Escândalo de Estado em França
Antigo Presidente francês, Nicolas Sarkozy, foi detido na manhã desta terça-feira para ser interrogado sobre o eventual financiamento líbio da sua campanha eleitoral vitoriosa de 2007. O caso é complicado: ele contesta, mas um dos seus mais próximos amigos já foi acusado neste processo.
Alfa/Expresso por Daniel Ribeiro e Helena Bento
As primeiras alegações surgiram em 2012 mas foram as declarações a vários jornais do empresário franco-libanês Ziad Takieddine, em novembro de 2016, que aceleraram a investigação. Ziad Takieddine, um homem de negócios e intermediário em contratos de venda de armamento entre a França e a Líbia, contou ter recebido cinco milhões de euros entre os finais de 2006 e o início de 2007. O dinheiro terá sido entregue pessoalmente a Sarkozy e a Claude Guéant, amigo íntimo do ex-presidente, que viria a ser seu ministro do Interior. Esta terça-feira, o antigo presidente francês foi detido em Nanterre, nos arredores de Paris, para ser interrogado a propósito do financiamento líbio da sua campanha eleitoral de 2007, noticiou o jornal francês “Le Monde”, segundo o qual Sarkozy poderá ficar detido até 48 horas, durante as quais deverá ser desafiado a explicar a origem dos fundos. Foi a primeira vez que o ex-chefe de Estado foi interrogado pela polícia judiciária sobre este caso.
O filho mais velho do ex-líder líbio Muhammar Kadhafi, Saïf Al-Islam Kadhafi, foi quem lançou as primeiras suspeitas sobre Sarkozy. Numa entrevista exclusiva à “Euronews”, em 2011, Saïf Al-Islam acusou o antigo presidente francês de receber dinheiro líbio para financiar a sua campanha presidencial de 2007. “Sarkozy tem de devolver todo o dinheiro que aceitou da Líbia. Fomos nós que financiámos essa campanha. Temos todos os detalhes e estamos preparados para revelar tudo. Sarkozy tem de devolver o dinheiro ao povo líbio. Ajudámo-lo porque achámos que isso iria ajudar o povo. Mas ele desapontou-nos”.
Em 2012, um documento publicado no jornal online “Mediapart” confirmava as alegações do filho de Muhammar Kadhafi, ao revelar que Sarkozy teria recebido 50 milhões de euros do antigo líder líbio, que ele próprio recebera em Paris como visita e que, em 2011, viria a ajudar a derrubar durante a Primavera Árabe. A quantia era mais do dobro do financiamento legal que era permitido à época (21 milhões de euros), além de que representa uma violação das regras francesas sobre o financiamento externo e sobre a forma como são declarados os fundos de campanha, explica o site “Politico”. A notícia teve na altura o efeito de uma bomba, mas pouca gente acreditou nela. Sarkozy fez desmentidos e a Justiça lançou investigações.
O caso esteve em banho-maria durante algum tempo. No entanto, Ziad Takieddine garantiu que o documento era verdadeiro. Sarkozy contestou, levou Ziad e o “Mediapart” a tribunal, mas perdeu: quatro anos depois, a Justiça considerou que o documento não era falso. Mais do que isso, logo a seguir à decisão do tribunal sobre a queixa do ex-presidente, Ziad Takieddinne foi a um canal de televisão e afirmou ter entregue pessoalmente uma mala com cinco milhões de euros a Sarkozy e a Claude Guéant.
Acusações e suspeitas no mesmo sentido teriam sido registadas em interrogatórios, na Líbia, depois da morte de Khadafi, a agentes dos serviços secretos deste país. Também uma agenda do antigo ministro líbio do petróleo, Choukri Ghanem, morto em circunstancias estranhas em 2012, mencionaria esse financiamento da campanha eleitoral de Sarkozy. Todos estes documentos estarão agora na posse dos investigadores franceses, bem como relatórios de interrogatórios a outras personalidades muito influentes do antigo regime líbio, uma delas presa atualmente em Londres.
Nicolas Sarkozy tem negado todas as acusações, classificando-as de “manipulação e crueldade” e alegando que as denúncias contra si encobrem uma tentativa de vingança por parte dos líbios, descontentes com a intervenção da NATO – e, dos países que a formam, sobretudo da França – na Líbia. Não é este o único caso em que o antigo presidente francês está envolvidos. Em fevereiro de 2016, Sarkozy apresentou-se num tribunal de Paris para ser ouvido pelos juízes de instrução por ter excedido os limites de despesa na sua campanha para as presidenciais de 2012, que viria a perder para o socialista François Hollande. O caso ficou conhecido como “Bygmalion”, nome da empresa de comunicação que emitiu faturas falsas no valor de 18,5 milhões de euros para que a União por um Movimento Popular (UMP, partido criado por Sarkozy) assumisse gastos da campanha eleitoral. O objetivo era evitar ultrapassar o tecto estabelecido pela legislação quanto às despesas de campanha, fixado em 16,8 milhões de euros para as candidaturas da primeira volta e 21,5 milhões para as da segunda.
O antigo presidente francês é ainda suspeito dos crimes de corrupção, tráfico de influência e violação do segredo de justiça por ter alegadamente promovido um alto magistrado, Gilbert Azibert, em troca de informações sobre outro caso em que era também suspeito de financiamento ilegal de uma campanha eleitoral, através de Liliane Bettencourt, herdeira do grupo L’ Oreal falecida em 2017.
Segundo o jornal “Le Monde”, a detenção esta terça-feira significa que os magistrados consideram ter provas suficientes para incriminar Nicolas Sarkozy. A detenção para interrogatório do antigo presidente francês acontece também depois de o seu amigo Claude Guéant ter sido acusado, em 2015, de fraude e branqueamento de capitais pela Justiça do seu país. O antigo ministro do Interior de Sarkozy teria comprado uma soberba residência, com financiamento “provavelmente líbio”, segundo fontes citadas pela imprensa francesa.
Claude Guéant alugou, em fim de março de 2007, um cofre numa agência do banco BNP, em Paris, e recebeu numa das suas contas, em 2008, uma transferência de 500 mil euros. Disse que este último depósito, bem como o dinheiro em notas encontrado no seu cofre, provinham da venda de duas obras de arte da família. Os investigadores não acreditaram nas suas explicações e acusaram-no.
Nicolas Sarkozy continuava a ser interrogado ao fim do dia desta terça-feira. O intermediário, Ziad Takieddine, já foi acusado de “cumplicidade de corrupção, tráfico de influências e desvio de fundos públicos”. Se as acusações atuais contra o antigo presidente francês se confirmarem, este “affaire” será um dos maiores escândalos políticos e de Estado da História de França.