Macron à procura de uma impossível unidade nacional

Emmanuel Macron visitou no domingo a zona dos confrontos <span class="creditofoto">Foto ETIENNE LAURENT/EPA</span>

Emmanuel Macron visitou no domingo a zona dos confrontos Foto ETIENNE LAURENT/EPA

Alfa/Expresso. Por Daniel Ribeiro

“Senhor Presidente, são precisas respostas.” É esta a angustiante manchete desta segunda-feira do “Le Parisien”, o maior jornal popular francês, que é lido em todos os ‘bistrots’ (bares, cafés, tabacarias e cabeleireiros) de França e do ultramar.

Os franceses estão atónitos com a inédita revolta dos “coletes amarelos” que, por vezes, resulta em violência extrema e em inacreditável vandalismo, como aconteceu no sábado passado, em Paris, onde até o Arco do Triunfo, onde está o túmulo do soldado desconhecido, foi profanado.

Mas também se interrogam sobre a capacidade do jovem chefe de Estado de 40 anos, que não tem passado com peso na política, para dirigir um país como a França, que sempre conviveu ciclicamente com convulsões sociais e revoluções das mais radicais.

Dois dias depois do caos e da guerrilha urbana de sábado em Paris, incidentes continuavam a verificar-se um pouco por toda França — bloqueios de estradas e de refinarias e também ocupações de liceus e manifestações mais ou menos radicais em diversas cidades.

Aparentemente, no Eliseu tudo decorria normalmente. O Presidente Emmanuel Macron continuava sem falar ao país e sem oficialmente responder à crise, que está a assumir dimensões alarmantes e é sem dúvida a maior da sua curta presidência de apenas ano e meio. Visivelmente, Macron tentava ganhar tempo para decidir o que dizer, concretamente, aos franceses.

Macron procura uma porta de saída para o conflito e encarregou o seu primeiro-ministro, Édouard Philippe, de receber um a um todos os dirigentes políticos franceses, da extrema-direita à extrema-esquerda, passando por ecologistas e, até, Benoît Hamon, antigo candidato socialista à presidência. Esta segunda-feira tem sido uma roda-viva de políticos a entrarem e saírem da residência oficial do PM.

O objetivo de Macron e de Philippe era tentarem conseguir uma unidade nacional face aos ‘casseurs’ (vândalos), que durante dois sábados consecutivos puseram diversas zonas nobres de Paris em chamas. Pretendiam colocar o acento na segurança, no combate ao radicalismo (centenas de pessoas já foram presas desde o início, há 20 dias, na internet, deste movimento “espontâneo e cívico”), mas, no meio político e partidário francês, ninguém se entende.

Todos os políticos franceses (e não apenas os do Governo e da Presidência) parecem neste momento atordoados perante um movimento, sem líderes nem ideologia nem programa, que ninguém controla e que começou por surgir contra o aumento do preço dos combustíveis e que agora pede a demissão de Macron e eleições legislativas antecipadas.

A unidade nacional é, seguramente, impossível. Antes das reuniões com Édouard Philippe, Laurent Wauquiez, líder da direita clássica (do partido Os Republicanos), pedia um referendo sobre a transição energética e a reforma fiscal de Macron; Marine le Pen, chefe dos nacionalistas e populistas (RN, Ajuntamento Nacional), queria eleições antecipadas e pedia a introdução do sistema proporcional na lei eleitoral francesa; Jean-Luc Mélenchon (da França Insubmissa, esquerda ‘não alinhada’) também exigia a dissolução da Assembleia.

Depois de diversas reuniões, a meio da tarde desta segunda-feira não se verificava qualquer consenso entre o Governo e os restantes partidos a não ser num conselho que todos deram ao primeiro-ministro: avançar com uma moratória sobre os preços dos combustíveis e abrir discussões sobre aumentos das pensões de reforma e dos salários mais baixos.

No entanto, no imediato, Emmanuel Macron tem outros problemas pela frente. Nomeadamente um muito grave: garantir a segurança dos franceses e a ordem na praça pública até porque, nas redes sociais, já havia hoje apelos a mais manifestações para o próximo sábado em Paris — o “Ato IV”, ou seja, o quarto protesto em Paris desde a primeira manifestação dos “coletes”, a 17 de novembro.

Depois de uma cimeira de crise neste domingo, em Paris, Emmanuel Macron parece ter afastado a hipótese, que foi levantada pelo Ministério do Interior, da declaração do estado de emergência — que implicaria a proibição de manifestações.

Mas a França está inquieta e insegura e os franceses querem saber o que ele propõe para sair deste conflito. Até ao momento, a sua resposta tem sido minimalista. No domingo, no decorrer de uma visita improvisada à avenida Kléber, na zona do Arco do Triunfo e que foi uma das mais atingidas pela fúria dos ‘casseurs’ no sábado, foi apupado e não falou a não ser individualmente a agentes policiais e a bombeiros.

Édouard Philippe vai continuar as consultas amanhã, terça-feira, na sua residência e alguns dos “coletes amarelos” vão ser recebidos por ele. Mas não há representantes do movimento devidamente credenciados para o efeito e alguns dos “nomeados” até terão sido ameaçados pelas bases por estarem a “colaborar” com o Governo. A crise parece evidente e até divide agora também os próprios “coletes”.

Neste momento, só uma reivindicação deste movimento atípico consegue reunir todos os políticos, salvo Macron e o Governo — uma moratória sobre o aumento dos combustíveis, previsto para 1 de janeiro. E também há unanimidade, pelo menos formal, para condenar a violência.

No resto, ninguém se entende: nem sobre o fim do sistema eleitoral maioritário a duas voltas, com a introdução do método proporcional para dar alguma expressão parlamentar aos partidos antissistema, nem sobre o recurso mais frequente a referendos sobre temas sociais, nem sobre o aumento dos salários e das pensões mais baixas ou a descida dos preços do gás e da eletricidade.

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