Com Lusa
O próximo inverno pode ser uma « questão de vida ou morte » para muitos ucranianos atingidos pela guerra, e é visto pelas organizações humanitárias no país como « prioridade máxima », disse à Lusa fonte da ONU.
« O inverno pode significar uma questão – temos que ser muito realistas – de vida ou morte para muitas pessoas aqui na Ucrânia. O inverno aqui é duro, podendo chegar a temperaturas de 20 graus negativos. Podemos imaginar o que é viver numa casa que está danificada, sem portas ou sem janelas, ou numa área onde as pessoas perderam acesso a gás para poder aquecer as casas », afirmou Saviano Abreu, porta-voz do gabinete humanitário das Nações Unidas (ONU) na Ucrânia.
Em entrevista à Lusa, Abreu explicou que as organizações humanitárias no terreno estão já a trabalhar para conseguir chegar às pessoas que poderão ser mais afetadas pelas baixas temperaturas, entregando consumíveis, realizando eventuais reparações nas casas ou melhorando os acessos aos centros urbanos e a gás.
« Temos que temer pela vida dessas pessoas. É uma das prioridades máximas que temos agora. Estamos a trabalhar para que as pessoas possam estar de uma maneira digna e aquecida durante este inverno, que pode ser mortal se não conseguirmos oferecer essa ajuda necessária », reforçou o porta-voz.
A acompanhar de perto a situação dos ucranianos desde o início da guerra, há seis meses, Saviano Abreu admite que já presenciou « níveis de sofrimento humano entristecedores e inimagináveis » para muita gente. Contudo, não vê melhorias no horizonte, frisando que o direito internacional humanitário continua a não ser respeitado.
Saviano deu o exemplo de Zaporijia, cidade ucraniana onde está localizada a maior central nuclear da Europa e cujo bombardeamento constante está a levar milhares de pessoas a tentar fugir da região, mas sem sucesso.
« Há muita gente agora mesmo, neste momento, que está em filas enormes, tentando fugir de determinadas áreas, por exemplo, na região de Zaporijia. Sabemos que mais de 4.000 pessoas estão lá, a tentar cruzar para o lado controlado pelo Governo ucraniano e não estão a conseguir », denunciou.
« É um direito de cada pessoa, até pela sua segurança, querer sair das áreas que estão a sofrer bombardeamentos diários. (…) É urgente que a comunidade internacional coloque ainda mais pressão nos dois Governos, mas principalmente no Governo da Federação Russa, para respeitar os direitos da população civil que já sofreu de formas inimagináveis o suficiente », apelou.
Frisando que é uma obrigação de ambas as partes respeitar os direitos da população civil, o funcionário da ONU lamentou que esses princípios não venham sendo respeitados desde o início da invasão, sublinhando que, de forma « inaceitável », escolas e hospitais continuam a ser bombardeados.
Seis meses após o início da guerra, o balanço é de destruição massiva de infraestruturas civis, de mortes, de pessoas a fugir de casa e cerca de 18 milhões de pessoas a precisar de ajuda humanitária, incluindo água e comida, abrigos e proteção e serviços médicos, segundo Saviano Abreu.
Questionado acerca das principais dificuldades que as organizações humanitárias têm neste momento, o porta-voz da ONU não teve dúvidas em apontar o facto de não conseguir chegar a todas as partes do país onde as pessoas necessitam de ajuda, como Mariupol, Donetsk e outras áreas hoje controladas pela Rússia ou por forças aliadas.
« Nós não estamos a ter possibilidade de chegar às pessoas, nem sequer para fazer avaliações das necessidades humanitárias. Então, é um apelo que estamos a fazer, de podermos cruzar essas frentes de batalha e chegar às áreas que ainda não pudemos [aceder] nesses últimos seis meses », afirmou.
Apesar de destacar a generosidade que a comunidade internacional tem demonstrado desde o início da invasão russa, Abreu recordou que a guerra continua e, consequentemente, as necessidades não param, apelando à continuação das contribuições financeiras.
« Hoje, o apelo que fazemos é por 4,3 mil milhões de dólares (aproximadamente o mesmo valor em euros) para conseguirmos atender as necessidades humanitárias desses 18 milhões de pessoas (…) mas é maravilhoso ver que pelo menos 60% desse valor já está coberto », disse o funcionário da ONU.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de quase 13 milhões de pessoas – mais de seis milhões de deslocados internos e quase sete milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A invasão russa – justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de « desnazificar » e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia – foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções em todos os setores, da banca à energia e ao desporto.