França/Presidenciais. Guerra na Ucrânia beneficia Macron

França/Eleições Presidenciais. Guerra na Ucrânia beneficia Macron apesar do fracasso da sua mediação. Adaptação/Alfa de um trabalho escrito na passada quarta-feira e publicado na sexta-feira no semanário Expresso (versão papel e digital – ler versão original em expresso.pt).

Por Daniel Ribeiro

O Presidente centrista Emmanuel Macron continua cada vez mais favorito para as presidenciais francesas de 10 e 24 de abril (primeira e segunda voltas). Apesar de ter falhado a sua mediação antes da invasão russa da Ucrânia e de ter sido, de certo modo, humilhado por Vladimir Putin depois deste ter desmentido a existência de um acordo para uma cimeira entre russos e americanos, Emmanuel Macron apresentou-se na televisão na noite desta quarta-feira, 02, com uma postura muito solene.

Como chefe de Estado e mesmo como “chefe de guerra” (segundo a expressão de alguns comentadores), garantiu aos franceses que os protegerá das consequências da guerra, designadamente as económicas.

Ainda sem ser, na altura, candidato (a sua declaração de recandidatura ao Eliseu foi declarada na sexta-feira), atacou duramente Putin o qual chegou a acusar de estar a mentir e de ter uma visão “revisionista” da História.

“Não há tropas nem bases da NATO na Ucrânia. São mentiras. A Rússia não foi agredida, a Rússia é o agressor. Esta guerra é ainda menos, como a propaganda nos quer fazer querer, uma luta contra o nazismo. É uma mentira, um insulto à história da Rússia e da Ucrânia, à memória das nossas gerações que combateram lado a lado contra o nazismo”, disse Emmanuel Macron.

Confortado pelas sondagens – conta com 26% das intenções de voto contra 19% para a extremista de direita, Marine le Pen (partido RN, Ajuntamento Nacional)  e, respetivamente, 15% e 12% para a conservadora, Valérie Pécresse (partido LR – Os Republicanos) e o candidato de extrema-direita,  Éric Zemmour (partido Reconquista), seguido de perto por Jean-Luc Mélenchon, da esquerda radical (partido França Insubmissa).

Os estudos da opinião indicam que, na segunda volta, o atual Presidente vencerá sem grandes dificuldades qualquer um dos seus adversários, sempre com votações acima dos 54%.

A entrada das tropas russas na Ucrânia e a guerra em curso passou ser o tema central da pré-campanha eleitoral francesa, apagando os restantes temas políticos e enfraquecendo a imagem de todos os principais adversários de Macron, designadamente de Marine le Pen e  Éric Zemmour que, ambos, estiveram no passado e mesmo nos últimos tempos, muito próximos de Vladimir Putin. A primeira chegou mesmo a ser financiada por um empréstimo de um banco russo. Marine le Pen explicou há algum tempo ao Expresso que recorreu ao financiamento russo porque os  bancos franceses – “às ordens do poder”, disse – lho recusaram. O segundo ainda hoje continua a classificar Putin como sendo “um patriota que defende os interesses do seu país”.

Também Jean-Luc Mélenchon é acusado de ter tido no passado alguma complacência com o regime russo e de ter mudado de opinião sobre Putin nas últimas horas.

Esta proximidade levou Valérie Pécresse a atacar le Pen e Zemmour, cujo eleitorado da direita radical ela disputa. “Zemmour disse sonhar ser ‘um Putin francês’ e a senhora le Pen disse que Putin ‘através da sua política na Rússia apresenta o programa que nós desejamos para a França’”, afirmou Pécresse num recente comício em Caen, na Normandia.

A equipa de campanha da candidata conservadora batizou os dois candidatos extremistas com os seguintes nomes: “Valdimir Zemmour” e “Marine Putin”.

Pécresse aspira a estar presente na segunda volta e, nesse caso, poderá ser a adversária mais perigosa para o atual Presidente por poder aspirar a cativar eleitores de centro-direita, que normalmente votariam em Macron em caso de duelo deste último com um dos dois extremistas de direita. Ela demonstra agora algum à-vontade nos ataques aos adversários à sua direita porque o antigo candidato do seu campo às presidenciais de 2017, François Fillon é seu apoiante e era chamado pejorativamente como sendo “o empregado da Rússia”. Fillon, que perdeu as eleições devido a casos de corrupção, era membro do conselho de administração de duas empresas petrolíferas russas – Sibur e Zarubezhneft – e demitiu-se recentemente destas funções.

Todas estas polémicas beneficiam Emmanuel Macron que deixou para o mais tarde possível o anúncio da sua recandidatura, preferindo manter-se “protegido” pela sua função de chefe de Estado.

Numa sua mensagem lida simultaneamente na Assembleia Nacional e no Senado, na sexta-feira, 25 de fevereiro, o Presidente apelou à “unidade nacional” e, com gravidade, afirmou que a guerra da Rússia na Ucrânia significa que “estamos perante uma viragem geopolítica e histórica maior do século XXI”.

Esta missiva do Presidente aos dois parlamentos, rara na História francesa, foi ouvida com atenção mas não deixou de ser criticada pela oposição. “Ele aproveitou (a situação) para fazer política e a unidade nacional não quer dizer que acabaram os debates”, comentou o deputado de direita Julien Aubert, apoiante de Valérie Pécresse.

 

Pelo seu lado, a deputada Clémentine Autain, vista como provável sucessora de Jean-Luc Mélenchon à frente da França Insubmissa, disse que as questões estratégicas internacionais “não devem ser entregues a um só homem”, mas sim “debatidas democraticamente”.

Valérie Pécresse também não deseja que a “unidade nacional” pedida por Macron impeça que a campanha eleitoral decorra o mais normalmente possível, incluindo com debates e duelos televisivos. “A campanha tem de prosseguir, apesar de o contexto nos inquietar e de assumirmos o dever de responsabilidade”, explicou.

Facto é que a situação na Ucrânia já levou à anulação de algumas ações de pré-campanha, apesar de, em Paris, por exemplo, se continuarem a ver militantes da distribuir panfletos eleitorais.

Philippe Gosselin, deputado do partido de Pécresse, confirmou a suspensão temporária de certas iniciativas da campanha. Mas afirmou: “É preciso que a campanha avance, é certo que há coisas gravíssimas que se passam, mas nós temos um processo eleitoral em andamento e, a 24 de abril, vamos eleger um novo Presidente da República”.

Já o socialista Laurent Cathala, presidente da Câmara de Créteil, nos arredores de Paris, e um dos mais antigos “maires” e dirigentes socialistas ainda em funções, confirma ao Expresso que a esquerda não existirá nestas eleições e prevê: “Macron vai ganhar com o apoio do centro, centro-direita e centro-esquerda, mas, depois terá problemas nas legislativas porque o seu partido  – LaREM, A República Em Marcha – é muito fraco”.

 

Quatro rostos para a segunda volta contra Macron:

Marine le Pen

Cotada em segundo lugar nas sondagens, enfrenta a concorrência direta de Éric Zemmour, que lhe retira muitas intenções de voto e que conquistou mesmo apoios de alguns dos seus mais próximos colaboradores. Mesmo a sua sobrinha, Marion-Maréchal le Pen pode decidir apoiar Zemmour. É mais moderada do que este último e muito menos extremista do que o seu pai, Jean-Marie le Pen, fundador da antiga Frente Nacional, que herdou. No seu campo, alguns pedem a Zemmour que desista a seu favor, o que lhe permitiria em princípio, igualar ou mesmo ultrapassar Emmanuel Macron na primeira volta.

 

Valérie Pécresse

Bateu nas primárias da direita candidatos muito mais conhecidos do que ela como Xavier Bertrand, Éric Ciotti e Michel Barnier. Tenta conquistar votos à direita e no centro-direita e poderá ser a adversária mais difícil para Emmanuel Macron se conseguir passar à segunda volta. Faz campanha em todos os setores, mesmo nos nichos mais inesperados, incluindo os descendentes de portugueses (os portugueses com dupla nacionalidade têm direito de voto nas presidenciais). Nomeou um autarca franco-português de Aulnay-sous-Bois, Paulo Marques, como conselheiro para a sua campanha junto dos portugueses.

 

Éric Zemmour

Polemista e escritor de extrema-direita, apresenta como base dominante do seu programa um discurso anti-imigração. Considera que a França está em risco de ser colonizada pelos estrangeiros. Conquistou apoios no partido de Marine le Pen, de onde saíram alguns dirigentes para integrarem a sua candidatura. Apresenta-se como antissistema. Mesmo sobre os refugiados ucranianos é o único dos candidatos que é contra o seu acolhimento em França. Prefere que eles fiquem na Polónia porque, diz, “poderão mais facilmente voltar para casa quando a guerra acabar”.

 

Jean – Luc Mélenchon

Candidato crónico da esquerda radical não conseguiu desta vez o apoio do Partido Comunista, que apresenta uma candidatura própria (Fabien Roussel). É, no entanto, a surpresa na esquerda nesta pré-campanha por atingir mais de 11% das intenções de voto. Pede o voto útil de toda a esquerda e dos ecologistas e, se conseguir o apoio de Roussel, cotado com 4 a 5 % e de mais um ou outro dos candidatos com menos intenções de voto, poderá aspirar a qualificar-se para a segunda volta, o que seria um acontecimento de relevo.

 

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