Fraude: o vinho francês afinal era espanhol

Fraude em França: dez milhões de garrafas de vinho francês que afinal era espanhol. Caso ditará penas de prisão e multas pesadas para os prevaricadores. Portugal está exposto ao risco de fraudes como aquela que foi desvendada pelas autoridades francesas, admite o especialista João Paulo Martins

Alfa/Expresso, por Hugo Tavares da Silva

Garrafas de vinho com rótulo francês, com vinho francês lá dentro, num restaurante francês. Mas, afinal, sem o vinho francês. É mais ou menos isto que se está a passar em alguns restaurantes e, provavelmente, supermercados franceses. Uma investigação do Governo francês, que durou dois anos, identificou mais uma fraude no mercado do vinho: dez milhões de garrafas, que prometiam vinho francês e continham vinho espanhol, foram manipuladas.

A fraude foi detetada pelo Ministério da Economia francês, conta esta quarta-feira o « El País ». Este caso ditará penas de prisão e multas pesadas para os prevaricadores. As garrafas vestem um rótulo enganador, dizendo que se trata de um vinho local. Ou, um outro exemplo, anuncia-se vinho da casa que nem sequer é daquele país. E ainda rótulos com a flor de lis, um castelo antigo qualquer ou referências a engarrafamento ou produção em França.

“Vender gato por lebre é crime”, começa a explicar este caso ao Expresso João Paulo Martins, jornalista e crítico de vinhos. “O que as pessoas poderão ter menos noção é que há uma enorme circulação deste vinho, chamado vinho a granel, de preço baixo, entre os vários países. Nós sabemos que, pelo menos por enquanto, a França ainda é o maior produtor de vinho mundial, mas importa dezenas de milhões de litros de vinho a granel por ano.”

Em 2016, conta o « Jornal Económico », o vinho a granel espanhol custava €0,34 por litro, muito abaixo dos €0,75/€0,90 do vinho a granel francês. “O grande negócio do vinho é desta ordem de grandezas e preços. É este o vinho que se consome. Mesmo cá em Portugal, a grande maioria do vinho que se vende é nas grandes superfícies. As pessoas compram, por norma, até dois, três euros”, explica o crítico.

E continua: “Há regras que não facilitam a vida de quem quer vender a dez tostões. Há limites de produção. O vinho não pode ser vendido demasiado barato senão não é rentável. Há um grande volume de negócio: há várias empresas em Portugal que negociam volumes na casa dos dez milhões de litros. Esta é a realidade do vinho em geral. Depois, o vinho especial, que compramos nas garrafeiras, é um nicho minúsculo. Para todos os grandes produtores — franceses, italianos, espanhóis e depois os portugueses –, o grande negócio é o vinho barato”.

Este outro artigo do « El País », de abril, dava conta que Espanha exporta para os países comunitários 1600 milhões de litros de vinho, sendo que mais de metade é vinho a granel (900 litros). França, Alemanha, Reino Unido, Itália e Portugal representam 90% dos países compradores.

Estará Portugal exposto? “Estamos, no sentido em que esse vinho pode cá entrar. Mas creio que o consumidor do vinho barato não está disponível para pagar mais por esse vinho ser francês. É uma coisa para a qual não tenho fundamento estatístico, tenho sensação, pelas marcas e tipo de vinho que se vendem. Em Portugal, o vinho estrangeiro representa uma franja muito marginal de negócio. O vinho estrangeiro que mais se vende cá é champagne. Duvido que, se alguém metesse vinho no mercado a 90 cêntimos e dissesse que era francês, as pessoas iam preferir isso a vinho de Lisboa, Setúbal, Tejo ou Alentejo”, reflete.

O caminho passa pela fiscalização, explica João Paulo Martins. “Não se pode andar com o vinho de um lado para o outro sem guias, sem toda a documentação oficial que mostre donde vem, para onde vai, quem é o emissor, o destinatário, etc. É uma questão de fiscalização, que cabe às entidades fiscalizadoras, da política, fronteiras, alfândegas… Não quer dizer que não possa haver fraude na mesma, nem todas as estradas têm o mesmo nível de policiamento.”

Ainda assim, este crítico ressalva que o transporte de vinho de uma região para outra não corresponde em todos os casos a fraude. É que “o vinho regional pode incorporar 15% do vinho de outra região”. Ou seja, se uma marca vende bastante, 15% é uma quantidade significativa. “O facto de haver vinho de Lisboa a ir para o Alentejo não é por si fraude. A lei prevê isso. Há muitos vinhos que se comercializam como ‘vinho de mesa’, ou apenas ‘vinho’ mesmo, que não diz donde é.”

Em Portugal, mais do que fraudes desta natureza, tem sido observado outro fenómeno mais recorrente: a falsificação. “Há tentativas de falsificação de vinhos caros, como Barca Velha, Pêra Manca, vinhos do Porto e Madeira. Tem havido problemas. Nunca é em quantidades significativas, e estas marcas estão cada vez mais a apostar em métodos [de fiscalização], como hologramas e identificadores especiais. É um problema mundial. A falsificação é uma tentação.”

Os responsáveis pela manipulação das dez milhões de garrafas em França enfrentam agora até dois anos de prisão e 300 mil euros de multa, ou mais, dependendo do volume de negócios.

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