Migração e remessas. O(s) muro(s) é um tema nosso! Com toda esta diáspora portuguesa, a pergunta impõe-se: como seria o nosso país se (mais) muros se tivessem erguido em França, no Luxemburgo ou nos EUA?
In publico.pt – OPINIÃO; por João Pedro Ferreira, Investigador na área do planeamento regional e urbano na Universidade de Rutgers, Nova Jersey, EUA
Os fenómenos migratórios estão na ordem do dia e a discussão está (infelizmente) enviesada. Na secção internacional de um qualquer jornal vemos que Donald Trump “fechou” o Governo numa batalha solitária pela edificação de um muro. Noutra página, o recém-empossado presidente brasileiro decidiu abandonar o Pacto Global das Migrações, numa medida que prejudicará tanto os estrangeiros no Brasil como os brasileiros que também são estrangeiros fora do seu país. Este discurso assenta, fundamentalmente, no ódio e demonização dos imigrantes e lá, como cá, tem também feito o seu caminho e muitos são os episódios que nos devem alertar e preocupar.
É claro que, perante a atual falta de soluções para problemas locais e globais, o arsenal de mentiras e preconceito é usado para impor a ideia dos migrantes como um inimigo. Querem fazer-nos esquecer que essa pessoa é o nosso vizinho ou companheiro diário de autocarro ou metro. A partir de julgamentos baseados nas diferenças de cor, de feições, de linguagem ou de hábitos que à primeira vista não entendemos, deixamos de encarar o “próximo” como alguém que tem exatamente os nossos problemas, anseios e perspetiva de felicidade. Tal como os portugueses sempre fizeram, estamos perante alguém que quer apenas ter um trabalho, um rendimento melhor, segurança, dar um futuro melhor aos seus filhos e, quem sabe um dia, regressar ao seu país de origem para gozar a velhice.
De acordo com os últimos Censos, em Paris, cerca de 20% da população nasceu no estrangeiro e mais de 41% dos jovens com menos de 20 anos têm um progenitor nascido fora de França. Entre estes, cerca de 15% são portugueses. Em Aulnay-sous-Bois, cidade periférica de Paris e associada à comunidade portuguesa, o peso dos imigrantes chega a 32% do total da população. Em Champigny-sur-Marne, outra localidade com uma importante comunidade portuguesa, quase 25% da população é imigrante. No Luxemburgo, há cerca de 100 mil portugueses, o que corresponde a 16% da população total. Em Larochette, a vila mais portuguesa do Luxemburgo, há mais portugueses que luxemburgueses. Em Newark, Nova Jersey, cerca de 30% da população nasceu no estrangeiro. No entanto, especificamente no distrito de North Ironbound, mais de 65% da população nasceu fora dos EUA e uma parte significativa destes é portuguesa. Com toda esta diáspora portuguesa, a pergunta impõe-se: como seria o nosso País se (mais) muros (físicos ou legais) se tivessem erguido em França, no Luxemburgo ou nos Estados Unidos?
Tal e qual todos os outros imigrantes, os portugueses deixam a sua marca nos espaços urbanos onde se fixam. Sair da estação da Newark é, em muitos aspetos, como fazer uma visita a casa, não fosse a sistemática intrusão do inglês naquilo que são os nomes, logotipos e cheiros tão característicos de Portugal. Um americano conservador poderá brindar-nos com a pérola de que Newark não é a América. Saindo da estação de Newark, entramos na Ferry Street que nos brinda com um monumento dedicado à imigração portuguesa. De seguida, do lado esquerdo podemos observar a “Coimbra Jewelers”, uma ourivesaria paredes meias com um prédio onde existe um advogado italiano, especialista em imigração, e em cujas janelas podemos ver bandeiras brasileiras e portuguesas. As duas marcas de cerveja mais vendidas em Portugal concorrem pelo maior número de toldos e cadeiras espalhados nas esplanadas das ruas. Num dos poucos restaurantes mexicanos, uma imagem familiar com mais de metro e meio pousa numa mesa junto à porta de entrada. É a Nossa Senhora de Fátima. Serve mexicanos e portugueses, reforça um dos empregados do restaurante.
As conclusões deste trabalho são relevantes e evidenciam com clareza mais uma (entre muitas outras) razões para Portugal escolher o lado da tolerância e do combate ao ódio. Se, por um lado, é claro que os maiores canais de remessas partem dos Estados Unidos com o México, a Índia ou a China, ou da Grã-Bretanha para a Índia, quando a análise tem em conta o peso entre as relações de cada grupo de países, Portugal emerge como um dos casos mais relevantes à escala mundial. Em termos líquidos, as remessas de emigrantes representam mais de 20% das nossas interdependências do Canadá, mais de 15% com a Suiça e 12% da nossa dependência com França. Estas três relações de dependência por via das remessas de emigrantes estão entre as 15 com maior peso relativo à escala mundial. E, recentemente, soubemos que o envio de remessas para o nosso país voltou a aumentar. Das 44 economias analisadas, só a Índia e o México têm um peso tão expressivo em termos relativos como Portugal. A diferença em termos de impacto mediático resulta de termos 2,4 milhões de pessoas que nasceram em Portugal a viver fora do País, enquanto o número de indianos expatriados é de 16,5 milhões e de mexicanos 12 milhões (estimativas do Banco Mundial). Em termos percentuais, somos dos que mais emigram.
Somos um País de emigrantes e imigrantes. Na batalha pela busca de uma vida melhor fomos dos primeiros a partir. Ainda hoje temos quem o faça. Se queremos proteger o nosso direito a ser recebidos temos que saber que todos os muros que afastam famílias, que colocam o ser humano numa situação mais precária e frágil devem e têm de ser derrubados. O racismo e xenofobia crescem no clima de ausência de soluções mas nenhum remédio é de facto solução quando mete nas costas dos mais desfavorecidos e vulneráveis a responsabilidade pelo que se vai passando na sociedade. Nos Estados Unidos, no Brasil ou aqui, enquanto se erguem muros e barreiras, sejam fisicos ou legais, e se promove o discurso de ódio em canal aberto, os vistos gold permitem que oligarquias que geram a miséria nos seus países comprem o paraíso. Enquanto isso, quem apenas quer trabalhar é barrado, considerado criminoso e ilegal. Diz muito da nossa hipocrisia, não diz?