Gulbenkian acolhe exposição que revela Hergé para lá de Tintin
A exposição dedicada a George Remi (1907-1983), conhecido como Hergé, é uma iniciativa do Museu Hergé, na Bélgica, e tem estado a ser apresentada em vários países, chegando agora a Portugal, na Fundação Calouste Gulbenkian, com curadoria de Ana Vasconcelos e Nick Rodwell, que gere o património do autor belga.
Numa visita guiada hoje à imprensa, os dois curadores explicaram que a exposição contextualiza e enquadra os processos criativos de Hergé, as suas referências e influências artísticas e o modo como espelhou o mundo na galeria de personagens de banda desenhada, encabeçada por Tintin.
« É uma personalidade fabulosa, múltipla, com defeitos, que fazem dele humano e que fazem dele próximo de nós », afirmou Ana Vasconcelos.
A mostra está dividida em nove núcleos, entre os quais um dedicado à coleção de arte moderna que George Remi foi construindo, provando que estava a par das correntes artísticas da altura. É neste núcleo que se pode ver um de quatro retratos de Hergé assinados pelo norte-americano Andy Warhol.
Outro dos núcleos, mais pedagógico, explica como é que Hergé construía uma banda desenhada, revelando esboços, desenhos, estudos prévios e maquetas para o álbum « Tintin – Rumo a Lua ».
« Desenho furiosamente, com raiva, apago, emendo, retoco, insisto, praguejo », lê-se numa das citações de Hergé.
É ainda recordado o trabalho publicado na imprensa, no Soir ou no Le Petit Vingtième, as dificuldades passadas na Segunda Guerra Mundial, a vida de publicitário, de ilustrador e ‘designer’ gráfico.
A exposição apresenta ainda pinturas, fotografias, desenhos e outros documentos que registam a evolução no modo de trabalhar e que o tornaram, como afirmou Ana Vasconcelos, num « maníaco da documentação e do rigor, da verosimilhança, do rigor da transposição da realidade para a ficção ».
Destaque ainda para um mural com dezenas de traduções de cada um dos álbuns de Tintin, e ainda um dos desenhos originais em que aparece pela primeira vez Oliveira da Figueira, o comerciante português que Hergé desenhou no álbum « Os charutos do faraó ».
Embora não seja tema de nenhum núcleo em concreto, também não são escamoteadas as críticas sobre racismo ou anticomunismo atribuídas a Hergé e as polémicas na forma como retratou africanos, chineses, sul-americanos, em particular nos primeiros álbuns de Tintin.
« O que Hergé fez foi inspirar-se pelo que o rodeava. A maneira como ele trata o Congo ou os países sul-americanos é como toda a gente vivia naquele tempo. É muito importante que as pessoas [por exemplo] no Quebeque parem de queimar livros do Tintin porque não faz sentido. Os livros são sagrados, não são para se queimar », afirmou Nick Rodwell aos jornalistas.
A curadora Ana Vasconcelos corrobora: « Estamos sempre a gerir esse passado e é muito importante não fechar portas e não estimular o ódio e a agressividade, mas sim a compreensão, a amizade e o entendimento. O passado não pode ser mudado, o que interessa é mudar daqui para a frente, a maneira como nos olhamos, entendemos mutuamente ».
Para contextualizar e refletir sobre as implicações da obra de Hergé no mundo contemporâneo e as influências do seu estilo na banda desenhada, a Gulbenkian organizou uma extensa programação paralela à exposição, para vários públicos.
Entre as iniciativas programadas está uma série de debates em novembro, nomeadamente « Hergé e o Portugal do Estado Novo », com António Cabral e António Araújo, e « Hergé Global », com Carlos Gaspar e João Pedro George.
A exposição « Hergé » ficará patente até 10 de janeiro, o dia em que, em 1929, a personagem Tintin apareceu pela primeira vez no « Petit Vingtième », um suplemento do jornal belga Le Vingtième Siécle.