Grupo secreto de jornalistas franceses assediou mulheres nas redes sociais durante anos

Grupo secreto de jornalistas franceses assediou mulheres nas redes sociais durante anos. Colectivo orquestrou campanhas de insultos, partidas e actos humilhantes contra mulheres e membros de minorias. Descoberta do grupo já levou ao despedimento e suspensão de vários dos seus membros, entre os quais alguns jornalistas influentes.

Alfa – um artigo que pode ler integralmente em publico.pt – PÚBLICO 

Por Sofia Neves

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DADO RUVIC

Várias personalidades da comunicação social francesa estão a ser acusadas de integrarem um grupo secreto de assédio online que elegia como alvo preferencial mulheres jornalistas, activistas feministas, pessoas LGBT e membros de outras minorias étnicas ou culturais. La Ligue du LOL (Liga do LOL) coordenava as suas acções num grupo fechado no Facebook, constituído maioritariamente por homens, humilhando depois as suas vítimas na rede social Twitter, através de contas anónimas. A descoberta do colectivo já levou a despedimentos e a pedidos públicos de desculpa.

A existência do grupo foi denunciada pela primeira vez a 5 de Fevereiro, num tweet de Thomas Messias, jornalista da Slate France. « Que bonito, um jornalista exemplar que gosta de dar lições e que andou a divertir-se num grupo de assédio a feministas. Que bonito », escreveu Messias, numa mensagem sem destinatário claro mas que foi interpretada por vários jornalistas como uma referência directa a um grupo cuja existência era há alguns anos objecto de rumor.

No último fim-de-semana, e em reacção à discussão lançada nas redes sociais, o jornal francês Libération publicou um artigo de verificação de factos onde se questionava a exigência do grupo. A peça, muito criticada, acabou no entanto por motivar centenas de vítimas do colectivo a falar publicamente sobre os seus casos.

Uma das acusações mais graves parte da youtuber francesa Florence Porcel, que afirma que um dos membros do grupo lhe telefonou e fingiu ser editor de um canal de notícias de renome, apresentando-lhe uma falsa oferta de emprego. Porcel diz que foi submetida a uma entrevistada fictícia e que a gravação áudio da conversa foi posteriormente divulgada na Internet. « Chorei de vergonha durante três dias », disse.

O autor da falsa entrevista de emprego foi David Doucet, editor da revista Les Inrockuptibles, que já admitiu publicamente o acto e pediu desculpa à vítima. Encontra-se suspenso, tal como dois jornalistas do Libération, incluindo o editor online Alexandre Hervaud.

Nora Bouazzouni, jornalista e outra das vítimas, disse ao Le Monde ter sido alvo de « insultos, montagens com gifs pornográficos e e-mails anónimos », e que foi intimidada de modo a não denunciar o assédio de que era alvo.

Lucile Bellan, colaboradora da Slate France, acusou o grupo de « assédio sistemático que durou anos » e que minou a sua confiança enquanto jornalista. Desde o começo da polémica, Bellan publicou um artigo sobre a experiência de ver Christophe Carron, um dos membros do grupo, tornar-se-ia o editor da Slate France em 2017. « Ao longo dos anos, a Ligue du LOL​ tornou-se numa espécie de grupo terrorista”, disse, acusando os seus membros de condicionar o percurso profissional de diversos jornalistas.

Outras vítimas, como a blogger Capucine Piot, afirmam que grande parte do assédio e dos insultos partiam de pessoas que não estavam ligadas à Ligue du LOL​, mas que eram manipuladas e arregimentadas pelo grupo secreto, por via de contas anónimas no Twitter.

O que dizem os membros do grupo

Ligue du LOL, criada em 2009 por Vicent Glad, agora jornalista no Liberátion, reúne cerca de 30 utilizadores proeminentes no Twitter em França — na sua maioria jornalistas, mas também profissionais influentes de agências de comunicação como a Publicis.

« Partilhávamos piadas banais ou sobre o trabalho, mas nunca existiu dentro desse grupo uma obsessão antifeminista. Nós gozávamos com tudo e com todos », explica um dos membros ao Libération. Nos primeiros anos da sua criação, « existia essa faceta de observar pessoas no Twitter, trocávamos links, fotografias, gozávamos com as elas », descreve outro membro que garante que acabou por deixar o grupo. « Essa rotina acabou por se tornar numa obsessão por parte de alguns membros do grupo », admite.

Glad, que foi entretanto suspenso pelo seu jornal, reconheceu este domingo que criou um monstro que lhe escapou do controlo e que acabou por se afastar do grupo há cinco anos. « Ao compactuar com tudo o que se passava lá, eu era culpado das acções dos outros. O que aconteceu não é tolerável”, admite.

As acções do grupo já chamaram a atenção de Marlène Schiappa, secretária de Estado francesa para a Igualdade de Género, que comentou o caso no Twitter, declarando apoio e solidariedade para com as vítimas do colectivo.

🇫🇷 MarleneSchiappa

@MarleneSchiappa

Tout mon soutien et ma solidarité aux blogueuses et journalistes qui ont eu à subir le harcèlement sexiste de la particulièrement @FlorencePorcel
Ce n’est pas « internet » qui est impitoyable, c’est ce qu’on en fait.

Natacha Quester-Séméon

@NatachaQS

Les agissements de la #LigueDuLOL sont bien connus. De nbx jeunes femmes ont été dénigrées et harcelées par ses membres, pas tous journalistes. Tout cela a commencé avant Twitter, je peux en témoigner. Cela a freiné la participation des femmes dans la blogo-twitosphère française! https://twitter.com/capucinepiot2/status/1094006049290575872 

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