REPORTAGEM: Paris acolheu última conferência sobre 50 anos do 25 de abril antes de colóquio internacional
Por Maria Constantino, da agência Lusa
A última conferência do ciclo “O corpo nos seus movimentos, resistência, dissidência e protesto – Ecos do abril português”, decorreu ontem em Paris, antes do colóquio internacional em novembro sobre os 50 anos do 25 de abril.
“Organizei este evento com um laboratório de investigação sobre as culturas de língua portuguesa, Portugal, Brasil e todas as outras. Este ano é o cinquentenário do 25 de abril e, evidentemente, tínhamos que também marcar esta temporalidade importante e resolvemos também trabalhar sobre as questões do corpo resistente, do corpo em movimento”, disse à Lusa Graça dos Santos.
Para a investigadora da Universidade de Paris-Nanterre, onde é também vice-presidente da Cultura, da Vida Comunitária e da Extensão e diretora do Centro de estudos interdisciplinares do mundo lusófono (CRILUS), “um corpo em movimento é tanto um corpo que se move, portanto, nas artes, cinema, teatro, música, mas é também um corpo em movimento social, em movimento protestatório e em movimento estético”.
A conferência “Os corpos dos outros e o 25 de abril de 1974 – A restituição da memória e as gerações que se seguiram” trata-se de um trabalho experimental da investigadora convidada Margarida Calafate Ribeiro, desafiada por outros investigadores, entre os quais Graça dos Santos.
Apesar da chuva forte que atingiu Paris durante a tarde, cerca de duas dezenas de pessoas deslocaram-se à Fundação Casa das Ciências do Homem (FMSH) para ouvir a conferência em francês, organizada pela Biblioteca Gulbenkian de Paris e pela Universidade de Paris-Nanterre.
“Foi um grande desafio, porque eu nunca tinha pensado muito nesta questão do corpo em relação a estes movimentos todos”, disse à Lusa Margarida Calafate Ribeiro, professora e coordenadora de investigação no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, referindo que esta conferência é “algo muito significativo”, porque funciona como uma oficina de conhecimento.
Durante a apresentação, Margarida Calafate Ribeiro mostrou registos fotográficos do antes e do pós-revolução em Portugal e nas antigas colónias, nomeadamente dos “retornados”, bem como filmes e música mais recentes das gerações que já não viveram a revolução.
“O 25 de abril é uma data histórica, mas é uma data viva, onde todos os portugueses, brancos, mestiços, negros, indianos, etc., colocam sempre a sua esperança”, acrescentou Margarida Calafate Ribeiro, referindo que “é uma data de luta pela democracia, não exclusivamente europeia, mas da democracia em geral, e sobretudo é um lugar de colocação de novas questões”.
Para a investigadora do CES, que trabalha a questão da descolonização, das memórias e das pós-memórias do 25 de abril, foi um desafio “pensar como é que estes corpos estão, como é que eram no antigo regime, como é que eles depois se apresentam no 25 de abril, há uma diferença geracional enorme, e depois também no chamado retorno”.
Além disso, também teve de pensar “como é que estes corpos estão tão segregados e quase embalados com as próprias bagagens das pessoas, como é que eles se espalham no território português, e as diferenças que há entre se são corpos brancos, mestiços ou negros”, concluindo que na narrativa do retorno não foram incluídos “os corpos negros que vieram”.
Estes corpos vindos de África vieram para “um território com duas particularidades, um país pobre, que estava a sair de uma ditadura e que estava em processo revolucionário”, mas estas pessoas “voltaram de um território que era uma colónia, não era um país”, por isso não se tratando de imigração.
Já para Graça dos Santos, “cada vez que se fala do 25 de abril são homens, a mulher migrante é sempre a esposa do homem, não é considerada por si própria”, por essa razão no trabalho que desenvolve também enquanto encenadora na sua companhia de teatro bilingue francês-português Cá e Lá tenta ter « ousadia » na forma como aborda estas questões com os jovens.
“Aqui em França nunca se falou tanto de Portugal como este ano, com esta questão do 25 de abril, e em geral também se abriu para outras temáticas que não eram evidentes. Mas eu continuo sempre a alimentar a ausência de mulheres, não há praticamente nada sobre as mulheres”, afirmou Graça dos Santos, referindo que as mulheres não são “figuras de proa”.
A investigadora, que se considera “um produto” do 25 de abril apesar de se ter mudado em criança para a França, defende que é necessário “fazer uma espécie de reverberação entre este acontecimento com o nosso presente”, o que tentaram fazer com o ciclo de 12 conferências, com a parte artística e com o colóquio.
Entre os dias 07 e 09 de novembro, a Contemporânea, maior biblioteca europeia de arquivos sobre a história contemporânea, na Universidade de Paris-Nanterre, a Casa de Portugal – André de Gouveia e Casa do Brasil, Cidade Internacional Universitária de Paris receberão o grande colóquio “Ecos de abril em França, visões e movimentos do passado e do presente”.
“São três dias em que não vamos só fazer algo que seria de arquivos, de história, de testemunhos, também queremos que se projete para o futuro, e vamos ter uma tarde toda só com jovens investigadoras”, afirmou Graça dos Santos, revelando alguns temas como “As porteiras de Paris”, conhecida profissão das mulheres portuguesas emigradas, e “A memória dos pais relacionadas com a migração”.