França: Governo entalado entre antirracistas e polícias irados. Tensão racial volta às periferias de Paris após protestos nos EUA. Governo lança estudo para melhorar ação policial
Alfa/Expresso. Publicado por Daniel Ribeiro na edição deste sábado do semanário português
A pressão policial fez recuar o Governo francês, que anunciara a proibição da manobra de estrangulamento durante detenções. Em vez de banido, este processo de imobilização de prisioneiros deverá passar a ser utilizado com “discernimento”, segundo um documento oficial. Ainda assim, o controverso método deixará de ser ensinado nas escolas que formam novos agentes.
A suspensão do procedimento, aplicado com regularidade aos prisioneiros em França, tinha sido anunciada pelo ministro do Interior, Christophe Castaner, em nome do combate ao racismo, na sequência de manifestações que reuniram milhares de pessoas no país e no mundo depois da morte do ex-segurança negro americano George Floyd, asfixiado por um agente policial branco a 25 de maio, em Minneapolis.
Em França as manifestações assumiram uma dimensão particular, porque reuniram milhares de pessoas que também desceram às ruas para protestar e “exigir a verdade” sobre a morte de Adama Traoré, jovem negro de 24 anos, suspeito de ligações ao pequeno banditismo, que passeava com seu irmão num subúrbio de Beaumont-sur-Oise, na zona de Paris, em julho de 2016, quando foi detido pela polícia.
ALGEMAS ATIRADAS AO CHÃO
Relatórios oficiais indicaram que Traoré morreu de insuficiência cardíaca, mas uma autópsia solicitada pela família do falecido não foi conclusiva, o que permitiu que na opinião pública se desenvolvesse a tese de que foram ações violentas da polícia que o mataram.
Já em 2005 a morte de dois jovens, eletrocutados durante uma perseguição policial, suscitara um mês de tumultos na periferia da capital. O então ministro do Interior, Nicolas Sarkozy (mais tarde Presidente), atribuiu-os a “canalhas” que prometeu varrer à pressão.
Castaner foi obrigado a recuar e a suspender o plano de proibir o recurso ao estrangulamento após espetaculares manifestações sindicais policiais, durante as quais centenas de agentes lançaram para o chão as suas algemas. Do lado oposto, nos protestos contra os métodos da polícia — acusada de brutalidade e violência excessiva e de visar especialmente as minorias —, foram exibidos numerosos cartazes com os nomes de Floyd e Traoré.
Este caso provocou grande polémica e o ministro saiu fragilizado porque, ao anunciar a suspensão da asfixia durante interrogatórios e detenções, declarou também que a partir dessa data seria aplicada a “tolerância zero” aos agentes “racistas” que, segundo manifestantes, organizações de defesa dos direitos humanos e políticos do lado esquerdo do espectro, existem em grande número no seio das forças da ordem francesas.
O Governo desistiu de proibir a manobra de estrangulamento após manifestações de milhares de agentes
Castaner recuou depois de cinco dias de concorridas manifestações de agentes policiais. A imagem de uma delas na Place de L’Étoile, junto ao Arco do Triunfo, correu mundo, com centenas de polícias de pé a olharem para as suas algemas no chão da praça.
Para tentar acalmar os ânimos e “salvar” a vida ao soldado Castaner, cuja demissão continua a ser exigida por sindicatos policiais e parte da oposição, na segunda-feira o diretor da polícia nacional, Frédéric Veaux, enviou uma carta aos funcionários a explicar que o método da asfixia deixaria de ser ensinado durante a formação. A missiva ressalvava, contudo, que o estrangulamento poderia continuar a ser usado, desde que “com discernimento”.
CÂMARAS NAS FARDAS
Em simultâneo, foi anunciada a criação de um grupo de trabalho para encontrar medidas alternativas para controlar os presos sem recorrer ao método que matou George Floyd. O relatório com as conclusões desta empreitada deverão ser conhecidas a 1 de setembro.
Para evitar as acusações de “violência policial”, muito frequentes designadamente durante as manifestações dos ‘coletes amarelos’ que puseram a França a ferro e fogo durante quase um ano, foram anunciadas outras medidas, designadamente que os agentes vão passar a ser equipados com câmaras de vídeo na farda, como sucede nos Estados Unidos.