Caso do bebé português fechado na mala de um carro: “O seu cérebro desligou-se para não sentir o frio, a fome ou o medo”. Julgamento de Rosa Maria da Cruz, que durante dois anos escondeu a filha, na mala de um carro, está a decorrer em Tulle, na região da Corrèze. Factos ocorreram há mais de cinco anos e a criança continua gravemente deficiente. Juízes, advogados e imprensa ficaram chocados com as primeiras sessões no tribunal.
Alfa/Expresso. Por Daniel Ribeiro. Artigo publicado em Portugal na quarta-feira, às 18h.
“É uma menina com vida, bastante bonita, com algumas capacidades de coordenação sobre coisas simples”, explicou Gilles Fonrouge, o presidente do Tribunal. O juiz detetou, no entanto, na criança, “uma ausência de comunicação espontânea, como se fosse impermeável ao que se passa à volta dela”.
Já Marie-Pierre Peis-Hitier, uma das advogadas dos serviços de ajuda à infância, que realizou o vídeo, informou que apenas se percebe claramente o que diz Sérèna quando ela diz “não”. “Ela apenas pronuncia três ou quatro palavras depois de muito solicitada pela assistência familiar”, acrescentou.
Séréna é hoje uma criança adotada e, de acordo com especialistas ouvidos pelo tribunal e pela imprensa, apenas na adolescência e na idade adulta se poderão avaliar realmente as sequelas ligadas às “privações sensoriais e aos estímulos dos seus primeiros 23 meses de vida”. Alguns evocam “um défice funcional a 80 por cento” e “uma síndroma irreversível de autismo”.
“Só começou a mastigar no ano passado, aos seis anos, já aprendeu a caminhar e a andar de bicicleta, mas no que respeita ao cérebro é irrecuperável. Estava num estado lastimoso. Para simplificar: o seu cérebro desligou-se para não sentir o frio, a fome ou o medo. Hoje não poderemos voltar a ligar o que foi desligado”, explicou o especialista Bernard Magret.
O tribunal vai agora examinar o perfil psicológico da mãe da criança, que escondeu a gravidez e deu à luz, dentro de casa, sozinha e às escondidas do marido, Domingos Sampaio Alves, e dos outros três filhos.
Rosa Maria da Cruz incorre numa pena de 20 anos de prisão. Tem 50 anos, e Domingos 45. Este já depôs perante o tribunal, onde reiterou que desconhecia a existência de Séréna até ela ter sido descoberta por acaso, a 25 de outubro de 2013, pelos empregados de uma oficina de automóveis na região onde habita.
Foto: Rosa Maria da Cruz/AFP