O dilema do voto dos portugueses no estrangeiro – artigo publicado pelo deputado socialista Paulo Pisco no jornal Público.
Apesar de ter havido progressos nas modalidades de voto e nas condições de votação, está ainda longe de ser ganha a batalha de conseguir que o exercício do direito de voto seja ao mesmo tempo universal e seguro, fundamental para a proteção da democracia.
De cada vez que se realizam eleições, os elevados níveis de abstenção dos eleitores no estrangeiro e a frustração de muitos cidadãos que não conseguiram votar são sempre tema de notícia e de preocupação. Merecem atenção, por isso, tanto as eleições presidenciais, cujo voto é exercido presencialmente nos consulados, como a votação para a Assembleia da República, que se realiza por correspondência, com a possibilidade, desde as últimas eleições, de opção pelo voto presencial, fundamental nos países onde os correios funcionam mal.
Apesar de ter havido progressos nas modalidades de voto e nas condições de votação, está ainda longe de ser ganha a batalha de conseguir que o exercício do direito de voto seja ao mesmo tempo universal e seguro, fundamental para a proteção da democracia. Por isso, estamos perante um grande dilema, porque os sistemas de voto atualmente utilizados apresentam tantos prós como contras.
O grande desafio para os legisladores é procurar as melhores formas de garantir a participação universal, a segurança técnica, o sigilo e a verdade eleitoral. E é evidente que os sistemas de votação podem sempre ser aperfeiçoados, em termos de fiabilidade, combate ao desperdício de votos e para evitar que tantos eleitores sintam a frustração de não conseguirem votar, seja qual for a razão.
Não obstante o recenseamento automático implementado em 2018 ter trazido para a cidadania mais de um milhão e cem mil novos eleitores, a verdade é que não se pode ignorar o facto de ter havido cerca de um milhão e duzentos mil eleitores que não votaram nas eleições legislativas e cerca de um milhão e quatrocentos mil que não votaram agora nas presidenciais, sendo que no primeiro caso o número de votantes foi cerca de seis vezes superior e no segundo um pouco mais que o dobro relativamente aos respetivos atos eleitorais anteriores.
Existem, portanto, duas modalidades de voto consagradas na Lei, a presencial, para a Presidência da República, que se realiza num círculo único que engloba os eleitores do território nacional e os do estrangeiro, e por correio, em que os quatro deputados ao Parlamento são eleitos em dois círculos eleitorais, Europa e Fora da Europa, entre os 22 círculos para elegerem 230 deputados.
Na votação por correspondência, há sempre maior participação (em torno dos 10%), mas há um enorme desperdício de votos, entre os que não chegam ao destino ou a tempo de ser contabilizados ou que são anulados na mesa de contagem, como aconteceu nas últimas legislativas, em que foram anulados 35 mil votos em 160 mil. Além disso, é preciso contar com a ineficiência ou perturbações nos correios em vários países.
Mas o mais preocupante são os casos recorrentes que põem em causa a verdade e transparência eleitoral, como a utilização privilegiada de endereços dos eleitores ou a recolha de votos porta a porta. O caso ocorrido nas legislativas de 2015 é paradigmático, visto um candidato totalmente desconhecido a concorrer pelo inexpressivo Nos! Cidadãos ter quase sido eleito de uma forma que levantou muitas suspeitas, por ter obtido, só em Macau/China, 2532 votos e apenas 99 em dezenas dos restantes países do círculo de Fora da Europa.
O voto presencial é o mais fidedigno de todos. Cada um é senhor do seu voto e os resultados são conhecidos no próprio dia, ao contrário das eleições para a Assembleia da República, em que só são conhecidos dez dias depois das eleições, atrasando a tomada de posse do Governo para além do razoável. Mas tem um enorme senão. Milhares de inscritos nos cadernos eleitorais ficam impossibilitados de votar devido às enormes distâncias que têm de percorrer para chegar ao posto consular. E isto é tão inaceitável do ponto de vista da igualdade de oportunidades eleitorais como a possibilidade de haver qualquer tipo de fraude com os votos.
Finalmente, existe uma terceira via, de que se tem falado muito, que é o voto eletrónico de forma remota, que, dada a dimensão e dispersão das comunidades portuguesas no mundo, seria a modalidade que melhor garantiria uma participação universal. Só por isso vale a pena tentar implementar um sistema de voto on line que garanta a inviolabilidade do sistema e a verificabilidade dos resultados, o que representa um grande desafio técnico. Pode parecer fácil, mas não é. Se fosse, não haveria apenas, atualmente, um único país no mundo com a votação por Internet, a Estónia.
Independentemente de tudo, os portugueses residentes no estrangeiro, merecem, todos eles, ter condições para participar nas eleições, tal como acontece em Portugal, em que só não vota quem não quer.