« Ainda Estou Aqui », de Walter Salles, conquistou o Óscar de Melhor Filme Internacional

"Anora" afirma-se como filme vencedor dos Óscares que penalizam "Emilia Pérez".

O filme « Anora », de Sean Baker, foi o vencedor da 97.ª edição dos Óscares, conquistando cinco das seis categorias para as quais estava nomeado, seguido de « O Brutalista », com três prémios, enquanto « Emilia Pérez » se limitou a dois.

« Ainda Estou Aqui », de Walter Salles, levou a língua portuguesa aos distinguidos, ao conquistar o Óscar de Melhor Filme Internacional, superando « A Rapariga da Agulha”, de Magnus von Horn (Dinamarca), « A Semente do Figo Sagrado », do iraniano Mohammad Rasoulof (Alemanha), « Flow – À Deriva », de Gints Zilbalodis (Letónia), que ganhou o prémio de Melhor Longa-metragem de Animação, e o próprio “Emilia Pérez”, do francês Jacques Audiard.

O filme de Walter Salles, que também estava nomeado para Melhor Filme e Melhor Atriz Principal, pela interpretação de Fernanda Torres, já premiada nos Globos de Ouro, remete para o período da ditadura militar do Brasil (1964-1985), recuperando a história do político Rubens Paiva, que foi preso, torturado e morto, e da mulher, a resistente Eunice Paiva.

« Anora » venceu os Óscares de Melhor Filme, Melhor Atriz (Mikey Madison), Melhor Realizador, Melhor Argumento Original e Melhor Montagem, reunindo quatro dos principais prémios, aproximando-se do pleno de clássicos como « Uma Noite Aconteceu », de Frank Capra, « Voando sobre Um Ninho de Cucos », de Milos Forman, e « O Silêncio dos Inocentes », de Jonathan Demme (que também conquistaram o Óscar de Melhor Ator). « Anora » cedeu apenas a nomeação de Yura Borisov para Melhor Ator Secundário a Kieran Culkin, distinguido por « A Verdadeira Dor ».

O filme de Sean Baker conta a história de uma ‘stripper’ norte-americana que se casa com o filho de um oligarca russo. A base do enredo permitiu ao apresentador desta edição dos Óscares, o comediante Connan O’Brien, fazer a única piada obviamente política da noite: « Acho que os americanos estão entusiasmados por ver alguém finalmente enfrentar um russo poderoso ».

Mikey Madison, que conquistou o seu primeiro Óscar, defendeu, durante a aceitação do prémio, a comunidade de trabalhadoras do sexo, e reforçou os apelos de Sean Baker em defesa do cinema independente. Madison superou Demi Moore (« A Substância »), que a crítica e as casas de apostas davam como favorita, Fernanda Torres, que já vencera o Globo de Ouro pelo desempenho de « Ainda Estou Aqui », Cynthia Erivo (« Wicked ») e Karla Sofía Gascón (« Emilia Pérez »), que ditou a sorte final do mais nomeado dos filmes desta edição, com a revelação de antigos ‘tweets’ seus de caráter racista e xenófobo.

O musical “Emilia Pérez”, que somava 13 nomeações – um recorde para um filme em língua não inglesa -, premiado no Festival de Cannes, viu desta vez a popularidade cair sobretudo por causa das mensagens da atriz, depois de ter sido criticado pela forma como representou a comunidade trans, ao contar a história de um chefe de um cartel mexicano de droga que fez uma transição de género.

“Emilia Pérez” estava indicado, entre outros, para Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Realização, Melhor Fotografia, Melhor Atriz Principal e limitou-se a dois prémios: Melhor Canção (« El Mal »), num segmento apresentado por Mick Jagger, dos Rolling Stones, e Melhor Atriz Secundária, Zoe Saldaña.

« O Brutalista », drama do pós-guerra de Brady Corbet, ficou em segundo lugar, com três Óscares, incluindo o segundo de Melhor Ator para Adrien Brody – 22 anos depois de ter sido distinguido por « O Pianista » -, além dos prémios de Melhor Fotografia e Melhor Banda Sonora.

O Óscar de Melhor Documentário foi para o filme israelo-palestiniano « No Other Land », que, quase sem orçamento e sem apoio de um distribuidor nos Estados Unidos, vingou na votação da Academia.

Dirigido por dois realizadores israelitas e dois palestinianos, « No Other Land » expõe a destruição de casas de cidadãos palestinianos pelo exército israelita, na Cisjordânia.

« Nós fizemos este filme, palestinianos e israelitas, porque as nossas vozes juntas são mais fortes », disse o realizador israelita Yuval Abraham, na aceitação do Óscar.

Abraham apelou ao fim da « destruição atroz de Gaza e do seu povo », e à libertação dos reféns israelitas, « brutalmente capturados no crime de 07 de outubro [de 2023] », pelo Hamas.

Na sua intervenção, Abraham apelou ainda a « um caminho diferente, uma solução política, sem supremacia étnica, com direitos nacionais para ambos os povos ».

O realizador israelita deixou ainda uma crítica à administração norte-americana: « Devo dizer que, enquanto aqui estou, a política externa deste país está a ajudar a bloquear esse caminho ».

O realizador palestiniano Basel Adra, por seu lado, considerou « uma grande honra » a atribuição do Óscar. « ‘No Other Land’ reflete a dura realidade que enfrentamos há décadas e a que resistimos, ao mesmo tempo que apelamos ao mundo para que tome medidas sérias para pôr fim à injustiça e à limpeza étnica do povo palestiniano », concluiu Adra, habitante da Cisjordânia.

“Flow – À Deriva”, de Gints Zilbalodis, venceu o Óscar de Melhor Longa-metragem de Animação, o primeiro conquistado por um filme letão, deixando para trás produções como “Divertida Mente 2”, « Robot Selvagem » e “Wallace & Gromit: A Vingança das Aves”.

« Wicked », com dez nomeações, ficou com dois Óscares: Melhor Design de Produção e Melhor Guarda-Roupa, distinguindo Paul Tazewell, o primeiro homem negro a conquistar um Óscar nesta categoria.

« Duna: Parte Dois », com Melhor Som e Melhores Efeitos Especiais, somou igualmente dois Óscares, enquanto « A Substância » apenas conseguiu ganhar o de Melhor Caracterização.

“Conclave”, que somava oito nomeações, incluindo Melhor Filme, obteve um Óscar para Peter Straughan, pelo Melhor Argumento Adaptado.

« A Complete Unknown », que faz uma leitura dos anos iniciais de Bob Dylan, teve oito nomeações, incluindo Melhor Filme, e nenhum Óscar.

A gala abriu com Ariana Grande a cantar « Somewhere over the Rainbow », do clássico « O Feiticeiro de Oz », de Victor Fleming, e homenageou os bombeiros de Los Angeles, chamando a palco representantes de diferentes corporações, por causa dos incêndios de janeiro.

A homenagem aos profissionais do cinema que morreram no último ano decorreu ao som da « Lacrimosa », do Requiem de Mozart, e trouxe de novo ao ecrã rostos como os das atrizes Gena Rowlands e Teri Garr, do realizador e produtor Roger Corman, do músico e ator Kris Kristofferson. « Esta semana, a nossa comunidade perdeu um gigante, e eu perdi um querido amigo, Gene Hackman », disse o ator Morgan Freeman, na apresentação deste segmento.

A 97ª edição dos Prémios da Academia realizou-se esta noite no Dolby Theatre, em Hollywood, com 52 filmes nomeados em 23 categorias.

 

Walter Salles triunfa nos Óscares e diz que « é a cultura do Brasil que está a ser reconhecida”.

 

Walter Salles considera o primeiro Óscar de sempre do Brasil com o filme “Ainda Estou Aqui”, o reconhecimento para a cultura e o cinema brasileiros.

O realizador brasileiro Walter Salles, que venceu esta noite o primeiro Óscar de sempre do Brasil com o filme “Ainda Estou Aqui”, considerou que este reconhecimento é para a cultura e o cinema brasileiros, que hoje ecoa pelo mundo.

“Não é um filme que é reconhecido, é a cultura que está a ser reconhecida, é a forma como fazemos cinema no Brasil, é a literatura brasileira com o livro de Marcelo Paiva, é a música brasileira”, afirmou o cineasta, nos bastidores dos Óscares da Academia.

“Toda esta jornada foi sobre refazer a memória de uma família ao mesmo tempo que refazíamos a memória de um país durante 21 anos de ditadura militar”, considerou Salles, que dedicou a estatueta dourada a “três mulheres extraordinárias”: Eunice Paiva, a protagonista da história, e as atrizes Fernanda Torres e Fernanda Montenegro.

Walter Salles lembrou que o filme foi visto nos cinemas por cinco milhões de brasileiros e conseguiu ultrapassar a barreira do sistema político binário do país.

Segundo o realizador, a ressonância que está a ter nos mercados internacionais, incluindo Portugal e Estados Unidos, pode ser entendida pela fragilidade cada vez maior da democracia um pouco por todo o lado.

“Nunca pensei que seria tão frágil, até mesmo neste país, e por isso o que aconteceu no Brasil no passado parece muito próximo do que está a acontecer agora”, salientou Walter Salles.

“O filme é principalmente sobre perda e como reagimos a ela, como a superamos e como lutamos contra a injustiça”, considerou.

“Esta mulher teve a possibilidade de quebrar ou de abraçar a vida e ela abraçou a vida”, afirmou, referindo-se à forma de resistência de Eunice Paiva, baseada no afeto.

Salles também salientou a importância do jornalismo, da literatura, do cinema e das canções como forma de preservar a memória.

“A memória esteve no centro deste projeto. Vivemos num momento em que a memória está a ser apagada como um projeto de poder”, afirmou. “O que fazemos pode lutar contra a possibilidade do esquecimento e isso é muito importante”.

Para evocar a autenticidade do momento retratado, a equipa usou 35mm e Super 8 como forma de mergulhar o público no passado sem interferências artificiais. “Tentei trabalhar de uma forma em que pudéssemos recriar a memória de um período específico no Brasil, os anos setenta, e uma forma de fazer foi isso foi escapar do digital”.

Com este Óscar de Melhor Filme Internacional, Salles tem ainda esperança de dar um incentivo aos filmes independentes no Brasil.

A sua vitória foi muito celebrada na sala de entrevistas, onde a agência Lusa e vários meios brasileiros de comunicação social puderam fazer entrevistas ao cineasta e congratulá-lo em português, uma enorme raridade nos bastidores dos Óscares.

 

*** Ana Rita Guerra, da agência Lusa, em Los Angeles ***

 

Com Agência Lusa

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