Maio de 68 foi uma festa mas o que deixou foi nada – Eduardo Lourenço

Maio de 68 foi uma « euforia estranhíssima » que redundou em nada

Em entrevista à Lusa, Eduardo Lourenço fala da forma como viveu o Maio de 1968, altura em que o filósofo e ensaísta era professor na Universidade de Nice. Olhando para trás, à distância de 50 anos, o que ficou daquele movimento foi « nada », além de « uma festa, uma festa de juventude ».

O Maio de 1968 foi para o filósofo e ensaísta, Eduardo Lourenço, uma euforia « estranhíssima », que começou por prometer muito, transformou-se numa revolta « negativa » e terminou como uma festa estudantil, que não deixou « nada », além de uma « memória », que talvez inspire o futuro.

« Eu estive na França do Maio de 1968, mas não estive em Paris em Maio de 68, eu estava em Nice. Vivia-se, e partilhei, essa espécie de euforia estranhíssima que durou uns 15 dias », disse à Lusa o ensaísta, a propósito dos 50 anos da revolta estudantil.

Eduardo Lourenço recorda que a « principal figura » do movimento foi « um jovem alemão », Daniel Cohn-Bendit, que ficou conhecido como « Dany le Rouge », e que aquela era uma revolta de estudantes franceses, numas certas circunstâncias, contra o tipo de poder que naquele momento era representado pelo general De Gaulle, o Presidente da República, que tinha liderado a resistência à ocupação nazi, na II Guerra Mundial, e de quem era « muito admirador ».

Além disso, considera que o Maio de 1968 não foi propriamente originário da cultura e do espaço francês, como o foi a Revolução Francesa, mas antes, de « outra grande referência do século XX », que chegava da América. « Era uma imitação do que se tinha passado na Califórnia, ou em parte na Califórnia, a contestação de valores, não propriamente de valores políticos – na América seria quase um pleonasmo –, mas de comportamentos de vária ordem – ordem ética, sexual –, que tiveram influência naquela época e que deixaram rasto, naturalmente », afirma.

Mas foi com as invasões e com as destruições promovidas quer pelos jovens quer pelas forças policiais que o seu entusiasmo se viria a « esbater muito », conta o ensaísta, que, na altura, era professor na Universidade de Nice, recordando a « invasão dos espaços universitários » por estudantes « rasgando cartazes, rasgando fotografias de Montaigne ». « Uma coisa que era incompatível com aquilo que eu podia aceitar de uma França que eu admiro e onde fui professor e onde sou aposentado », acrescentou.

Não esconde, contudo, a amargura que sente por o general De Gaulle ter apresentado a demissão, um ano mais tarde (depois de derrotado no referendo sobre o Senado como órgão consultivo da Assembleia Nacional): « Para mim não foi uma coisa positiva, foi uma coisa negativa, e ainda hoje o continua a ser ».

Olhando para trás, à distância de 50 anos, o que ficou daquele movimento foi « nada », além de « uma festa, uma festa de juventude », na opinião do filósofo.

Eduardo Lourenço recorda que « estes rituais vinham do mais profundo da História cultural europeia » e que a universidade sempre foi o foco de conflitos, de revoltas contra os professores, e não só, que « a universidade francesa nunca foi nenhum convento » e foi sempre um espaço « onde se jogavam aspectos fundamentais da cultura europeia, das suas contradições ou não contradições ».

« Mas enfim, chegou-me aquelas duas semanas para ver que aquilo não conduzia a parte nenhuma, a não ser como coisa memorial, para se repetir em condições talvez mais adequadas e que se chame propriamente uma revolução, no sentido profundo e positivo do termo ».

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