Macron, o Presidente que ‘atrai’ revoltas sociais. Metade do mandato de Macron tem sido marcado por violentas convulsões sociais. Greve geral dura há três semanas. Transportes muito penalizados
Alfa/Expresso. Por Daniel Ribeiro. (leia a versão original deste texto em expresso.pt, edição semanal deste sábado, 28/12
Os franceses andam a pé, ou ficam paralisados nos carros, em colossais engarrafamentos, desde há mais de três semanas. Há manifestações quotidianas em toda a França e, devido à greve geral, viajar nos transportes públicos é impossível. Em França não há serviços mínimos como em Portugal e, quando há greve, os franceses sentem-na realmente na pele.
Os parisienses passaram o período do Natal a caminhar ou, exasperados, nos congestionamentos de automóveis nas estradas, que se contam, diariamente, em centenas de quilómetros à volta capital.
Nas estações de metro e de comboios da região parisiense vive-se um caos permanente, insuportável. Dentro de Paris, quase sem autocarros em funcionamento, só se veem filas intermináveis de automóveis e milhares de pessoas a circular a pé, de manhã à noite.
A greve contra a reforma do sistema de cálculo das pensões de reforma provoca atritos, tumultos e múltiplos conflitos entre utentes nos cais das gares, onde as pessoas se amontoam em espaços demasiado exíguos para acolher tanta gente, a maioria tentando chegar a horas ao trabalho ou regressar a casa.
A França é atualmente um país fortemente dividido. Há muitos anos que ninguém se entende e o Presidente Emmanuel Macron só agudizou as coisas. A economia francesa sofre: a empresa que gere os caminhos de ferro (SNCF) anuncia perdas, desde o início da greve, de €400 milhões, as lojas chiques dos Campos Elísios não têm clientes e os hotéis de luxo reportam cancelamentos de reservas.
As greves são apoiadas pela oposição a Macron — da esquerda radical de Jean-Luc Mélenchon à extrema-direita de Marine Le Pen, passando pelo PS do ex-presidente François Hollande, o homem que foi mentor de Emmanuel Macron e que o chamou para conselheiro na Presidência e, a seguir, o nomeou ministro da Economia.
Metade do mandato de Macron tem sido marcado por violentas convulsões sociais
A atual greve segue-se à muito violenta revolta dos “coletes amarelos”, que durou um ano e perante a qual o Presidente Macron fez cedências da ordem de €17 mil milhões, nomeadamente nas taxas sobre o gasóleo, nas pensões dos reformados que ganham acima dos €1200 e nos “prémios” que atribuiu aos salários mais baixos.
Face ao atual movimento organizado pelos sindicatos, bastante menos violento nas ruas do que o dos “coletes”, o primeiro-ministro, Édouard Philippe, falou ao país e tentou acalmar as coisas anunciando diversas concessões sobre os regimes especiais de reforma, sobre as particularidades dos assalariados nos ramos da saúde, do ensino, da polícia, dos militares ou dos aeroportos. E, ao mesmo tempo, garantiu flexibilidade e garantias para a entrada em vigor do futuro regime universal por “pontos” para a entrada em vigor do novo regime de reformas. A par disso, Philippe agudizou a crise com uma curta frase sobre a chamada “idade de equilíbrio aos 64 anos”, que, na prática, porá fim ao atual regime de acesso à reforma com 62 anos. A noção da “idade de equilíbrio” significa que os assalariados apenas terão uma reforma plena e sem penalizações se trabalharem até aos 64 anos.
O ARQUIPÉLAGO FRANCÊS
Num livro recente — “O Arquipélago Francês: Nascimento de Uma Nação Múltipla e Dividida” (edições Seuil) —, o sociólogo Jérôme Fourquet realça a realidade de uma França multicultural e fragmentada, incapaz de se unir eficazmente, seja a favor ou contra Emmanuel Macron. O sociólogo evoca um “bloco elitista”, que se reúne, ou tenta reunir, em torno do atual Presidente, e um outro “bloco popular”, no qual ele não acredita, que poderia levar Marine Le Pen ao poder.
Outros estudiosos, como o político Gérard Collomb, ex-socialista e até há alguns meses ministro do Interior de Macron, evocam uma probabilidade, pessimista, de crescimento das tensões atuais. “Os franceses vivem hoje lado a lado, mas receio que amanhã vão viver frente a frente”, diz Collomb.
Lado a lado e sem realmente se falarem, já vivem na realidade hoje os franceses, sobretudo nas cidades. Contudo, segundo a tese desenvolvida por Jérôme Fourquet, os franceses “evitam-se”, mas isso não chega para os levar à fase do confronto.
Na realidade, este correspondente verifica isso no dia a dia: em Paris, os vizinhos não falam uns com os outros e evitam cruzar-se nas entradas e escadas dos prédios.
Temas não faltam para conversas, desde os movimentos dos “coletes amarelos” aos das greves que paralisam o país. No entanto, nem “bonjour” se dizem uns aos outros.