Alerta ao Vinho do Porto. A queda do império francês

Em 10 anos, a exportação de vinho do Porto para França perdeu oito milhões de garrafas e 17 milhões de euros. Resultado: em 2017 Portugal bateu a França no campeonato das receitas. Mas no consumo os franceses seguem destacados. A Porto Cruz é a marca que lidera destacada o mercado francês. O CONSUMO do vinho do Porto está em queda. PRODUTO CODIFICADO, IMAGEM ENVELHECIDA – Vinho do PORTO « sofre de défice de comunicação ».
Alfa/Expresso – por ABÍLIO FERREIRA

 

No ano em que os Beatles encantavam o mundo com ‘Love Me Do’ (1963), o vinho dos ingleses, produzido no Douro e engarrafado no Porto, confirmava que nos negócios a realidade é feita de mudança.

A Inglaterra, que sempre funcionara como placa distribuidora do vinho do Porto, perdia a liderança para França. Cinquenta e quatro anos depois, Portugal vence, em valor, à tangente (800 mil euros).

No campeonato vinícola, a nova ordem impôs-se em 2017, confirmando o desempenho dececionante do mercado francês.

Em 10 anos, o sector reduziu em França de 90 para 73 milhões de euros (19%). Em volume, perdeu oito milhões de garrafas (23%). No consumo (e as garrafas levam vinho e não euros) a França permanece destacada: compra 2,2 milhões de caixas de 12 garrafas contra 1,4 milhões do mercado português.

PRODUTO CODIFICADO, IMAGEM ENVELHECIDA
Como se explica este declínio que inquieta e sobressalta os operadores? A tendência « acentuou-se nos últimos anos, afeta outros mercados maduros, como a Bélgica, Holanda e Reino Unido e confirma que o sector não soube responder à mudança de hábitos de consumo », responde Jorge Dias, diretor-geral da Porto Cruz.

A marca, detida pelo conglomerado La Martiniquaise, representa metade das vendas em França e faz neste mercado dois terços do seu negócio (30 milhões de garrafas).

Jorge Dias acredita que a gama alargada com que o Porto lida ajuda « a atenuar queda ». Mas, « sofre de défice de comunicação ». É um vinho « demasiado codificado, com uma imagem envelhecida, que torna difícil a comunicação a novos segmentos de consumidores ».

A Cruz aplica 10% da receita em campanhas promocionais mas reconhece que as margens esmagadas não deixa espaço para campanhas massivas.

Neste « cenário de preocupação », Jorge Dias cita um elemento de alarme: a redução, em 2017, das marcas dos importadores foi de 12%. Esta pressão « ameaça a rentabilidade dos produtores no Douro » que não beneficiam do acréscimo de valor das categorias especiais.

CONSUMO DE VINHO EM QUEDA
O consumo de vinho em França está em queda (redução de 15% em oito anos) e o Porto não escapa ao movimento. Manuel Cabral, presidente, presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) reconhece que as « campanhas contra o consumo, em especial de vinhos com alto teor alcoólico » é uma das principais causas, admitindo até que o Porto tenha resistido melhor do que outros generosos concorrentes.

Manuel Cabral cita ainda como causas do declínio « a redução do consumo do mercado da saudade », o agravamento, em 2012, da taxa sobre as bebidas com teor mais elevado e a imagem de aperitivo barato. Cabral congratula-se com « a evolução positiva do preço médio » do mercado francês.

E classifica de « momento histórico » a subida de Portugal ao pódio, um estímulo original, tendo em conta a vocação exportadora que sempre orientou o vinho do Porto. As vendas em Portugal incorporam uma dose de exportação disfarçada, pelo efeito do turismo. É por isso que 340 anos depois do registo da primeira remessa para o exterior (1678), o mercado doméstico subiu ao primeiro lugar do pódio.

A receita em Portugal acelerou ao ritmo do fluxo turístico – de 50 milhões (2011) para 74 milhões (2017). Mas, Manuel Cabral explica a prosperidade doméstica também pelo « novo interesse dos portugueses pelas categorias especiais » de um vinho que « carrega uma imagem de portugalidade » e beneficia do « orgulho nacional » que percorre o país.

INSISTIR NA PROMOÇÃO
António Saraiva, presidente da Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP) e administrador da Rozès (grupo Vranken Pommery) exprime o sentimento do sector. O declínio é « muito preocupante » e precisa de ser combatido. No mercado francês, o Porto « desfruta de grande notoriedade, mas sofre imagem de ser um aperitivo de baixo custo, com uma clientela envelhecida ».

Como combater o declínio e recuperar o brilho perdido? IVDP e AEVP concordam é preciso conquistar agentes comerciais e líderes de opinião, promovendo « campanhas para seduzir novos públicos, programas dirigidos a sommeliers com propostas de harmonizações e um esforço para impor as categorias especiais ».

A estratégia promocional terá de conceder um novo posicionamento no mercado, através « da valorização do produto, novos momentos de consumo e a sedução das gerações mais jovens », diz António Saraiva.

REDUZIR O TEOR ALCOÓLICO
Como primeira medida, Jorge Dias defende a redução (pelo menos 1%) do teor alcoólico, uma proposta que a Porto Cruz já apresentou à comunidade vinícola. Depois, « é preciso tornar o produto mais acessível, simplificar a comunicação, associando o Porto a cocktails e long drinks ». O sector « não pode ficar parado, tem de provocar os consumidores e ganhar as novas gerações », sob pena do declínio continuar.

A Martiniquaise investiu na última década 70 milhões na Cruz e « está confortável com a evolução do sector » por ter a visão de longo prazo. A paixão pelo Douro e pelo vinho do porto « só possível a quem depende de um grupo familiar »– as quatro principais companhias (90% do mercado) são todas familiares.

A estratégia do IVDP tem priorizado « a sensibilização de intermediários e profissionais do consumo » como a rede de escolas hoteleiras, o concurso de Master of Port” ou cursos de Master Classes, promovendo harmonizações c produtos das gastronomia francesa.

Manuel Cabral confia que a preferência turística dos franceses por Portugal e a tendência da segunda a terceira gerações de emigrantes para valorizar os produtos portugueses « terão um efeito virtuoso no reposicionamento do vinho do Porto ».

Quando se fala em promoção, António Saraiva indigna-se logo com « a política de cativações » e a « prepotência » do Ministério das Finanças que congela 8 milhões de euros do IVDP.

Esse dinheiro deveria ser aplicado na promoção porque « é dinheiro do sector, que resulta das taxas aplicadas » ao vinho do Porto. No fundo, as empresas « são duplamente tributadas ». Além dos impostos normais, sofrem com as taxas que acabam depois nos cofres do Tesouro.

PREÇO MÉDIO: 5 EUROS
Em 2017, o desempenho global do vinho do Porto seguiu a tendência recente: exportação em queda (0,3% em valor e 2,1% em volume), com uma subida gradual do preço médio (2,6%).

O mercado doméstico esteve em alta: Portugal cresceu 6% em valor (para 73,7 milhões) e volume (0,2%). Tudo somado, o volume somou 8,4 milhões de caixas (-1,7%) e a receita ficou nos 380,2 milhões de (+0,9%).

Em 2017, o preço médio subiu nos principais mercados (Suiça e Japão foram as exceções), superando finalmente a cifra dos 5 euros (5,03). Estados Unidos e Dinamarca são os mercados com o preço por litro mais elevado: 9,16 e 8,63, respetivamente.

.As categorias especiais atingiram uma quota recorde de 22,4% em volume (21,8% era a anterior) e 42,7% em valor (41,6%). Os mercados russo (58%) e brasileiro (14%) registaram as maiores subidas em valor. Entre os 10 maiores, foi a Alemanha (5,5%), desalojando o Canadá da oitava posição.

Os mercados em que as marcas dos importadores têm maior peso são a Polónia (60%), Alemanha (45%) e Bélgica (40%).

No vinho do Porto, o recorde de vendas permanece nos 428 milhões de euros, registado em 2002 (10,6 milhões de caixas de 9 litros).

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