emigração portuguesa, ancorada na ideia de que os cursos no estrangeiro tinham apenas como objetivo facilitar a integração na sociedade portuguesa dos filhos dos emigrantes quando regressassem ao país.

Mas esta é uma visão ultrapassada, de um tempo em que ainda nem se sonhava com o extraordinário valor económico e político da língua portuguesa e com o seu enorme potencial em termos globais. Era uma Língua amarrada aos clichés da emigração, incapaz de se ver como uma das principais línguas de futuro a ocupar um honroso top five das línguas do mundo. Era a visão de uma Língua fechada no seu gueto, nascida do preconceito interno e externo que a esmagava.

Poderá haver quem discorde, mas é ligado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros que o ensino da Língua tem todas as condições para se expandir globalmente, precisamente porque este é o único departamento da Administração capaz de ter uma melhor perceção da importância da presença dos portugueses espalhados pelo mundo. Por isso mesmo, é também pela diplomacia, mais do que pelo Ministério da Educação, que passa a resolução de muitos problemas associados ao Ensino de Português no Estrangeiro, seja em que modalidade for, pelo simples facto de serem as embaixadas e consulados que têm uma relação de proximidade maior com as comunidades e com os governos e administrações dos respetivos países.

Portanto, ao contrário do que diz o inultrapassável professor Santana Castilho, expoente máximo da sabedoria e da humildade, adjetivador incontinente que do alto da sua cátedra não tem pudor em chamar “pedabobos” a pessoas com vidas inteiras dedicadas a esta área, o Ensino de Português no Estrangeiro não está moribundo. Está bem e em expansão, e terá de certeza um grande futuro, porque nenhum Governo se atreverá a diminuir este que é um dos instrumentos centrais da afirmação de Portugal no mundo, nem é concebível que oficialmente se adote uma retórica de valorização da Língua e depois se desinvista nas políticas.

Esta conversa do EPE com os pés para a cova evoca as únicas duas ou três vozes que há pelo menos duas décadas andam a anunciar a morte do Ensino de Português no Estrangeiro, sem se vislumbrar, porém, qualquer sinal de funeral. Mas aquilo que a evidência demonstra é que só mesmo quem está longe desta realidade ou tem alguma luta particular pode fazer semelhantes afirmações…

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