Carlos Costa, um governador contaminado. Opinião, por Vítor Matos, editor de política do Expresso.
Carlos Costa esteve lá. O governador do Banco de Portugal viu, cheirou e tocou. Estava dentro da Caixa, quando os milhões passavam por debaixo de narizes sensíveis que não farejavam o risco. Em Portugal começa a haver um historial endémico de figurões que não sabem, não se lembram, não percebem nem imaginavam o que se passava sob as suas sensíveis narinas. Pouco se saberia, se não fosse a pressão pública, da imprensa ou do Parlamento (apesar das imperfeições, este arremedo de democracia ainda vai funcionando).
Segundo uma investigação que fez capa da revista Sábado da semana passada, Carlos Costa esteve pelo menos em quatro reuniões do Conselho Alargado de Crédito da CGD. Numa dessas reuniões, foi aprovada a efetivação de um empréstimo de 150 milhões de euros ao empresário Manuel Fino para comprar ações da Cimpor. O atual governador do Banco de Portugal – administrador da CGD entre abril de 2004 e setembro de 2006 – esteve presente em pelo menos três reuniões que avalizaram este crédito e outros empréstimos arriscados ao grupo Investifino. Também votou favoravelmente o crédito de 170 milhões para a compra do empreendimento do Vale do Lobo, no Algarve. Em finais de 2015, a Investifino devia 138 milhões de euros à Caixa, que então previa a perda de 133 milhões. O regabofe foi total, mas de 2000 a 2013 ninguém deu por nada. Auditores e supervisores incluídos. O que se passa na Caixa fica dentro da Caixa seria uma boa máxima de outros tempos, mas 5 mil milhões de recapitalização depois, é impossível continuar de olhos fechados. É preciso responsabilizar quem facilitou cada euro de crédito sem critério.
A Sábado perguntou ao Governador se pedia escusa para apreciar os casos relacionados com a Caixa. O governador não respondeu. Uns dias depois, acabou por anunciar o pedido de escusa para não “participar nas decisões do Banco de Portugal decorrentes das conclusões desta auditoria [da EY à Caixa]”. Caixa fechada, Caixa aberta: agora com os males à solta, é impossível voltar a metê-los lá dentro. Percebe-se porque é que tentaram por tudo esconder a auditoria. Contamina tudo.
Se o governador do banco central pede escusa para avaliar um caso é porque está contaminado. Porque se sente contaminado. Ou por saber que a perceção geral é que está contaminado. O resto da sua equipa, que tomará as decisões, sentirá toda a liberdade e independência para censurar o chefe se os factos o obrigarem? O Bloco de Esquerda acha que não e defende a exoneração do governador: “Alguém pode garantir que Carlos Costa é idóneo para ser governador do Banco de Portugal? Quem é que pode neste momento garantir que tem idoneidade e condições?”, questionou ontem Mariana Mortágua. A suspeita quanto à sua idoneidade é, em si, incompatível com as funções que desempenha”.
A questão é que o governador é “inamovível”, ou seja, ninguém o pode despedir. Aliás, o Diogo Cavaleiro escreve no Expresso Diário que nunca aconteceu na Europa o que o BE quer em Portugal: afastar o governador de um banco central. A formulação legal na legislação europeia é genérica: “Um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”.
O PCP também já veio dizer que está disponível para acompanhara exoneração de Carlos Costa. E o CDS também se junta à esquerda: “É indiscutível que a exoneração de Carlos Costa tem de se colocar”, diz o deputado João Almeida. O Governo reagiu com uma fórmula redonda, deixando as decisões para depois da investigação concluída: o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, disse que estão a ser apuradas responsabilidades, do ponto de vista criminal, contraordenacional e civil. “Serão tiradas todas as consequências sem olhar a quem”. Para o PSD, o pedido de exoneração de Carlos Costa é “desproporcionado”. Os sociais-democratas querem apurar responsabilidades « rapidamente » mas « de forma tranquila ».
Elisa Ferreira, vice-governadora do Banco de Portugal, não pedirá escusa da análise à auditoria sobre a CGD, como fez Carlos Costa. O seu marido foi vice-presidente da espanhola La Seda, que recebeu créditos do banco público que resultaram em enormes prejuízos para a CGD.