Uma simples frase de Luís Montenegro parece ter dado origem à oficialização de uma contagem de espingardas, a caminho de um eventual Conselho Nacional de “tudo ou nada”, convocado pelos críticos de Rui Rio com o objetivo de o afastar. A frase de Montenegro não tinha qualquer interesse político, pois limitava-se a anunciar que brevemente falaria sobre o partido. Nada mais do que isto. Mas o “falarei em breve” chegou para que as tropas, ainda anónimas, saíssem dos quartéis ou, pelo menos, calçassem as botas a tempo de uma eventual marcha de destituição.
Nada neste processo é especialmente novo ou exclusivo no PSD. É certo que o partido tem uma incrível queda pela autofagia, mas o PS já viveu lutas igualmente pesadas, sendo que a mais recente deu cabo da liderança de António José Seguro depois de uma vitória pouco esmagadora nas europeias.
A diferença, no que toca ao PSD, está no empenho com que se tenta afastar líderes antes de irem a votos, obviamente por se achar que vão a caminho de uma derrota estrondosa. Uma vez mais não é caso único, basta lembrar o que aconteceu a José Ribeiro e Castro quando sucedeu a Paulo Portas. Mas o PSD é mais rápido e sistemático nestes processos, desde tempos muito antigos.
Mesmo olhando apenas para o pós-cavaquismo, vemos bem como Fernando Nogueira resistiu pouco tempo a uma derrota, apesar de muito honrosa, Marcelo saiu sem sequer ir a votos, Durão Barroso quase foi impedido de chegar às legislativas, Santana Lopes não teve um segundo de descanso, Marques Mendes idem, Menezes também, Ferreira Leite idem. Passos Coelho foi uma longa exceção numa sucessão de nomes que acabou em Rui Rio e em novo período de agitação.
O grande mistério do atual PSD não é o do acosso ao líder, que faz parte do ADN da São Caetano. O mistério está no real valor eleitoral do partido, nos efeitos da cisão de Santana Lopes, do surgimento de uns quantos pequenos partidos ou movimentos e naquilo a que pomposamente se chama reconfiguração da direita.
Em Portugal há poucas sondagens públicas e, por isso, os elementos escasseiam. Há, depois, algumas sondagens internas, mas que não são conhecidas de forma global e acabam a fazer parte do jogo partidário, num misto de mitos urbanos e armas de arremesso.
Sobram, portanto, muita opinião e imensos estados de alma. Neste caso, uns e outros coincidem na falta de resultados de Rui Rio e no aparente descontentamento de militantes e dirigentes. Mas será que isso aponta a um mau resultado nas europeias? Ninguém sabe.
O mais lógico, por todas as razões, seria deixar Rui Rio ir a votos nas europeias e ver o que vale, apesar dessas eleições serem condicionadas por alta abstenção e transferências de votos a favor de partidos pequenos. O mistério Rio passaria a ser mensurável e tangível, em vez de ser comparado com o mistério Montenegro, o mistério Pedro Duarte ou o mistério Pinto Luz, entre tantos outros.
Acho que a ida a votos nas europeias da atual direção continua a ser o cenário mais provável. É verdade que o Conselho Nacional de destituição pode ser um Totoloto, até porque as ex-tropas de Santana estão quase em paridade, o que pode dificultar a contagem a Rio. Mas não me parece que os que desafiam a liderança queiram, de facto, a queda de Rui Rio. Querem, isso sim, espetar a bandeira no terreno e mostrar “coragem” no desafio público.
Vão ficar na varanda a fazer figas para um mau resultado nas europeias e depois nas legislativas. E se tudo correr como esperam, então poderão recordar que desafiaram Rui Rio a tempo e que, naturalmente, estão prontos para lhe suceder.
É isto que se está a passar, um eterno retorno num partido de poder que não gosta de estar na oposição e que tem um líder com um estilo muito próprio e pouco auspicioso. Está visto que ninguém dá descanso ao PSD e que o PSD não nos dá descanso.