A revelação Conan Osíris. De Onda Choc a Amália: a história de um enigma contada pelo próprio

Amado por uns criticado por outros, Conan Osíris foi um dos escolhidos na primeira semifinal do Festival da Canção. Já ouviu ?

Em entrevista à BLITZ, o responsável pelo álbum mais misterioso de 2018 fala sobre as suas influências, desejos para o futuro e a maturidade que precisou de conquistar para apreciar fado.

Às vezes nem a noite nem Deus, nem diabos nem ateus, nem a terra nem os céus querem resolver o meu problema. Às vezes nem o dia nem a luz, nem o sangue nem o pus, nem o fogo nem a cruz querem resolver o meu problema. E o problema é: eu adoro bolos”. É desta forma dramática e inflamada, mas com um twist no final, que arranca a canção que dá nome ao terceiro álbum de Conan Osiris, músico lisboeta que depois de vários anos a fazer música assume começar agora a ser levado mais a sério. Adoro Bolos, editado no final de 2017, equilibra-se entre um humor direto, com tanto de ingénuo quanto de sarcástico, e uma tragédia subliminar, transversal a canções com nomes tão originais quanto “Titanique”, “Celulitite” ou “Nada Nada Nada Nada”, que encontra o eco perfeito na inflexão afasdistada da voz de Osiris.

« É TUDO PARA MIM. EU ESTOU A CANTAR PARA MIM, MAS NÃO É PARA MIM NO SENTIDO EGOÍSTA, SOU EU A FALAR COMIGO PRÓPRIO »

Quando o confrontamos com as reações pouco consensuais à sua música, ri-se e mostra-se surpreendido. Mas leva-se a sério? “Agora é mais a sério porque as pessoas também acham que é a sério”, atira, “para mim sempre foi a sério, mas se agora as pessoas pensam que é mais verdadeiro fico ‘OK’. Normal”. A tragicomédia de temas como “100 Paciência” (“Eu fui à médica ver se era encefalite / eu fui à médica ver se era uma hepatite / mas não tinha solução”) ou a faixa inicial, “Borrego” (“A noite é uma assassina / a noite é tua inimiga / a noite não é menina com se queira casar / mas a culpa é minha (…) eu é que sou borrego”), encaixa como uma luva na esquizofrenia de composições anárquicas, que tocam em coisas tão díspares quanto o folclore, eletrónicas com pingo cigano, visões exóticas do fado (“Barcos (Barcos)”; “Titanique”), funaná mal assumido ou batalhas entre riffs agressivos de guitarra e ritmos a la Bollywood (“Ein Engel”).

“A vida é mesmo assim: é para chorar e também é para rir, então tenho de ter essas duas coisas”, assume Osiris, “eu choro e rio, tenho de fazer coisas que são para ter graça, e para pôr-me graça a mim próprio, e também coisas para chorar, se for para chorar”. E acrescenta que se há alguma coisa que não cabe na sua música é mesmo o jazz, “como não sei tocar, aí é mais difícil eu ir… É só jazz, talvez, porque [no jazz] é só improvisar, e para mim tem de estar tudo bem, na escala”. Explica que é autodidata e que decidiu experimentar fazer música quando ainda andava na escola (hoje, trabalha numa sex shop): “instalei o programa e, com tanta experimentação, comecei a conseguir fazer o que estava na minha cabeça, basicamente”.

E quando decidiu mostrar as suas composições ao mundo? “Inicialmente, fazia música só para mim e para os meus amigos. Coisas muito simples, sem batida, sem nada”, recorda, “depois comecei a desenvolver mais e foi quando tive o meu PC e consegui instalar o programa que passei a fazer as batidas”. Ultrapassou a vergonha inicial criando uma “banda”, os Powny Lamb, com uma amiga – “ela não fazia nada, só dizia ‘está bom’ ou ‘não está bom’. E era mesmo isso que eu queria” –, partilhando as suas composições no MySpace. Ao fim de alguns anos, a referida amiga cansou-se… “Arranjei outro nome e foi aí que comecei a fazer o que estou a fazer agora”. Nasceu o Conan Osiris, casamento feliz entre O Rapaz do Futuro (da série anime do cineasta japonês Hayao Miyazaki) e a divindade egípcia associada à vida no além (“sempre gostei de mitologia”). “O Conan Osiris veio ao encontro do Tiago”, defende, “se calhar antigamente até havia um bocadinho de personagem no Conan, mas agora são a mesma coisa…”.

Quando questionado sobre a música que ouvia em criança, mencionando as comparações que têm surgido a artistas como António Variações ou Carlos Paião (às quais juntamos, também, Paulo Bragança e o sírio Omar Souleyman), não hesita: “ouvia tudo!”. Refere primeiro a banda infantil Onda Choc, mas junta-lhe algumas preferências da mãe: “sempre ouviu Leandro e Leonardo, mas também bachata [ritmo musical originário na República Dominicana]… quando eu acordava estava a aspirar com a Amália e depois trocava e punha o Midjor di Kizomba”. Fala também das Spice Girls, Iran Costa, Evanescence, kuduro, quizomba e funaná, sem esquecer as “coisas estranhas” que começou a ouvir quando surgiu a SIC Radical, como Sigur Rós e Björk.

A inflexão afadistada da voz, que não se ouvia em Silk, álbum quase totalmente instrumental de 2014 (só canta, curiosamente, em “Amália”), e só começou a ensaiar, timidamente, em Música, Normal (de 2016), é algo que só chegou com o passar do tempo, defende. “Antigamente não tinha maturidade para apreciar as pessoas a cantar fado, música portuguesa”, assume, acrescentando que o facto de a mãe assistir muito a programas de televisão antigos fez com que a vontade de cantar em português se fosse tornando maior. “Não é que seja melhor eu cantar assim, mas sai-me mais normal. Não sei explicar muito bem… A voz sai-me mais normal. Não é que não saísse em inglês, nada disso, mas parece que sai melhor”.

Conan Osiris
Conan Osiris /RITA CARMO
Antes de posar para a câmara fotográfica da BLITZ, Conan Osiris atira para o ar, “agora sou a Claudia Schiffer”. Quando o questionamos sobre a musa inspiradora, os objetos de afeição indefinidos, das suas canções e lhe perguntamos diretamente se é um pinga-amor, não usa meias palavras: “ei, não é nada. É tudo para mim. Eu estou a cantar para mim, mas não no sentido egoísta. Sou eu a falar comigo, a dizer ‘olha, tu tens de dizer isto… as pessoas é que sabem o que vão perceber da música, não interessa, mas tu tens de dizer isto agora’. E depois faço o que mando a mim próprio”. E a tal pessoa que adora mais do que adora bolos? “OK, eu quero saber que adoro bolos, mas ninguém quer saber disso. As pessoas querem saber uma coisa mais forte… Tenho de dizer qual é a razão da música: eu adoro mesmo bolos, isso é verdade na vida real, mas adoro-te mais a ti… Alguém”.
Alfa/Expresso/Blitz
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