“A situação dos portugueses na Venezuela é muito grave. Mas a grande maioria não quer regressar”

José Luís Carneiro: “A situação dos portugueses na Venezuela é muito grave. Mas a grande maioria não quer regressar”

 

José Luís Carneiro, secretário de Estado das Comunidades Portuguesas

Foto de ALBERTO FRIAS

Politicamente, a situação mudou um pouco na Venezuela nos últimos meses, com o reconhecimento de Juan Guaidó como presidente interino e a sua tentativa, fracassada, de afastar o Presidente venezuelano Nicolás Maduro do poder, mas os problemas da comunidade portuguesa e lusodescendente continuam. Continua a haver falta de medicamentos e de alimentos e continua a insegurança. Isso mesmo confirmou o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, no primeiro de três dias de visita ao país.

Alfa/Expresso – entrevista de Helena Bento e de Marta Gonçalves

A que se deve esta visita de três dias à Venezuela?

Esta visita tem quatro objetivos fundamentais. O primeiro tem que ver com as novas condições de apoio médico a portugueses e lusodescendentes. Como é de conhecimento público, foi realizado um acordo entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Movimento Associativo Português na Venezuela que permitiu o trabalho dos médicos em rede, facilitando os diagnósticos e exames, assim como elaborar os pedidos de medicamentos, posteriormente canalizados e enviados para o Ministério da Saúde.

Outro dos objetivos passa por estabelecer um diálogo com o Movimento Associativo, no contexto das candidaturas aos 100 mil euros em apoio financeiro disponibilizado pelo Estado português. Há uma terceira dimensão da visita, que tem que ver com o encontro com várias entidades do país: já reuni com a Conferência Episcopal e vou encontrar-me com conselheiros das comunidades, dirigentes de associações e também com deputados da Assembleia Nacional.

O objetivo é avaliar os termos em que os canais de comunicação e apoios estabelecidos, assim como as medidas que têm vindo a ser adotadas, estão a produzir os seus efeitos na vida concreta dos portugueses e dos lusodescendentes. Por último, refira-se que esta visita acontece também no âmbito das comemorações do dia 10 de junho, promovidas pela embaixada e nas quais participa uma grande parte da comunidade portuguesa e representantes de instituições venezuelanas, dos vários níveis de poder.

A Assembleia Nacional é composta na sua maioria por membros da oposição, portanto supõe-se que é com esses que pretende encontrar-se…
Sim, mas o encontro, que está marcado para as 9h00 de quarta-feira, será com deputados lusodescendentes. Temos mantido um diálogo com todas as forças políticas e institucionais da Venezuela. Ainda há pouco tempo, estive em representação do sr. ministro [Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros] num encontro com o Grupo de Contacto Internacional. E estive quer com Juan Guaidó, e os vice-ministros da União Europeia, secretários de Estado e líderes dos partidos da oposição, quer com o PSUV [Partido Socialista Unido da Venezuela, no poder] e o próprio Nicolás Maduro. Todos os atores institucionais são merecedores do nosso respeito e todos podem concorrer para uma solução política e pacífica para o impasse que se vive no país. Não se trata de um encontro político e bilateral.

Que temas serão tratados no encontro com os deputados da oposição?
Fundamentalmente, eles pediram para ser ouvidos e recebidos por nós, querem manter um diálogo com o Estado português e o Governo, e o nosso dever é ouvi-los, tal como ouvimos todos os outros representantes institucionais e tal como temos feito com outros portugueses e lusodescendentes eleitos para as instituições políticas dos seus países de acolhimento. Não podemos postergá-los só porque foram eleitos.

Mas há alguma ligação entre este encontro e a missão do Grupo de Contacto Internacional?
Não. Mas também não é um encontro paralelo. Eu estou aqui para falar com os portugueses e os lusodescendentes. E obviamente que os portugueses e os lusodescendentes que têm funções políticas também são merecedores da nossa atenção.

Algum deputado do partido no poder, e eleito para a Assembleia Nacional, pediu para ser ouvido?
Não. Mas eu falarei com todos aqueles que quiserem falar, é meu dever ouvir as suas preocupações e procurar canalizá-las pela via consular e diplomática.

Quando será o encontro? Não há qualquer referência na agenda oficial da visita.
Está marcado para quarta-feira, pelas 9h00 da manhã.

Portugal reconheceu Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela. Isso veio afetar as relações diplomáticas com a Venezuela? Foi colocado algum entrave à presente visita ao país?
Tal como tem sido afirmado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, o Estado português reconheceu Juan Guaidó como presidente da Assembleia Nacional com o encargo de realizar eleições livres, democráticas e justas, no seguimento do mandato que lhe foi confiado por parte da União Europeia. Portugal teve uma posição de conformidade com a posição europeia. A administração do Estado venezuelano, a administração de facto, continua porém a funcionar, e os assuntos que nos interessam discutir, nomeadamente a proteção dos portugueses e dos lusodescendentes que aqui se encontram, são assuntos de Estado e têm de ser discutidos com o Estado. Quanto a entraves, não foram colocados nenhuns. Queria, aliás, referir, que as relações Estado a Estado, assim como as condições de trabalho consular e diplomático, têm-se mantido impecáveis.

Concluiu esta segunda-feira o seu primeiro dia de visita ao país e às comunidades portuguesa e lusodescendente. Quais as principais preocupações que lhe foram transmitidas?
No postos médicos, foi-me transmitida a informação de que a situação é, de facto, muito grave. Há problemas graves de saúde — como hipertensão, diabetes e doenças oncológicas — para os quais não há resposta do ponto vista das instituições locais. Também a escassez alimentar, ou a alimentação não adequada, têm causado problemas de saúde muito graves. Daí que haja um especial reconhecimento pela forma como o Estado português está a esforçar-se para, em circunstâncias tão difíceis, ter estruturas que dão apoio.

Quando fala de dificuldades no acesso a serviços de saúde, refere-se à falta de medicamentos?
A falta de medicamentos, ou o elevado preço dos que se encontram disponíveis, é uma das razões que leva os portugueses e lusodescendentes a procurar ajuda nestes postos de apoio médico. Do ponto de vista alimentar, têm-nos chegado relatos de que há produtos alimentares em falta em todo o país. A alimentação é feita à base de hidratos de carbono, faltam as proteínas (a carne, o peixe, os ovos) e as vitaminas. É pouco diversificada e isso traz consequências para a saúde.

É seguro para os portugueses estar na Venezuela?
A grande maioria dos portugueses com que falámos não querem regressar porque têm aqui as suas vidas construídas. Falei com uma das utentes das consultas médicas que me dizia que tinha cá os filhos, os netos e a casa, que tinha toda a vida aqui. É muito difícil — para não dizer impossível — deixar tudo para trás e regressar a Portugal. As raízes que os ligam aqui são tão profundas que dificilmente saem, mesmo com as oportunidades criadas pelo governo português. Não é expectável que regressem muitos mais a Portugal.

Mas não respondeu se era seguro ou não…
A Venezuela é um dos países onde há cidades com indicadores de violência dos mais altos do mundo. As fraudes e os raptos para efeitos de extorsão de dinheiro têm sido reportados por várias organizações internacionais. Contudo, o que se fala muito é da grande escassez de bens e condições económicas. E quando a escassez é profunda, os níveis de insegurança sentem-se.

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