Carta aberta de antigo Presidente do CCP ao PR Marcelo. Ensino do português em Montpellier. Quem acode à nossa língua?

Alfa – Foto de abertura: José Machado, ao centro na foto, em dezembro de 2015, em Guimarães, durante a apresentação do livro “Gérald Bloncourt – O olhar de compromisso com os filhos dos Grandes Descobridores”, de historiador Daniel Bastos (à direita na imagem).

 

Carta aberta de José Machado, antigo Presidente da Federação das Associações Portuguesas de França e também antigo Presidente do Conselho Permanente do Conselho das Comunidades Portuguesas ao Presidente da República de Portugal. 

 

“Monsieur Le President je vous fais une lettre”

« Quem acode à nossa língua?

Senhor Presidente da República.
Residi e trabalhei em França durante mais de 40 anos. Durante todo esse percurso da minha vida, o combate que sempre mobilizou as minhas energias foi a defesa da língua portuguesa no estrangeiro.

Fui presidente da Federação das Associações Portuguesas de França durante 17 anos e, também nessas funções, para mim e para os meus companheiros associativistas, o ensino do português, em França, esteve sempre no centro das nossas orientações programáticas.
Quando fui eleito para presidir, durante 6 anos, ao Conselho Permanente do Conselho das
Comunidades Portuguesas, esse combate foi também partilhado, a nível mundial, pelos mais de 100 Conselheiros eleitos na nossa Diáspora. Para todos eles, a luta em defesa da língua de Camões, nos seus países de acolhimento, esteve sempre no centro das suas preocupações.

A nossa língua e a nossa imagem no estrangeiro devem muito a todos esses homens e mulheres que se entregaram “de corpo e alma” a essa altruísta missão!

E se hoje, reformado pelo sistema francês e regressado a Portugal, me dirijo ao Presidente da República do meu país, é porque penso que é sobretudo a ele, no exercício das suas funções, que compete a defesa da língua portuguesa, como pilar da nossa identidade e da nossa história milenar.

Senhor Presidente, a Academie de Montpellier decidiu recentemente que a língua
portuguesa não devia passar as portas dos estabelecimentos do ensino público dessa região, porque e cito…” o seu ensino faria baixar o nível desses estabelecimentos”.

Ao tomar conhecimento de tal provocação, imaginei-me nos finais dos anos 60, quando a nossa língua era tratada de “língua de emigrante”, e ouvíamos os mesmos argumentos quando exigíamos o seu ensino, do Primário ao Superior, e um tratamento idêntico aquele reservado em Portugal à língua francesa.

O poder político em Portugal já devia ter reagido energicamente a esta lamentável decisão da Academie de Montpellier que, aliás, é contrária ao disposto nos Acordos entre os dois países.

A reação da Coordenação do Ensino do Português, sediada em Paris, é claramente insuficiente.

A Embaixada de Portugal em Paris já deveria ter reagido junto das autoridades francesas e, além disso, não se compreende o mutismo do Ministério dos Negócios Estrangeiros…
Fomos milhões, os militantes da língua portuguesa nas nossas comunidades no mundo, que
dedicamos muitos anos das nossas vidas a esse nobre combate, para agora ficarmos insensíveis perante tais exemplos.

Quantas vezes tivemos de lutar sozinhos, sem o apoio do nosso próprio país, para que os nossos  filhos pudessem crescer e formar-se no estrangeiro recorrendo à língua portuguesa.

Senhor Presidente, por ironia do destino, a minha filha, nascida em França, é hoje médica
cardiologista nessa mesma cidade de Montpellier e toda a sua formação foi um combate para ter o português, como língua ensinada nos vários estabelecimentos de ensino que frequentou…e a língua portuguesa contribuiu imenso para ela ser o que é hoje, uma jovem, perfeitamente bilingue e profundamente ligada a Portugal.

Dizia-me ela, no último verão em Portugal, que se esforçava para que os meus dois netos
pudessem estudar o português na região de Montpellier…por este andar os seus filhos não terão a sua sorte!

Parece que o ex-Presidente, Aníbal Cavaco Silva, durante o seu mandato, achou por bem aceitar o estatuto internacional de “língua rara” para a língua portuguesa em troca de uns subsídios…eis o resultado!

José Machado
Ex- Presidente da Federação das Associações Portuguesas de França e ex-Presidente do Conselho Permanente do Conselho das Comunidades Portuguesas

 

Nota da Alfa: a situação do ensino da Língua Portuguesa em Montpellier foi desenvolvida na Rádio Alfa num recente programa « Passagem de Nível »

 

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