Macron sugere Conselho de segurança europeu “associando o Reino Unido”
Através de um artigo publicado em diversos meios de comunicação, Macron considera que a UE deverá dotar-se de um “tratado de defesa e de segurança” que definirá as obrigações dos países da UE em ligação com a NATO e os seus aliados europeus da União: “aumento das despesas militares, cláusula de defesa mútua operacional, Conselho de segurança europeu associando o Reino Unido”.
No seu artigo, o chefe do Eliseu propõe ainda um “Banco europeu do clima” para financiar a transição ecológica e ainda uma “revisão do espaço Schengen” para restabelecer “a liberdade em segurança”.
Macron preconizou em paralelo uma “polícia de fronteiras comum e um gabinete europeu de asilo, estreitas obrigações de controlo, uma solidariedade europeia com contribuição de cada país, sob autoridade de um Conselho europeu de segurança interna”.
“Nenhuma comunidade cria um sentimento de pertença se não tiver limites que a protejam”, defende Macron na sua tribuna publicada em 28 países, e que no seu país foi divulgada pelo Le Parisien e 28 títulos regionais franceses.
“A fronteira é a liberdade em segurança”, prossegue. “Devemos redefinir o espaço Schengen: todos os que pretendam participar devem cumprir as suas obrigações de responsabilidade (controlo rigoroso das fronteiras) e de solidariedade (uma mesma política de asilo, com as mesmas regras de acolhimentos e de recusa)”, acrescenta.
O espaço Schengen é uma zona de livre circulação, onde os controlos fronteiriços são abolidos em tempo normal. É atualmente integrado por 26 países, incluindo 22 membros da UE.
A França restabeleceu os controlos nas fronteiras na sequência dos atentados de 13 de novembro de 2015. Desde então têm sido sistematicamente renovados, semestralmente, uma decisão justificada pela ameaça terrorista.
Leia a versão em português do texto original do Presidente francês:
Por um Renascimento europeu
Cidadãos da Europa,
Se tomo a liberdade de dirigir-me diretamente a vós, não é tão-somente em nome da história e dos valores que nos unem. É porque a situação é de urgência. Dentro de algumas semanas, as eleições europeias serão decisivas para o futuro do nosso continente.
Jamais desde a Segunda Guerra mundial afigurou-se tão necessária a Europa. Contudo, jamais a Europa esteve em situação tão perigosa.
O Brexit é o símbolo desse perigo. Símbolo da crise da Europa, que não soube atender as necessidades de proteção dos povos face aos grandes choques do mundo contemporâneo. Símbolo, também, da armadilha europeia. Não é a pertença à União europeia a armadilha; são a mentira e a irresponsabilidade que a podem destruir. Quem disse a verdade aos Britânicos sobre o seu futuro após o Brexit? Que lhes falou da perda do acesso ao mercado europeu? Quem evocou os riscos para a paz na Irlanda com a volta à fronteira do passado? O recuo nacionalista nada propõe; apenas rejeita, não projeta. E esta armadilha ameaça toda a Europa: os exploradores da ira, sustentados pelas falsas informações, prometem mundos e fundos.
Face a essas manipulações, devemos manter-nos em pé. Orgulhosos e lúcidos. Dizer antes de mais o que é a Europa. É um sucesso histórico: a reconciliação de um continente devastado, num projeto inédito de paz, de prosperidade e de liberdade. Jamais o esqueçamos. E esse projeto continua a nos proteger hoje : que país pode enfrentar, sozinho, as estratégias agressivas de grandes potências? Quem pode almejar ser soberano, sozinho, perante os gigantes do setor digital? Como resistiríamos às crises do capitalismo financeiro sem o euro, que é uma força para toda a União? A Europa significa também milhares de projetos do quotidiano que transformaram a face dos nossos territórios, este liceu renovado, aquela estrada construída, o acesso rápido à Internet a chegar, por fim. Este combate exige um compromisso a cada dia, pois a Europa e a paz não são dados adquiridos. Em nome da França, travo este combate sem descanso para fazer progredir a Europa e defender o seu modelo. Mostrámos que aquilo que era considerado inalcançável, a criação de uma defesa europeia ou a proteção dos direitos sociais, era possível.
Mas é preciso fazer mais, mais depressa. Pois existe a outra armadilha, a do status quo e da resignação. Perante os grandes choques do mundo, os cidadãos tantas vezes nos dizem: “Onde está a Europa? O que faz a Europa?”. Para eles, ela se transformou num mercado sem alma. Ora, a Europa não é meramente um mercado, é um projeto. Um mercado é útil, mas não deve fazer esquecer a necessidade de fronteiras que protegem e de valores que unem. Os nacionalistas enganam-se quando afirmam defender a nossa identidade com o recuo da Europa; pois é a civilização europeia que nos reúne, nos liberta e nos protege. Contudo, aqueles que não querem que nada mude também se enganam, pois negam os temores que os nossos povos sentem, as dúvidas que solapam as nossas democracias. Estamos a viver um momento decisivo para o nosso continente; um momento em que, coletivamente, devemos reinventar política e culturalmente as formas da nossa civilização num mundo em transformação. Chegou a hora do Renascimento europeu. Por isso, resistindo às tentações do recuo e das divisões, proponho-vos construirmos junto este Renascimento em torno de três ambições: a liberdade, a proteção e o progresso.
Defender a nossa liberdade
O modelo europeu assenta na liberdade humana, na diversidade das opiniões, da criação. A nossa liberdade primeira é a liberdade democrática, a de escolher os nossos dirigentes apesar de potências estrangeiras procurarem, a cada eleição, influenciar os nossos votos. Proponho a criação de uma Agência europeia de proteção das democracias que providenciará peritos europeus para cada Estado membro para proteger o seu processo eleitoral contra os ciberataques e as manipulações. Neste espírito de independência, também devemos proibir o financiamento dos partidos políticos europeus por potências estrangeiras. Devemos banir da Internet, com regras europeias, todos os discursos de ódio e de violência, pois o respeito pelo indivíduo é o alicerce da nossa civilização de dignidade.
Proteger o nosso continente
Fundada com base na reconciliação interna, a União europeia esqueceu-se de olhar para as realidades do mundo. Nenhuma comunidade é capaz de suscitar um sentimento de pertença se não possuir limites que ela protege. A fronteira representa a liberdade com segurança. Logo, devemos repensar o espaço Schengen : todos os que querem ser parte desse espaço devem cumprir obrigações de responsabilidade (controlo rigoroso das fronteiras) e de solidariedade (a mesma política de asilo, com as mesmas regras de acolhimento e de recusa). Uma polícia de fronteiras comum e um serviço europeu de asilo, estritas obrigações de controlo, uma solidariedade europeia para a qual contribui cada país, sob a autoridade de um Conselho europeu de segurança interna: acredito, face às migrações, numa Europa que protege ao mesmo tempo os seus valores e as suas fronteiras.
As mesmas exigências devem-se aplicar à defesa. Foram realizados importantes progressos nos últimos dois anos, mas precisamos de um rumo claro: um tratado de defesa e de segurança deverá definir as nossas obrigações indispensáveis, em cooperação com a OTAN e os nossos aliados europeus: aumento das despesas militares, cláusula de defesa mútua operacionalizada, Conselho de segurança europeu associando o Reino Unido para preparar as nossas decisões coletivas.
As nossas fronteiras também devem garantir uma concorrência equitativa. Que potência no mundo aceita continuar as suas trocas com quem não respeita nenhuma das suas regras? Não podemos suportar sem nada dizer. Devemos reformar a nossa política de concorrência, repensar a nossa política comercial: punir ou proibir na Europa as empresas que prejudicam os nossos interesses estratégicos e os nossos valores essenciais, como as normas ambientais, a proteção dos dados e o justo pagamento do imposto; e assumir, nas indústrias estratégicas e nos nossos concursos públicos, uma preferência europeia, tal como o fazem os nossos concorrentes americanos ou chineses.
Resgatar o espírito de progresso
A Europa não é uma potência de segunda categoria. A Europa toda é uma vanguarda: sempre soube definir as normas do progresso. Por isso, ela deve propugnar um projeto de convergência mais do que de concorrência: a Europa, onde foi criada a segurança social, deve construir para cada trabalhador, de Leste a Oeste e de Norte a Sul, um escudo social que garanta a mesma remuneração no mesmo local de trabalho e um salário mínimo europeu, adaptado a cada país e discutido coletivamente a cada ano.
Resgatar o progresso significa também liderar o combate ecológico. Como poderemos encarar os nossos filhos se não reduzirmos também a nossa dívida climática? A União europeia deve determinar a sua ambição – 0 carbono em 2050, reduzir pela metade os pesticidas em 2025 – e adaptar as suas políticas a essa exigência: um Banco europeu do clima para financiar a transição ecológica; uma força sanitária europeia para reforçar os controlos dos nossos alimentos; contra a ameaça dos lobbies, uma avaliação científica independente das substâncias perigosas para o ambiente e a saúde… Esse imperativo deve nortear toda a nossa ação; desde o Banco central até a Comissão europeia, desde o orçamento europeu até o plano de investimento para a Europa, todas as nossas instituições devem inserir o clima no âmago do seu mandato.
O progresso e a liberdade significam poder viver dos proventos do seu trabalho : para criar empregos, a Europa deve antecipar. Por isso é que ela deve não apenas regulamentar os gigantes do setor digital, com a criação de uma supervisão europeia das grandes plataformas (sanções aceleradas em caso de violação da concorrência, transparência dos seus algoritmos…), mas também financiar a inovação dotando o novo Conselho europeu da inovação com um orçamento comparável àquele dos Estados Unidos, para conduzir as novas ruturas tecnológicas, como a inteligência artificial.
Uma Europa que se projeta no mundo deve estar voltada para África, com a qual devemos formar um pacto de futuro. Assumindo um destino comum, apoiando o seu desenvolvimento de maneira ambiciosa e não defensiva: investimento, parcerias universitárias, educação das raparigas…
Liberdade, proteção, progresso. Devemos construir sobre esses alicerces um Renascimento europeu. Não podemos deixar os nacionalistas sem solução explorar a ira dos povos. Não podemos ser os sonâmbulos de uma Europa amolecida. Não podemos permanecer na rotina e nas proclamações. O humanismo europeu é uma exigência de ação. E por toda parte os cidadãos exigem participar na mudança. Até ao fim do ano, com os representantes das instituições europeias e dos Estados, organizemos uma Conferência para a Europa a fim de propor todas as mudanças necessárias para o nosso projeto político, sem tabu, nem mesmo a revisão dos tratados. Esta Conferência deverá associar painéis de cidadãos, auscultar os académicos, os parceiros sociais, os representantes religiosos e espirituais. Definirá um roteiro para a União europeia traduzindo em ações concretas essas grandes prioridades. Haverá divergências, mas será melhor uma Europa parada ou uma Europa que progride por vezes em ritmos diferentes, mas permanecendo aberta a todos?
Nesta Europa, os povos reassumirão verdadeiramente o controlo do seu destino; nesta Europa, o Reino Unido, tenho certeza, encontrará o seu devido lugar.
Cidadãos da Europa, o impasse do Brexit é uma lição para todos. Devemos sair dessa armadilha, e dar um sentido às eleições vindouras e ao nosso projeto. Cabe a vós decidirem se a Europa, os seus valores de progresso, devem ser mais do que um parêntese na história. Eis a escolha que vos proponho, para traçarmos juntos o caminho rumo a um Renascimento europeu.
Emmanuel Macron