Jiadista portuguesa: “Se me aceitarem, estou disposta a ir para Portugal”. Ângela Barreto foi para a Síria em 2014 para se juntar ao Daesh. Casou com um soldado português, teve dois filhos – a mais velha morreu há menos de uma semana
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O português de Ângela Barreto tornou-se mau, há muito que o deixou de usar. A jovem que em agosto de 2014 fugiu para a Síria para se juntar ao Daesh está agora num dos campos no nordeste do país, tal como milhares de outras mulheres e filhos de soldados do grupo radical islâmico. Se a aceitarem, Ângela quer voltar a Portugal. Continua a acreditar “num estado que siga as regras do Islão”.
“O Estado Islâmico foi noutra direção. Eu apoio as regras do islão: usar o hijab, não fumar… Esse é o Estado que defendo. Por vezes, o Estado Islâmico foi noutras direções”, disse Ângela Barreto numa entrevista à RTP, emitida esta quarta-feira.
Ângela Barreto chegou àquele campo depois de ter deixado o último bastião do Daesh na Síria, Baghouz. Estava com os dois filhos: um menino de dois anos, uma menina de três. O pai das crianças, Fábio Poças, fazia parte do grupo de portugueses que também se juntou ao Daesh. O que lhe aconteceu? “Foi martirizado”, respondeu apenas.
– E o que é feito deles [dos filhos]?
– A minha filha morreu ontem.
A entrevista foi gravada na última sexta-feira, um dia após a morte da filha de Ângela – tal como o Expresso avançou. A menina foi atingida por estilhaços durante o cerco a Baghouz, no final de março. Era uma das 20 crianças de ascendência portuguesa que se encontram retidas em campos destinados a famílias de jiadistas e controlados por forças curdas.
“Um estilhaço da bomba ficou-lhe na cabeça. Esteve dez dias no hospital e nos primeiros cinco dias não me permitiram estar com ela. Ia todos os dias à direção do campo dizer que queria ir ter com a minha filha, mas diziam-me que não podia”, contou. Inicialmente disseram-lhe que o corpo da filha acabaria por expulsar sozinho o fragmento. Isso não aconteceu. “Não falava, não andava, os olhos andavam à volta. Só então me disseram que tinha mesmo de ir ao hospital ou ela podia morrer. E quando a levei ao hospital disseram que não a podiam operar porque já deveria ter ido antes.” O estilhaço tinha penetrado profundamente no cérebro da menina.
Sobre a vida em Baghouz, Ângela pouco fala. Recorda apenas os bombardeamentos a toda a hora e os atiradores furtivos. Agora, no campo de deslocados, não sabe o que lhe vai acontecer. “Ainda bem que a minha filha partiu porque isto aqui não é fácil”, lamentou.
Questionada sobre se quer voltar a Portugal, a jovem de 24 anos respondeu: “Se me aceitarem… Mas ouvi dizer que não têm levado as pessoas de volta. Se me aceitarem, estou disposta a ir. Caso não me aceitem tenho de ver como viver nesta situação”.
Ângela garante que pediu ajuda ao Governo por causa da filha e que tem mantido o contacto com a família em Portugal. Tal como o Expresso noticiou há duas semanas, o Executivo está a preparar o repatriamento para Portugal de crianças e mulheres portuguesas que se encontram nos campos de detenção para jiadistas na Síria. A organização está a ser feita sob grande secretismo, tanto do lado do Governo como das famílias dos ex-combatentes do Daesh.
“Publicaram uma coisa online a dizer que querem levar-nos de volta. Mas que precisam de uma rota segura para Erbil, no Iraque, para nos levarem. A Cruz Vermelha também quer ajudar, mas primeiro o Governo tem de confirmar que nos quer mesmo levar. Vamos ver”, disse. “Mas isto não era para mim, era para a minha filha. Queria que tivesse assistência médica. Mas não fizeram nada. E ela morreu com três anos”, lamentou.
A fuga de Ângela Barreto, luso-holandesa, foi noticiada em 2014 pelo Expresso. A jovem fugiu para o ‘califado’ para casar com o português Fábio Poças, no verão de 2014. Em 2015 terá convencido através da internet três menores holandesas a rumar à Síria – e por isso também tem um mandado de captura emitido pelas autoridades na Holanda desde dezembro de 2016.