Atrasos nos consulados e burocracia levam portugueses a adiar pedidos para crianças nascidas no estrangeiro. Emigrantes estão a desistir de dar nacionalidade aos filhos
Um trabaho de RAQUEL ALBUQUERQUE no Expresso deste sábado, 16/11
Maria do Mar e Jonathan vivem em Inglaterra e têm dois filhos, ambos britânicos como o pai e só o mais velho português como a mãe. Também Emília Silva, emigrante na Suíça e casada com um espanhol, tem dois filhos pequenos e nenhum é português. Já Pedro Mendes, que vive a uma hora de Genebra, tem uma filha espanhola, a nacionalidade da mãe. Burocracia e dificuldade em conseguir ser atendido num consulado estão a levar muitos emigrantes portugueses a adiar ou mesmo desistir de dar a nacionalidade aos filhos.
Os emigrantes queixam-se de obstáculos burocráticos, demora excessiva e complexidade desnecessária num ato simples: registar os filhos nascidos no estrangeiro, para lhes atribuir a nacionalidade portuguesa, um direito garantido por lei. O pedido tem de ser feito num consulado, com a presença de ambos os pais, sujeito a demora na marcação de um atendimento ou em filas para tirar senha. Nem sempre é possível resolver o problema num dia, o que pode obrigar a pernoitar longe do local de residência. Por isso, há quem adie durante meses ou anos e quem acabe por desistir, sobretudo quando a mãe ou o pai tem outra nacionalidade com um processo de atribuição mais facilitado.
É o caso de Pedro Mendes, de 38 anos, que vive desde criança na Suíça, mas nunca perdeu a ligação a Portugal. Quando a filha nasceu, há oito anos, fez questão de lhe dar a nacionalidade portuguesa, a par da espanhola, da mãe, mas nunca conseguiu. Registá-la requer que ele e a mulher consigam tirar três dias de folga para ir até Genebra. “Tentámos registá-la nos dois consulados assim que nasceu. No português era preciso marcação com meses de antecedência, tínhamos de ir os três e ficar a dormir em Genebra. No espanhol aceitaram marcação para um sábado, bastou ir a mãe e na quinta-feira seguinte já tínhamos o passaporte em casa.”
Caso semelhante é o de Emília Silva, 40 anos, com nacionalidade portuguesa e suíça. Os filhos de cinco e três anos têm passaporte suíço e o mais velho também espanhol, como o pai. “No consulado de Espanha o processo é mais simples. Sinto que o nosso consulado parou no tempo. Até renovar documentos é difícil e já deixei caducar os meus.”
PROBLEMA COM VÁRIOS ANOS
“Há dois problemas em simultâneo: um é o atendimento extremamente demorado em alguns consulados, outro é o funcionamento de serviços como o Instituto de Registos e Notariado (IRN), a Segurança Social ou o SEF (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras)”, aponta José Cesário, antigo secretário de Estado das Comunidades nos governos de Passos Coelho e atual deputado do PSD pelo círculo de Fora da Europa. “Já havia dificuldades em alguns consulados quando estávamos no Governo, mas agravaram-se.” A passagem para as 35 horas de trabalho sem uma proporcional contratação de funcionários, a redução da prestação de serviços de call center e o aumento da procura dos consulados pelos emigrantes são as razões que aponta para o problema.
Sabendo dos meses de espera por atendimento num consulado no Reino Unido, Maria do Mar, 37 anos, aproveitou as visitas a Portugal para tratar do registo dos filhos, com esperança de que o processo fosse mais rápido. Há cinco anos, quando Lucas nasceu, o casal dirigiu-se a uma conservatória em Lisboa. “Foi rápido, mas rocambolesco. A funcionária exigiu que o pai do Lucas, que não é fluente em Português, confirmasse verbalmente que queria dar ao filho a nacionalidade portuguesa, como se a minha vontade não bastasse. Mas tinha de falar em Português de maneira a que a funcionária o entendesse e eu não poderia traduzir nem ter contacto visual com ele. Se não fosse percetível, teríamos de voltar noutro dia com intérprete”, conta a investigadora, a viver no Reino Unido há 13 anos.
Não manter os emigrantes ligados ao país “é contraditório com a política de incentivo ao regresso”
Em agosto deste ano, numa visita à família, aproveitou para tentar registar a filha mais nova, então com três meses. A primeira conservatória estava em greve, outra em Lisboa já não tinha senhas e acabaram por ser atendidos no Alto-Comissariado para as Migrações. “Perante o ‘Brexit’, queríamos garantir que a nossa filha tem passaporte português. Disseram-nos que os documentos levariam três meses a chegar, mas esse tempo já passou e nada.”
40 MIL PEDIDOS À ESPERA
A Secretaria de Estado das Comunidades admite que os tempos de espera para agendamento destes atos “são variáveis e dependem de acordo com os postos consulares e com os períodos do ano”, podendo existir maior afluência num determinado período. Mas nega a existência de atrasos. “Não existem dificuldades específicas no que concerne ao agendamento de atendimentos para registo de nascimento de filhos de cidadãos portugueses ou para pedidos de nacionalidade portuguesa.”
No Reino Unido, onde os problemas de atendimento se agravaram devido ao ‘Brexit’, o Governo sublinha que aumentou o número de funcionários nos consulados, além de ter renovado os equipamentos informáticos e de recolha de dados biométricos. Com isso, assegura ter reduzido de três meses para cinco dias o tempo de espera em Manchester. Em Londres, é necessário um mês e meio para pedir cartão de cidadão ou passaporte e um mês para os registos civis. Além disso, aponta a Secretaria de Estado, está a ser feito um trabalho de modernização do atendimento consular, que visa assegurar o serviço 24 horas por dia e “desmaterializar diferentes procedimentos consulares”.
“Os consulados poderiam pensar em medidas de agilização deste processo, até porque são a imagem visível do Estado português para os emigrantes”, alerta José Carlos Marques, professor na Universidade de Coimbra e coordenador de um projeto de investigação sobre o regresso dos emigrantes. “Até acredito que a situação esteja a melhorar, não só pela resposta dada face ao aumento da emigração, mas também porque é interesse do Estado manter os emigrantes ligados ao país. Caso contrário, é dada uma imagem contraditória com a política de incentivo ao regresso.”
Só que o problema não está só no atendimento nos consulados. Depois disso, vem a demora do processo no Instituto de Registos e Notariado. Se o pedido de nacionalidade for feito para um menor, numa conservatória em território nacional, é dada resposta num mês. Mas se for maior de idade, o prazo é superior. “Estão a ser analisados os pedidos de maiores entrados no fim de novembro de 2018”, indica o Ministério da Justiça. Até final de setembro, foram feitos 77.828 pedidos de atribuição de nacionalidade a filhos com pais de nacionalidade portuguesa e ainda estavam pendentes 40.480 pedidos.
No controlo de passaportes do aeroporto de Lisboa, Maria do Mar já foi chamada à atenção por viajar com os dois filhos com documentos de nacionalidades diferentes. Pedro Mendes admite não saber se continuará a insistir no pedido, lamentando que o processo seja tão complexo. “Não é por desinteresse da minha parte que a minha filha não é portuguesa.” Já Emília Silva continua com esperança de conseguir que a bebé de sete meses tenha a nacionalidade de ambos os pais. “Mas receio que mais depressa vá ser espanhola do que portuguesa.”