(Foto de abertura de Daniel Ribeiro – em Créteil)
França/Eleições: Franceses divididos entre “cansaço com política” e necessidade de votar
Em frente ao painel que, no centro da gare de Montparnasse, no sul de Paris, vai anunciando os comboios que partem para todas as latitudes de França, Marie-Claude, de 75 anos, está à espera que seja anunciado o número do cais do comboio que sai para Rennes, às 13:56 (12:56 de Lisboa).
Acabou de ter uma “emergência familiar” e vai ter com a filha, o que a impede de ir votar neste domingo: “Se pudesse, claro que ia votar, é um dever. Nunca gosto de não ir votar, e também não gosto de votar em branco. Para mim é uma falta de educação, é uma falta de respeito”, frisa à Lusa a septuagenária.
Apoiado numa mala, Sébastien, de 39 anos, também está de partida rumo a Pau, no sudoeste do país, por “razões pessoais”. No entanto, passou uma procuração à mulher para votar por ele no próximo domingo.
“Vivo em Paris e tenho de viajar até Pau. Isso impede-me de ir às urnas no domingo – fui na primeira volta – mas deleguei o meu voto à minha mulher, e vai votar por mim”, afirma à Lusa.
Em França, ao contrário de Portugal, o voto por procuração está previsto para todas as eleições, não sendo necessária a apresentação de qualquer justificativo.
No entanto, entre apitos de comboios a partir e abraços a quem aqui vai chegando, as eleições legislativas parecem ter ficado, para alguns, em segundo plano. Léo, de 27 anos, é músico e parte hoje para Chartres, onde vai iniciar uma ‘tournée’.
“Não vou poder ir votar este domingo. Até me interesso por política, mas ando sempre de um lado para o outro: votei nas eleições presidenciais, votei na primeira volta destas legislativas, mas agora não posso… Faz-se o que se pode”, diz o jovem de bigode e com um ‘piercing’ na orelha.
Depois de, na primeira volta, a abstenção ter batido recordes históricos – com 52,49% dos franceses a não terem ido as urnas –, a falta de participação nesta segunda volta é uma das principais preocupações em França.
Stéphane, de 56 anos, vai apanhar o comboio 7623 para Nantes, no noroeste de França. Mostra-se “preocupado” com a abstenção e diz que, quem não vai votar, depois “também não se pode queixar”.
No entanto, o próprio não se irá deslocar às urnas este domingo: está recenseado em Paris e não preparou qualquer procuração para conseguir votar na segunda volta, apesar de considerar que seria “coerente eleger alguém como Presidente, e depois dar-lhe uma maioria”.
Segundo os analistas, uma taxa de abstenção mais elevada poderia, à partida, favorecer a coligação que apoia Emmanuel Macron, tendo em conta que afetaria sobretudo as camadas sociais – como os jovens ou as classes populares – com maior tendência para votar na coligação de esquerda Nova União Popular Ecológica e Social (NUPES) ou na União Nacional, de Marine Le Pen.
Junto dos menores de 24 anos, por exemplo, a taxa de abstenção na primeira volta das eleições legislativas foi de cerca de 69%.
Anne, de 24 anos, recusa a ideia segundo a qual os jovens não estão interessados na política. Segundo a jovem – que parte de férias para Bordeaux e não vai votar no domingo –, os seus amigos votam sempre.
“De qualquer forma, a abstenção na minha geração é compreensível: os políticos não nos ouvem, parece que pertencem a outra categoria e que não estão no nosso mundo”, frisa.
Antes de ir para Tours, onde estuda, Romain, de 25 anos, também disse à Lusa que “os políticos não dão grande vontade em ir votar porque, além de assustarem os jovens com o desemprego ou a ecologia, nunca os convidam a investirem, efetivamente, na política”.
No entanto, ao contrário de Annes, Romain está a caminho de Tours para poder cumprir o seu dever de cidadão, por considerar que “as eleições legislativas permitem que exista um contrapoder relativamente às eleições presidenciais”.
“Estas eleições vão ter um enorme impacto nas nossas vidas, por isso acho pena a taxa de abstenção tão elevada, mas também a percebo, com todos os casos que envolvem políticos de todos os partidos”, sublinha.
Jean-Yves, de 67 anos, de barba branca e óculos a sobressair entre os cabelos longos, percebe o “sentimento de cansaço” transmitido pelos mais jovens.
Ele próprio, que acaba de chegar a Paris vindo de Guingamp, está revoltado com a política: tradicional eleitor do PS, não concorda com a união das esquerdas que se formou nestas eleições, por não gostar do seu líder, Jean-Luc Mélenchon, e considerá-lo “demasiado agressivo”.
“Ainda assim, vou votar neles por procuração, porque é lá que ainda está uma parte do PS, mas não gosto desta coligação”, afirma.
A segunda volta das eleições legislativas francesas disputa-se domingo.