Precisa de medicamento que custa dois milhões de euros. Bebé Matilde internada nos cuidados intensivos. « O tempo foge a passos largos »
Até quinta-feira, a família da pequena Matilde recebeu quase 400 mil euros em donativos para ajudar a comprar um medicamento que pode ajudar a tratar a atrofia muscular espinhal do tipo 1 e que custa dois milhões de euros.
Alfa/com DN
« Hoje passei bem a noite, mas de manhã fiquei muito aflita da respiração e estou nos cuidados intensivos… Agora estou estável, mantenho o antibiótico e a máscara de oxigénio, para poder recuperar e poder começar o tratamento que me vai dar mais tempo até conseguirmos a cura… A nossa luta continua e o tempo foge a passos largos ». A mensagem foi publicada esta sexta-feira à tarde, no Facebook, pelos pais de Matilde, a bebé de dois meses que sofre de atrofia muscular espinhal do tipo 1, uma doença rara que pode beneficiar de um medicamento que só está disponível nos EUA e que custa perto de dois milhões de euros.
Depositando toda a esperança neste fármaco – o mais caro do mundo -, Carla Martins e Miguel Sande lançaram uma campanha de solidariedade, que até quinta-feira lhes permitiu angariar 394 833 euros.
« Caminhamos milhões de passos cada vez mais perto do sonho de ver a nossa bebé correr, saltar, crescer saudável sem depender de máquinas para viver. Num dia conseguimos cerca de 228 000 euros… Vocês são mesmo fantásticos », lê-se na página do Facebook Matilde, uma bebé especial.
Matilde sofre de atrofia muscular espinhal (AME), uma doença rara que afeta 110 pessoas em Portugal, 80 das quais são crianças. O tipo 1, que era conhecido como doença de Werdnig-Hoffman, é a forma mais grave da doença, que é causada por mutações num gene – o SMN1. Resultado: a criança vai perdendo a força e desenvolve atrofia muscular, paralisia progressiva e perda de capacidades motoras. Afeta todos os músculos do corpo, mas não tem qualquer efeito nas capacidades cognitivas.
Em Portugal, é prescrito um medicamento – o Nusinersen – que atenua os sintomas da doença, mas não trava a sua progressão. Por isso, a esperança da família é um medicamento chamado Zolgensma, que custa 1,9 milhões de euros e ainda só está aprovado pela FDA, a autoridade americana do medicamento – aguarda aprovação pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA). A terapia, que vindo a apresentar resultados positivos, tem efeitos prolongados, embora ainda não se consiga ter a certeza se são permanentes.
Medicamento mais promissor
Contactada pelo DN, Manuela Santos, coordenadora da subespecialidade de Neuropediatria da Ordem dos Médicos, confirma que os doentes tratados até agora com este medicamento têm apresentado melhores resultados. « Apesar do elevadíssimo preço, quando soubemos que o medicamento foi aprovado pela FDA ficámos muito contentes, porque é mais promissor e parece que tem melhores resultados [do que o Nusinersen] para os doentes com AME do tipo 1 », disse ao DN a especialista.
Apesar do elevadíssimo preço, quando soubemos que o medicamento foi aprovado pela FDA ficámos muito contentes, porque é mais promissor.
A neuropediatra trabalha no Centro Hospitalar do Porto, onde são seguidas duas crianças com a mesma forma da AME. « É a forma mais grave da doença, que se inicia mais precocemente e que antigamente levava ao falecimento da maior parte dos doentes antes dos dois anos de idade ».
Contudo, a medicação atual já permitiu mudar um pouco a evolução da doença. « Um dos nossos doentes vai a caminho dos três anos ».
Este novo medicamento atua sobre o fabrico de uma proteína importante para a atividade motora, que fica posto em causa nesta doença, que se caracterizada pela ausência de um gene e dessa mesma proteína.
« Está a ter resultados quando o início da medicação é feito o mais precocemente possível. Foi aprovado para doentes até aos 6 meses ». Daí a urgência que os pais têm em arranjar os dois milhões de euros o mais rápido possível.
Segundo Manuela Santos, a administração do Zolgensma é feita com uma única injeção nas veias, enquanto o Nusinersen é administrado « com punção lombar e de maneira crónica » – é um medicamento para toda a vida. Contas feitas, prossegue, « ao fim de cinco anos, o medicamento de que dispomos agora fica mais ou menos ao mesmo preço da ampola nova ».
Ao fim de cinco anos, o medicamento de que dispomos agora fica mais ou menos ao mesmo preço da ampola nova.
Pais dão rosto à doença
Na opinião da coordenadora da subespecialidade de Neuropediatria da Ordem dos Médicos, os pais da bebé Matilde, Carla e Miguel, « conseguiram dar uma imagem à doença », pois « é diferente quando as pessoas veem uma criança ou quando apenas ouvem falar ». Quando veem, prossegue, « caem na realidade do que são as doenças neuromusculares ». « É sempre muito terrível um filho nascer assim. É uma doença muito particular », sublinha.
Nos últimos dias, a família de Matilde recebeu milhares de donativos com vista à compra do medicamento. Uma das entidades que se associou à causa foi o núcleo IRA – Intervenção e Resgate Animal, com a doação de aproximadamente seis mil euros. A verba estava a ser angariada para a compra de uma viatura para o resgate de animais, mas os responsáveis decidiram direcioná-lo para ajudar a bebé.
« Damos por terminada a sondagem com 83% dos IRADOS e IRADAS a favor da entrega do montante de 6.541,12 EUR (menos o montante não autorizado pelos angariadores) aos pais da Matilde », lê-se no Facebook do IRA.