Abalada por denúncia de abusos sexuais contra menores, igreja francesa pede dinheiro aos fiéis para pagar indemnizações e fala em prevalência do segredo da confissão sobre as leis da República.
Bispos franceses aceitam indemnizar vítimas de abusos sexuais cometidos ao longo de décadas, mas querem lançar um peditório junto dos fiéis para reparar os danos causados, o que causa indignação entre os envolvidos. Igreja francesa reclama ainda a prevalência do segredo da confissão sobre as leis da República
Por Daniel Ribeiro. Alfa/Expresso. (Adaptação Alfa). Leia artigo na íntegra em Expresso.pt
« França continua sob o choque dos números estonteantes de vítimas — 330 mil — de crimes de abuso sexual sobre menores cometidos diretamente pelo clero católico no país (216 mil) ou por leigos que trabalharam em instituições religiosas desde os anos 1950 até 2020.
A comissão independente dirigida por Jean-Marc Sauvé, que revelou o escândalo após dois anos e meio de investigações, preconiza uma indemnização às vítimas de um fenómeno descrito como “de massa” e “sistémico”. Os peritos propõem o reconhecimento da responsabilidade civil e social da Igreja francesa. »
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A igreja já reagiu à proposta, que inclui “individualizar” o cálculo da indemnização devida a cada uma das vítimas para reparar os danos provocados, recorrendo eventualmente aos tribunais. O episcopado não nega a necessidade de reparação monetária, mas refere que a Igreja francesa “é pobre e só tem dinheiro para pagar aos seus trabalhadores”.
Um dos dirigentes evocou mesmo a possibilidade de um peditório junto dos crentes. “Espero que os fiéis nos ajudem a pagar”, declarou na quarta-feira Monsenhor Éric de Moulins-Beaufort, presidente da Conferência Episcopal francesa. O também bispo de Reims referiu que este caso pode acentuar as dificuldades financeiras atuais da igreja gaulesa.
A ideia de lançar um peditório junto dos fiéis para pagar pelos crimes dos padres provocou imediata celeuma. Algumas vozes instaram a Igreja a “vender património”, porque foram precisamente fiéis e seus filhos e filhas que foram abusados.
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O escândalo é assunto de conversa em todo o país, em reuniões de famílias, jantares privados ou em cafés e bares. O bispo Moulins-Beaufort lançou achas para a fogueira da polémica ao dizer que o episcopado reafirma a “omnipotência do segredo da confissão”, mesmo em casos que envolvem diretamente clérigos. “O segredo da confissão é mais forte do que as leis da República, porque abre um espaço de palavra livre que se faz perante Deus”, sustenta.
Na classe política fala-se de “declarações inaceitáveis e particularmente graves” no contexto atual. “Onde estão os que defendem a separação [entre Estado e igreja] quando um muçulmano fala e nada dizem quando um bispo apela aos padres para ignorarem a lei da República sob pretexto religioso?”, perguntaram Corinne Narassiguin, secretária nacional do Partido Socialista, e Manon Aubry, deputada europeia do partido França Insumissa (esquerda radical).
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No seu relatório, a Comissão Independente sobre os Abusos Sexuais na Igreja aconselha a instituição a transmitir uma mensagem clara aos confessores para assinalarem às autoridades judiciais e administrativas “os casos de violências sexuais infligidas a um menor ou pessoa vulnerável”.
Reagindo diretamente a esta recomendação, a Conferência Episcopal francesa declarou: “Não é permitido a um padre de usar o que ouve em confissão, portanto, não pode em nenhum caso transmitir às autoridades judiciais o que ouviu do autor [do crime], da vítima ou de uma testemunha”. Os bispos acrescentam que a sanção neste caso será a “excomunhão”.
Para o Ministério da Administração Interna, que tem autoridade sobre os cultos em França, o Código Penal é claro: o segredo da confissão “não é superior às leis da República” em casos de violações ou abusos sexuais sobre menores de 15 anos e outras pessoas vulneráveis. “Um padre não deve respeitar o segredo da confissão em casos de violências sexuais ou abusos de menores”, explicou a jurista e professora de direito Christine Lazerges.
O Papa Francisco também defende o segredo da confissão, mas evocou “uma imensa dor” perante a “horrível realidade” e aconselhou a igreja de França a lançar-se na “via da redenção”, segundo o porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni. A instituição gaulesa, abalada pelas revelações e a dimensão gigantesca dos crimes, evocou a sua “vergonha” e pediu “perdão” às vítimas.
(Leia este artigo na íntegra em Expresso.pt)
Ouça, na Rádio Alfa, esta sexta-feira, 08, a crónica do jornalista Ricardo Figueira sobre este assunto