Legislativas: Costa defende mais imigração e mais estrangeiros a trabalhar em Portugal. Em almoço na Associação Caboverdeana, líder socialista defende o fim do regime de quotas do emprego de imigrantes, que limitava as entrada de acordo com as necessidades do mercado de trabalho. Costa quer mais imigrantes e não perdoa o passado da direita nesta matéria
Alfa/Expresso. Texto de Filipe Santos Costa
António Costa fez esta quarta-feira uma enérgica defesa da entrada de mais imigrantes em Portugal e de políticas mais eficazes de apoio à sua integração, e de combate ao racismo. São coisas diferentes, mas estão todas ligadas e, no fim do dia, todas contribuem para o Portugal que o líder socialista defende: “Um país aberto, cosmopolita e integrado, para todos”.
No discurso que fez na Associação Caboverdeana, antes de um almoço com quase centena e meia de pessoas (não cabia nem mais uma alma no histórico espaço, no coração de Lisboa), Costa lembrou o trabalho feito pelo PS, e por si próprio, para políticas de combate ao racismo e abertura à entrada de imigrantes, apontou o dedo aos erros dos Governos de direita – que perseguiam imigrantes e limitavam a sua entrada no país – e prometeu mexer naquilo que ainda vê como entraves a um país mais aberto e mais capaz de integrar a diferença.
SEPARAR COMBATE AO RACISMO E POLÍTICAS DE IMIGRAÇÃO
Nas propostas do PS para a próxima legislatura, Costa destacou a separação entre o combate ao racismo e a entrada e integração dos imigrantes. Porque o racismo, frisou, existe em Portugal e não se dirige apenas contra quem vem de fora, mas contra quem é diferente. “Não é a cor da pele que atribui a nacionalidade. Os portugueses negros ou de origem asiática têm de ser protegidos no combate ao racismo, mesmo não sendo imigrantes na sua própria terra”, sublinhou Costa.
O combate ao racismo, defendeu, deve ser reforçado, porque mesmo quando não está na lei, ele “existe na forma mais subliminar e não nos damos conta disso”. Exemplos? Só em 2015 Portugal teve no governo um negro (no caso, negra – a ministra da Justiça), ou a forma como “com tanta facilidade se fala dos ciganos como se fossem estrangeiros”.
Esta abertura, porem, não significa a aceitação cega do multiculturalismo, ressalvou Costa, pois há valores que se sobrepõem a tradições ou culturas específicas – por isso garantiu que o Governo continuará a lutar contra a excisão genital feminina ou a obrigar todos os jovens, de ambos os géneros, a frequentar a escolaridade mínima obrigatória.
A promessa de separar as políticas de combate ao racismo das políticas de entrada e integração de estrangeiros foi ao encontro de uma reivindicação apresentada, pouco antes, por Romualda Fernandes, caboverdeana e 19a candidata na lista do PS por Lisboa, o que significa que tem fortes hipóteses de ser eleita.
Foto. Tiago Miranda
O PEDIDO DOS PATRÕES: MAIS TRABALHADORES ESTRANGEIROS
Outra promessa do PS é fazer a separação orgânica entre as funções policiais, nas fronteiras, e as funções administrativas no relacionamento do Estado com os estrangeiros residentes em Portugal – neste caso, disse Costa, a máquina do Estado tem de ser relacionar com os imigrantes que já estão dentro do país da mesma forma que se relaciona com os nacionais.
Costa destacou ainda outro compromisso do programa socialista para permitir, com mais facilidade, a entrada de imigrantes que queiram trabalhar em Portugal. “Não há associação empresarial” que não peça isso, referiu. Por isso, Costa garantiu que “uma das primeira alterações legislativas” do seu próximo governo será para “acabar vez por todas” com as quotas de fixação de contingentes laborais para autorização de entrada em Portugal – trata-se de uma lei dos governos PSD-CDS, que limita a entrada de trabalhadores estrangeiros às necessidades do mercado laboral em cada momento. “Há uma regulação natural dos fluxos migratórios e devemos aceitá-la como ela é”, defendeu Costa.
LIVRE CIRCULAÇÃO NA CPLP
Da mesma forma que vê com bons olhos a entrada de mais trabalhadores em qualquer setor de atividade, o líder socialista defendeu a imigração como uma das vertentes para inverter o declínio demográfico do país.
Nesse sentido, Costa ainda defendeu que Portugal deve avançar para a livre circulação entre os países da CPLP, garantindo essa especificidade no âmbito do Espaço Schengen. E se algum dos países da CPLP não o quiser, « porque há uns que têm maus humores”, Portugal fará « acordos bilaterais » com os países que o queiram, assegurou.
O « ENCARNIÇAMENTO » DA DIREITA CONTRA A IMIGRAÇÃO
Não foi o único momento em que desfez a herança dos governos de direita em relação às questões de racismo e imigração. Costa lembrou os tempos em que Portugal não reconhecia os dentistas brasileiros, apesar de ter carência de dentistas, ou o episódio em que a Administração Interna deteve uma mãe negra e a sua filha no aeroporto de Lisboa. Um caso de reagrupamento familiar que comoveu o país em relação ao destino de Vuvu Grace e da sua filha, Benedicte – um imbróglio jurídico que envolveu o Supremo Tribunal, no qual Costa esteve envolvido como advogado de defesa, e que na sua opinião mostra bem o « encarniçamento contra a imigração » que existia na direita portuguesa. No fim desse caso, ambas foram deportadas – e só tiveram autorização de entrada quando Antonio Guterres chegou ao poder.
Foram episódios ocorridos durante as maiorias absolutas de Cavaco Silva, quando o responsável pela Administração Interna era Manuel Dias Loureiro. Costa não disse os seus nomes, mas apostou que os próprios, hoje, estarão envergonhados do que fizeram. Como quando o então primeiro-ministro e seu MAI convocaram o Conselho de Segurança Interna, alarmados com uma “invasão das brasileiras de maus costumes”…
Houve risos na sala, e Costa admitiu que sim, esses tempos estão tão distantes que já só fazem rir. Mas hoje, realçou, “há um grande consenso nacional relativamente às políticas de imigração e de combate ao racismo”.
Posto isto, todos se sentaram para um grande consenso local em torno da excelência da cachupa servida na Associação Caboverdeana. Tal como seria consensual uma decisão de substituir em campanha eleitoral o estafado “roteiro da carne assada” por um roteiro das iguarias que Portugal foi conhecendo pelo mundo.