COVID-19
Pandemia vs democracia: há três eleições tremidas por causa do coronavírus
Candidatos em França confessam ao Expresso temer alta abstenção, numa eleição com forte taxa de portugueses em lugares elegíveis. Espanha pondera adiar regionais galegas e bascas e Itália protelou indefinidamente um referendo constitucional. É possível manter a ida às urnas em situação de pandemia?
TEXTO DANIEL RIBEIRO (CORRESPONDENTE EM PARIS), COM ROSSEND DOMÈNECH (CORRESPONDENTE EM ROMA) E GORKA CASTILLO (EM MADRID)
As autoridades francesas receiam que a epidemia do coronavírus favoreça a abstenção nas eleições autárquicas que se realizam a 15 e 22 de março e multiplicam mensagens de que “tudo será feito para garantir a segurança sanitária” nas assembleias de voto. Em declarações ao Expresso, diversos candidatos e presidentes de câmara da região parisiense repetiram essas ideias com grande ênfase.
“As pessoas poderão mesmo trazer esferográficas próprias e, se não o fizerem, garantimos que tudo estará sempre constantemente a ser limpo e em ótimas condições, para que as pessoas não corram qualquer risco”, disse ao Expresso a presidente da Câmara de Paris, a socialista Anne Hidalgo, que se recandidata. Ao início da tarde de quarta-feira havia em França 1784 infetadas com a epidemia do coronavírus, que já fez 33 mortos.
Todos os presidentes de câmara e candidatos contactados pelo Expresso – dois deles cabeças de lista de origem portuguesa em Charenton le Pont e Nogent sur Marne, cidades da região da capital – revelaram grande preocupação com os efeitos da epidemia na votação e a possibilidade de se verificar uma elevada taxa de abstenção.
Segundo dados recolhidos pelo Expresso, os portugueses, franco-portugueses (com dupla nacionalidade) e seus descendentes inscreveram-se em grande número para estas eleições e alguns milhares são candidatos em todo o pais. É a primeira vez que se verifica tamanha mobilização lusa para votar ou ser eleito num escrutínio em França.
“Cerca de 8% da totalidade de eleitores inscritos na minha cidade são portugueses e, somados aos que têm dupla nacionalidade e aos descendentes, deverão ser mais de 20%”, explica Didier Gonzalez, presidente da Câmara de Villeneuve le Roi, no Val de Marne (região parisiense), eleito pelo partido de direita Os Republicanos.
Devido à forte presença portuguesa nesta localidade, o autarca decidiu oferecer à comunidade uma vasta “Maison du Portugal”, cuja construção está em vias de conclusão, constatou o Expresso no local.
Quase todas as listas de uma dezena de candidatos contactados incluem portugueses ou lusodescendentes, grande parte em posição elegível. Alguns candidatos são cabeças de lista, como João Martins Pereira (socialista) e Philippe Pereira (do partido “macronista” A República em Marcha).
ESPANHA PONDERA ADIAMENTOS
Não é só em França que o coronavírus abala as idas às urnas. Em Espanha as eleições regionais da Galiza e do País Basco, previstas para 5 de abril, estão em dúvida. O presidente do governo galego, Alberto Núñez Feijoo, admite pedir o adiamento “caso possa estar em risco a saúde pública e o direito ao sufrágio dos galegos”.
A recomendação de não realizar atos com mais de 1000 participantes é difícil de compatibilizar com uma campanha eleitoral. “Não creio que deva pôr-se em risco por causa de umas eleições a saúde pública de uma comunidade autónoma”, afirmou Feijoo, do Partido Popular (conservador).
O governo regional do País Basco pediu aos serviços jurídicos do Parlamento informação sobre um putativo adiamento das eleições. Na região já morreram sete pessoas, entre 261 contaminados. “É um momento especialmente delicado”, frisou o líder do executivo basco, o nacionalista Íñigo Urkullu.
Quer Feijoo quer Urkullu sublinharam, em todo o caso, que o adiamento das eleições não é competência regional. A decisão inédita teria de caber ao Governo central.
REFERENDO ITALIANO SERÁ QUANDO PUDER SER
Já em Itália, o país europeu mais afetado pela surto de coronavírus, foi adiado sine die um referendo constitucional marcado para 29 de março. A quarentena foi imposta em todo o país e podem vir a ser tomadas medidas mais restritivas.
Todos os processos legislativos estão interrompidos e o Parlamento só se reunirá se for necessário votar decretos de emergência. As autoridades da região da Lombardia pediram ao Executivo de Giuseppe Conte que ordene o encerramento por duas semanas de todos os estabelecimentos, exceto abastecimento alimentar e farmácias.