Coletes amarelos. Ato V. Governo pede tréguas. « Polícia está cansada »

Governo pede tréguas aos ‘coletes amarelos’ na sequência do ataque jiadista em Estrasburgo e da comunicação ao país de Emmanuel Macron

Alfa/Expresso. Adaptação de um trabalho publicado este sábado na edição semanal do Expresso. Por Daniel Ribeiro

Com a morte de Cherif Chekatt, abatido pela polícia anteontem, às 21 horas, em Estrasburgo, os franceses respiraram de alívio, sobretudo os alsacianos, que não vislumbravam o regresso a uma vida calma durante as 48 horas que o “terrorista do mercado de Natal” andou em fuga. Antes de morrer, o homem que matou três pessoas e feriu 13 ainda abriu fogo contra os agentes da lei numa rua do bairro de Neudorf.

O ataque do islamita — 29 anos, 27 condenações por delitos comuns em França, na Alemanha e na Suíça —, ao início da noite de terça-feira, travou o debate que decorria no país desde o discurso do Presidente francês, na véspera. Emmanuel Macron fez cedências aos ‘coletes amarelos’.

O Governo jogou a unidade nacional contra o terrorismo e pediu aos ‘coletes’ para não saírem à rua, no chamado Ato V, hoje, o quinto sábado consecutivo de manifestações pelo aumento do poder de compra e contra as desigualdades sociais. Diversos governantes argumentaram com a segurança e o cansaço das forças policiais, que terão, a um tempo, de tentar controlar concentrações e bloqueios de estradas e prevenir ou combater eventuais novos atentados.

O movimento dos ‘coletes amarelos’ está dividido entre radicais e moderados, e o êxito do Ato V é incerto, devido ao clima sombrio que o terrorismo instalou de novo no país. O discurso de Macron teve receção positiva entre certas categorias de ‘coletes’, abrindo portas a um “diálogo social por todo o país” nos próximos meses.

MOÇÃO DE CENSURA FALHOU

Durante um debate na Assembleia Nacional, quinta-feira ao fim do dia, de uma moção de censura apresentada pelo conjunto da esquerda e apoiada pela extrema-direita (chumbada, como se previa), o primeiro-ministro assegurou que o Executivo está a avançar em duas das principais reivindicações dos ‘coletes’: justiça fiscal e poder de compra. Édouard Philippe socorreu-se do “grande debate nacional” anunciado pelo Presidente, a arrancar nas próximas semanas.

O chefe do Governo foi impreciso, contudo, no que toca ao financiamento de algumas das medidas mais importantes anunciadas por Macron — suspensão de parte das contribuições sociais dos reformados que recebem pensões até 2000 euros, aumento do salário mínimo em 100 euros e horas extraordinárias de trabalho sem imposto —, que custarão 10 mil milhões de euros ao Estado.

A esta estimativa devem somar-se pelo menos 4000 milhões de euros relacionados com o anterior recuo no aumento dos preços dos combustíveis, gás e eletricidade. Philippe disse apenas que na próxima semana serão apresentadas “medidas de poupança orçamental e receita relacionadas com as empresas”.

As principais cedências de Macron aos ‘coletes amarelos’ custarão 10 mil milhões de euros ao Estado

Também quinta-feira, em Bruxelas, Macron surgiu fragilizado perante os parceiros europeus, mas tentou tranquilizá-los sobre o prosseguimento das reformas no seu país e o respeito pelos critérios do défice na zona euro. Afirmou que não desistiu da sua ambição de “reconstruir a Europa”. Já numa reunião com deputados franceses, terça-feira, justificou a derrapagem orçamental: “Em momentos de crise, as contas são secundárias.” No discurso que fez ao país, quase pediu desculpa aos franceses por ter parecido arrogante e, aos ‘coletes’, disse: “A vossa cólera é justa.”

Em Bruxelas, o chefe de Estado francês falava aos europeus depois de ter estado dois dias consecutivos em reuniões, no Palácio do Eliseu, com banqueiros e grandes empresários. Macron e Philippe foram obrigados a recuar devido à dimensão que a revolta dos ‘coletes amarelos’ atingiu. Esperam para ver o que acontecerá nas ruas este fim de semana.

Muitos dos ativistas continuam a pedir mais: aumentos gerais dos salários e das pensões mais baixas, reposição do imposto sobre a fortuna que Macron revogou e, no campo político, introdução do sistema proporcional na lei eleitoral para as legislativas e referendos de iniciativa popular.

Depois da comunicação do Presidente e do atentado de Estrasburgo, os ‘coletes amarelos’ continuam a ser apoiados por mais de 70% dos franceses, segundo uma sondagem divulgada ontem. Todavia, o mesmo estudo indica que apenas 52% pensam que o movimento deva continuar na rua, ao passo que 48% defendem que os ‘coletes’ devem entrar em negociações.

Diversas personalidades, incluindo da direita, socialistas e sindicalistas moderados, que até agora apoiavam o protesto, pediram uma atitude “razoável”. Os ‘coletes’, que ontem continuavam a bloquear estradas, garantem que o Ato V vai acontecer. “O povo vai continuar a gritar”, afirmou um deles, numa rotunda da Bretanha. “A polícia está cansada”, reconheceu o porta-voz do Governo, Benjamin Griveaux.

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