O alegado caso de peculato pode ofuscar o desempenho de Marine Le Pen e do seu partido Rassemblement Nacional (RN) nas eleições parlamentares francesas antecipadas de julho, onde conquistou 126 lugares — o suficiente para influenciar o instável governo minoritário do primeiro-ministro Michel Barnier.
A partir desta segunda-feira, em Paris, vão ser julgados, o próprio partido RN e pelo menos nove ex-eurodeputados. Entre eles está Marine Le Pen, o vice-presidente do partido Louis Aliot, o porta-voz Julien Odoul – um dos nove ex-assistentes parlamentares – e quatro funcionários do RN.
A denúncia chegou em 2015, e expôs um alegado sistema de empregos falsos no RN que abrange contratos de assistentes parlamentares entre 2004 e 2016. O Ministério Público de Paris abriu uma investigação em 2016, desencadeada por um relatório de 2015 do presidente do Parlamento Europeu dirigida ao ministro da Justiça francês.
Os investigadores analisaram a situação de 49 assistentes parlamentares do RN ao longo dos últimos três mandatos do Parlamento Europeu. Desta pesquisa resultaram várias acusações: 11 membros da RN da assembleia da UE, incluindo Marine Le Pen e o seu pai, por apropriação indébita de fundos da UE, e acusaram 13 assistentes parlamentares de receber os fundos.
Os procuradores argumentam que os assistentes, na verdade, trabalhavam exclusivamente para o partido, fora do parlamento. A acusação explica que muitos destes alegados funcionários não conseguiram descrever seu trabalho diário e alguns nunca conheceram o seu suposto chefe parlamentar ou entraram no prédio do parlamento.
Um guarda-costas, uma secretária, o chefe de gabinete de Le Pen e um designer gráfico foram alegadamente contratados sob falsos pretextos.
“Posso ir a Estrasburgo amanhã para ver como funciona uma sessão e conhecer Mylène Troszczynski, a minha supervisora?”, escreveu Odoul a Marine Le Pen em 2015 – quatro meses após o seu contrato como assistente parlamentar de Troszczynski ter começado. “Sim, claro”, respondeu Le Pen, conversa citada na publicação britânica The Guardian.
Várias pessoas testemunharam sobre o teor de uma reunião de 2014 onde, segundo uma delas, foi discutido uma « estrutura clara de empregos falsos”.
Entre as provas contra os réus estão contratos feitos por períodos tão curtos, como por exemplo, a existência de um único dia para explorar verbas de gastos. No rol dessas evidencias de acusação consta também uma mensagem do tesoureiro do partido, Wallerand de Saint-Just, onde alertou sobre as finanças desastrosas do RN, escreveu: “não sairemos disso sem fazer economias significativas graças ao parlamento europeu”.
As autoridades do Parlamento Europeu dizem que foram desviados três milhões de euros. A RN já devolveu um milhão. Porém, o partido insiste que não é uma admissão de culpa.
Entretanto, Le Pen já tinha afirmado ao Le Parisien, em meados de setembro que “não somos culpados de nada”. Rodolphe Bosselut, o advogado da dirigente de extrema-direira, não quis prestar declarações antes do julgamento, que deve durar até 27 de novembro.
O partido RN, anteriormente conhecida como Frente Nacional (FN), “não gosta da Europa. A única coisa de que eles gostam é do dinheiro da União Europeia”, realçou Patrick Maisonneuve, representando o Parlamento Europeu.
Os procuradores argumentam que outro réu, Thierry Legier, trabalhou como guarda-costas de Le Pen e de seu pai, Jean-Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional, enquanto recebia um salário como assistente parlamentar entre 2005 e 2012.
« Papel de vítimas »
O partido RN sublinha que a investigação é uma forma de “perseguição” e abuso político do sistema de justiça.
Para a cientista política Nonna Mayer, da Universidade Sciences Po, em Paris, estas afirmações permitem ao partido de extrema-direita colocar-se como vítima. “Sempre que o partido ou os seus líderes são atacados, eles assumem papel de vítimas”, argumenta.
Um outro especialista político da Universidade de Tours, Sylvain Crépon, disse à AFP que, historicamente, “os escândalos de outros partidos favorecem a RN, mas escândalos na RN não beneficiam outros partidos”. Para já este julgamento está sob os holofotes da sociedade francesa e apresenta-se como um obstáculo para Marine Le Pen, depois dos últimos anos de sucesso, colocando em causa o futuro político da candidata que já concorreu três vezes ao cargo presidencial francês.
Jean-Marie Le Pen, com 96 anos, não comparecerá ao julgamento por motivos de saúde. As acusações de uso indevido de fundos públicos acarretam penas máximas, que vão de multas no valor de um milhão de euros, a 10 anos de prisão e 10 anos de impedimento de exercer cargos públicos.
A RN está sob outra investigação preliminar, iniciada em julho pelo Ministério Público de Paris, sobre suposto financiamento ilegal de sua campanha presidencial de 2022.