Voltou por amor, como Joana. Para ter liberdade, como Susana. Para mudar de vida, como Pedro. Ou com ideias de negócios, como Cássia e Victor. Não é fácil, cá não é tão fácil. Mas escolhem ficar – sem promessas. Cinco histórias de portugueses que saíram com a troika e decidiram regressar.
Há quem diga que emigrar é desígnio nacional. E a história recente não o desmente. Em 2011, com Portugal a resgate da troika, quase 200 mil portugueses saíram do país em apenas quatro anos. Desde então, o mercado de trabalho perdeu um quinto da juventude que tinha. Sai-se menos agora, mas as perdas não foram estancadas. Se a emigração existia antes, há de continuar a existir. Mas há quem volte, e « não é pelo dinheiro, de certeza ». Dizem-lhes que o país está melhor, mas o que conta são os projetos pessoais de retorno. Sem promessas de ficarem por cá.
« Agora estou aqui, mas não fecho a porta a uma nova experiência fora. » Pedro Galinha saiu do país em 2011, com a troika a entrar. O espectro largo do que acontecia na economia misturou-se com uma ideia antiga de partir. Era jornalista, e o salário que recebia ia ser reduzido. « Houve o anúncio de cortes no sítio onde eu estava. Curiosamente, o tipo que anunciou os cortes chegou nesse mês com um novo carro – um daqueles sinais das reestruturações à portuguesa. » E Pedro tinha por princípio não ganhar menos do que o valor do seu primeiro salário de sempre – na altura, mil euros.
Partiu para Macau. Foi ganhar o dobro para começar, e subir alguns degraus, salariais e de responsabilidades. Saía de casa e tinha à porta a possibilidade de conhecer mais do mundo. « Todos os dias aprendia alguma coisa, nem que fosse uma palavra em chinês ou um aspeto da história de Macau ou da Ásia. É algo de que sinto um pouco de falta aqui. »
Já no final de 2017 estava de volta. A experiência naquela região asiática tinha-se esgotado no momento em que quis deixar o jornalismo. « Percebi que seria difícil fazer ali outra coisa. » Somavam-se « os problemas de Macau: as liberdades e garantias mais limitadas, ainda que não de forma gritante, e a questão do ambiente, que também piorou ».
Com um mestrado em Relações Internacionais, interesse na China e nos direitos humanos, procurava uma organização internacional onde encaixasse. Que acabou por encontrar, um pouco por acaso, em Portugal meses após o regresso. Antes, passou alguns meses numa agência de comunicação e diz que « deu para perceber como está Portugal ». « Não melhorou assim tanto. Há um ambiente diferente e os salários aumentaram um bocadinho. Mas globalmente a situação é idêntica. Tanto que eu saio dessa empresa e devem-me salários. » Pedro lembra que « ainda há empresas em dificuldades e que têm um funcionamento que não é o mais devido ».
« A troika bateu-me aqui »
Visto de Lisboa, hoje, quase parece mais fácil largar para a Etiópia e reconstruir uma escola em ruínas do que acumular dois empregos para pagar uma renda na cidade. Cássia Lopes tem ambas as provas superadas. É enfermeira e socióloga – fez-se ambas as coisas num percurso ligado ao desenvolvimento internacional – mas em Portugal fez tudo ao contrário do que os ciclos económicos fariam prever.
Começa assim. « 1998. Final da Expo. 15 anos. » Saiu do país quando a economia estava nos seus melhores anos. Com uma tia e dois primos espanhóis, o pai disse-lhe: « Vais aprender espanhol e depois voltas para a faculdade. » Foi para Valência. « Fui estudar e nunca mais voltei. Até 2011. » Passou os anos da troika em Portugal, inteiros, até 2014, depois de ter vivido em Espanha, em Inglaterra e na Etiópia.
Depois de ter erguido a tal escola com uma amiga com quem formou uma organização não governamental, quis estudar enfermagem. « É melhor cá. Saímos mais bem preparados do que em qualquer outro lugar na Europa. » Foi trabalhadora-estudante e viveu, já perto dos 30, em casa da mãe. « Vim deixar de comer em restaurantes tanto como antigamente. Levantava 20 euros e esses 20 euros tinham de dar para o fim de semana todo. E davam! »
E veio fazer estágios em hospitais onde « saía de manhã de casa e sabia que tinha de levar jantar porque chegava a casa à meia-noite ». « Os colegas choravam porque já não viam a família. E, sim, foi na época da troika, em que toda a parte da saúde se começou a deteriorar. »
Foi nesses anos que, apesar de tudo, Cássia descobriu que adorava Portugal e que tinha de se ir embora. « A troika bateu-me aqui. Chorei muito, foi muito dramático, mas tive mesmo de me ir embora. Aí senti-me muito uma emigrante portuguesa, como aqueles que tiveram de ir para França. Eu levava azeite e farinheira. »
Voltava a Inglaterra, recrutada diretamente em Lisboa para trabalhar na unidade de cuidados intensivos do hospital de Cambridge. »Saí de Lisboa com 11 enfermeiras. » A falta de sol, as saudades e o Brexit deram, no entanto, o empurrão para o regresso após quatro anos. E Cássia veio com um projeto: lançar com um colega uma startup ligada ao turismo de saúde, uma ideia nascida quando os amigos lhe enviaram o link do programa Emprender 2020, da Fundação da Associação Empresarial Portuguesa, para fazer regressar emigrantes.
Não resultou, por enquanto. « Vão ajudar? Vão. Mas tens de pôr 20 mil euros. Pões o teu dinheiro e começas o teu negócio. Podes receber algum retorno. Mas isso não é uma ajuda ao emigrante. Ajudar é apresentares o teu projeto e, se for bom, dão-te X para poderes começar », entende.
« Há menos por onde escalar »
Joana Santos foi para Londres apenas com uma reserva de Airbnb e em apenas oito meses conseguiu contrato permanente e subir dois patamares de carreira com um salário que lhe sobrevivia no final do mês. Foi menos tempo do que leva Vicente, quase a nascer, a desenvolver-se totalmente na sua barriga, agora em Portugal, onde tudo leva um pouco mais de tempo.
Saiu em junho de 2015, um ano depois de terminar a licenciatura em Jornalismo e de um estágio não remunerado de três meses numa produtora audiovisual. « O estágio terminou e tive um prolongamento de um mês. Mas disseram-me logo que não havia a possibilidade de passar a contrato. Iria trabalhar a recibos verdes. Não estava disposta a outro estágio de três meses ou a trabalhar 12 horas ou mais – que era o que acontecia – a recibos verdes », conta.
Em Londres, alojou-se por um mês num Airbnb, pediu o número da Segurança Social britânica e começou à procura de trabalho. « Demorou mais ou menos três semanas. » Após três entrevistas, escolheu ficar numa loja de materiais de construção, na caixa. Rapidamente, passou para helpdesk e para a gestão da carteira dos clientes. Tudo, « em oito meses ». « Uma coisa muito comum na vida profissional em Inglaterra é que sentimos que é muito fácil crescer, mesmo que seja num simples trabalho de loja. »
Depois, esteve no Consulado Geral de Portugal em Londres a trabalhar num novo departamento de apoio a portugueses com dúvidas sobre o Brexit. « As condições não eram tão boas. O ordenado era pago pelo Estado português. Mas era um novo desafio. » E tinha « voltado de certa forma a Portugal ». « A informação que nos chegava lá era a de que as coisas em Portugal já não estavam tão más. » Tinha também um namorado, português. Fizeram planos: « Casar e, mais tarde, ter um bebé. » E regressaram.
As coisas estavam mesmo melhores? « Arranjei trabalho passados três meses de cá estar. Comecei a trabalhar na área de marketing. Confirmei aquilo de que suspeitava, que as coisas estavam a ficar mais estáveis. Claro que as condições não eram tão agradáveis como em Londres, mas permitiam-me estar junto da minha família e fazer o que vinha fazer. » Progredir no trabalho no entanto demora mais tempo. « Não é que não nos reconheçam, mas há menos por onde escalar. As empresas são mais pequenas, não há tantos patamares de carreira. »
« Uma espécie de Hollywood da dança do ventre «
Susana Cardoso voltou a Portugal em 2014, último ano da troika, obrigada, e com saudades não tanto do país mas da liberdade após dez anos no Egito, país onde tem parte da família. A revolução no país tinha acontecido três anos antes e obrigado ao repatriamento de muitos portugueses. Susana insistiu um pouco mais. Mas voltou. « A crise foi lá. Ninguém se entendia », recorda.
É gestora de tecnologia de informação numa multinacional e foi-o também no Cairo. Mas sobretudo é conhecida no Egito por dançar. É bailarina de danças orientais e dançou com os maiores no Egito. Fala das bailarinas Raquia Hassan e Dina, do coreógrafo Mahmoud Reda. Estava no sítio certo. « É uma espécie de Hollywood da dança do ventre e é lá que as bailarinas são mesmo profissionais. » « O sonho de qualquer bailarina oriental é ser reconhecida no mundo árabe. Lá é o topo e abre-nos as fronteiras. Foi assim que eu fui para França, para a Alemanha. Somos reconhecidos por sermos profissionais no Egito. »
Se foi no Cairo que mais se realizou como bailarina profissional – tinha inclusivamente uma banda própria que a acompanhava -, ainda assim o regresso começou a acenar-lhe. Havia saudades do país, da família que estava em Portugal, da natureza, « porque lá só se vê areia ». E mesmo com as dificuldades que o país vivia então, oferecia qualidade de vida: « Poder ter a liberdade de sair à rua, de usar uma manga curta e ninguém olhar, de ir à praia – coisa que não existe lá. »
Faz em Portugal o que fazia no Egito, sem grandes diferenças, ainda que tenha posto um pouco a dança de parte. Mas quando lhe falam em apoios ao regresso do emigrante, desconfia. « Não é com benefícios fiscais que vão lá. Os salários lá fora são muito diferentes, mesmo no Egito. O salário mínimo em Portugal é muito baixo. Se não tivesse tido a proposta de trabalho para a empresa onde estou hoje, não regressava. As rendas são muito caras. » E não põe de parte voltar a sair. « Por agora, não. Embora eu mantenha a minha casa no Egito e não a queira vender. Significa que ainda há algo que me diz que qualquer dia… »
« O que é que neste país não é difícil? »
Victor Ferreira só viu ao longe o Portugal de entre 2011 e 2014. Saiu um ano antes. Voltou um ano depois. Deixou a produtora de audiovisual onde trabalhava e partiu para Buenos Aires, Argentina, para estudar Cinema. »Nunca se está totalmente satisfeito. Não estava mal, mas estava a precisar de mudar. Sentia-me estagnado, mas a questão era pessoal, de me desafiar », recorda.
O percurso lá não foi difícil, mesmo sem ser desafogado. Trabalhava e estudava. « Estava a fazer coisas muito mais parecidas com aquilo que eu quereria fazer enquanto estava cá, também por estar a estudar e ter conhecido as pessoas que conseguiram introduzir-me nessa área. » E nos últimos dois anos « já teria uma qualidade de vida se calhar maior do que aqui ». É difícil comparar. Lá, por exemplo, era mais fácil viver apenas com a namorada. Algo que não acontece agora. Em Lisboa, já regressado, Victor tem de partilhar casa com outras pessoas.
No deve e haver, diz que ganhou na Argentina « formação, experiência com as pessoas, viajar ». Admite que podia ter viajado mais, mas os amigos que fez ficaram, e visitam-no. Também lhe dizem para voltar. Ganhou assim também « um calor bom ». Mas precisava de « voltar para pensar no que queria fazer ». Ainda « demora voltar a encaixar em casa ».
Mas criou com amigos uma produtora. « Tentamos focar-nos mais em cinema. Acabámos de estrear um documentário no Indie Lisboa, mas fazemos de tudo, desde imagem institucional a trabalho publicitário. » Também estreiam neste ano uma série de animação num dos canais da RTP. É difícil? « É. O que é que neste país não é difícil? », devolve. E o mais difícil de tudo na área em que trabalha é « conseguir assegurar um fluxo de trabalho que assegure o dinheiro que permita ter qualidade de vida. Requer mesmo muitas horas de trabalho ». Além disso, há que trabalhar num « país hipercentralizado onde as coisas se passam em Lisboa e pouco mais ». E Lisboa é cara. Neste momento, a produtora de Victor está no Centro de Inovação da Mouraria. « Permite ter um espaço e com boas condições, a um preço fixe. »
É o sítio onde Victor está, por agora, a meio caminho ainda de Buenos Aires ou de qualquer outro lugar. « Fica sempre o bichinho de ir para um sítio novo onde ninguém te vai conhecer, onde tu não conheces ninguém, de ser tudo novo – incrível ou não. »
Para que estas histórias não se repitam e Portugal não perca uma nova geração de jovens, os mais qualificados de sempre, o governo lançou, no ano passado, o programa Regressar.
Inclui incentivos fiscais para quem retorne em 2019 e 2020 e medidas ainda em preparação para baixar os custos da deslocação de volta a Portugal. Victor e muitos outros chegaram cedo de mais para beneficiar das medidas.
Ainda não há um balanço do programa. Mas se não for bom para Victor, será pelo menos bom para Portugal. « Num país que está tão envelhecido, que precisa tanto de pessoas que queiram mudar as coisas e empreender – todas essas coisas que se dizem agora -, só faz sentido existirem incentivos » para que os emigrantes regressem depois dos anos negros da troika.