Podem ser estudantes, investigadores, artistas, professores, ou simplesmente membros de uma minoria ameaçada no Brasil de Jair Bolsonaro, o recém-empossado Presidente brasileiro que, entre outras medidas, já pediu ao Ministério da Educação que condicione as bolsas a « critérios ideológicos ».
Alfa/Expresso
O Instituto de Estudos Superiores da América Latina lançou na sexta-feira, em Paris, uma rede internacional de ajuda a estudantes, artistas ou intelectuais que se sintam ameaçados nas suas profissões ou já tenham sido alvo de algum tipo de violência ou discriminação no Brasil de Jair Bolsonaro. Solidarité France Brésil(Solidariedade França Brasil, em português) é o nome da iniciativa, lançada com a presença do filósofo e colunista do jornal Folha de S. Paulo Vladimir Safatle, do cientista político Luiz Felipe Alencastro e de duas historiadoras francesas, Maud Chirio e Anaïs Fléchet, entre outros.
Os lugares para esta iniciativa esgotam rapidamente e havia muita gente sentada no chão do anfiteatro do Instituto, escreve a rádio RFI. Entre o público estiveram investigadores, professores, ativistas dos direitos dos negros, representantes de movimentos feministas e também membros da comunidade LGBT.
Quase todos podem teoricamente vir a ser alvo de remoção das bolsas de estudo por “critérios ideológicos”, segundo planos que já estão a ser discutidos pelo Ministério da Educação brasileiro. Bastante querido entre os presentes, Sfatle lembrou do revisionismo do governo Bolsonaro, que “neste momento mesmo em que falamos, tira dos livros de História a expressão ‘ditadura’ e substitui por ‘movimento’ militar”.
“Acabou, foi uma ruptura e é hora de viver o luto desta Nova República. Somos o único grande país da América Latina que elegeu através do voto direto um governo militarista de extrema direita. Isso é inédito no continente. (…) Tudo o que vier [no Brasil] a partir de agora não terá conexão com o que quer que seja que tenhamos vivido no passado. Mas não podemos deixar que acabem com a imaginação política do Brasil”, disse ainda Safatle.
Já Juliette Dumont, uma das organizadoras desta rede de solidariedade, disse que esta rede vai ligar-se a outras que já existam com o mesmo propósito, nomeadamente com uma iniciativa norte-americana universitária “que possui o mesmo objetivo e reúne hoje 230 universidades, liderada por James Green, um grande especialista do Brasil [diretor da Associação de Estudos Brasileiros da Brown University, nos EUA]”, conta a historiadora.
Num primeiro momento, este movimento vai lutar contra a recente decisão do governo francês em aumentar em quase 1.500% a taxa de inscrição de cursos de pós-graduação em universidades da França para estudantes não europeus.
“Fomos contactados na Associação pela Pesquisa sobre o Brasil na Europa (Arbre) por diversos estudantes brasileiros que nos relatam que trabalham no Brasil sobre assuntos como a ditadura militar ou temas que são difíceis de serem tratados sob o atual governo e que gostariam muito de vir estudar na França. Já temos colegas brasileiros que foram obrigados a deixar o Brasil por causa de ameaças relacionadas a seu trabalho de pesquisa”, revela a historiadora.
A iniciativa deverá também criar em breve um canal YouTube para comentar notícias brasileiras, “um tipo de média acessível ao grande público” para “continuar a “mobilizar a opinião na França e outros países da Europa, e para manter nossa presença na imprensa francesa”, afirmou Dumont.
Já Erika Campello, presidente da associação Autres Brésils, disse que já está em contato com associações como Act Up, France Libertés ou Amnistia Internacional para tentar trazer para França brasileiros da comunidade LGBT e outras minorias menos protegidas, através de campos de estudo ou vistos de trabalho.