Opinião: Daniel Ribeiro
Alguém em Portugal, certamente o Tribunal Constitucional, terá de invalidar os resultados das legislativas no que respeita aos votos dos portugueses residentes no estrangeiro.
Perante a posição dos dois principais partidos, PS e PSD, que elegeram como habitualmente dois deputados cada um e parecem satisfeitos com isso (o PS desistiu do recurso que anunciou), alguém com autoridade incontestável deverá tomar uma decisão sobre este assunto, que é uma mancha grave no processo eleitoral.
Basta um dado para justificar a invalidação, porque algo de muito anormal se passou: 83% dos votos do círculo da Europa foram invalidados e apenas 3% dos de Fora da Europa o foram.
A questão é esta: Serão apenas os eleitores residentes na Europa que não incluiram as cópias do Cartão do Cidadão nos envelopes ou, então, por que razão os votos sem Cartão terão sido separados ou contabilizados numas mesas e noutras não?
Alguém terá de explicar tamanha diferença nos dois círculos, porque a desconfiança e as suspeitas sobre a contagem e os resultados são enormes.
Não adianta nada que o Governo, os deputados, os principais partidos e outros, venham agora prometer uma reforma da lei eleitoral.
« Depois de porca roubada, trancas à porta »?
Afinal, o que se passou com a contagem dos votos dos portugueses que residem por esse mundo fora?
Seria bom que as explicações viessem rapidamente – e de forma que toda a gente as compreenda.
Leia mais sobre este tema, aqui, num despacho da Lusa:
Legislativas: MNE lamenta « desconsideração objetiva » dos votos dos emigrantes
« Do ponto de vista do Ministério dos Negócios Estrangeiros passou-se uma coisa muito positiva que foi mais 100 mil portugueses votaram desta vez em relação a 2019. Como ministro dos Negócios Estrangeiros, não entrando nas questões de ordem partidária, tenho a lamentar que a mesa de apuramento da Europa tenha decidido anular 80% desses votos », disse Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, em declarações à Agência Lusa em Paris.
O ministro português está em França desde quinta-feira para participar em diversas reuniões da presidência francesa do Conselho da União Europeia, tendo aliado na sua agenda visitas a diversos consulados. Esta sexta-feira, após uma reunião no Consulado-geral de Portugal em Paris, o governante, também cabeça de lista do PS pelo círculo eleitoral fora da Europa, lamentou a invalidação dos votos dos portugueses no estrangeiro após recurso do PSD junto das mesas de contagem.
« Sei que isso não teve consequências do ponto de vista da representação parlamentar, visto que qualquer que fosse o método de cálculo, daria um deputado para o PS, um deputado para o PSD na Europa e fora da Europa, não há nenhuma consequência que distorça a escolha dos portugueses. Agora há, evidentemente, uma desconsideração objetiva de milhares e milhares de portugueses residentes na Europa que viram invalidado o seu voto », declarou.
Para Augusto Santos Silva, o método de apuramento já tinha sido previamente acordado entre os partidos, mas houve uma « mudança de ideias » por parte do PSD.
« Não houve falta de informação, mas é público e notório que houve um partido político que aceitou um método de apuramento que permitir contar todos os votos e, depois, mudou aparentemente de ideias e apresentou uns protestos, que uma mesa de apuramento eleitoral na Europa considerou válidos e invalidou votos. E uma mesa fora da Europa, não », explicou.
O governante afirmou ainda que a lei eleitoral para os portugueses que vivem fora do território nacional deve mudar.
« A lei eleitoral é uma competência exclusiva da Assembleia da República e já, pelo menos do meu conhecimento, um grupo parlamentar anunciou que vai proceder a esta mudança, porque isto não pode ser. Estamos todos a fazer um enorme esforço para aumentar a participação cívica e eleitoral dos portugueses nos assuntos de Portugal », indicou.
O ministro Negócios Estrangeiros defendeu ainda que a discussão sobre os métodos de voto « é legítima », incluindo o voto eletrónico, mas que existem já dois métodos de voto válido, presencial e por correspondência.
Mais de 80% dos votos dos emigrantes do círculo da Europa nas legislativas de 30 de janeiro foram considerados nulos, após protestos do PSD, mas a distribuição de mandatos mantém-se, com PS e PSD a conquistarem dois deputados cada nos círculos da emigração.
Segundo o edital publicado hoje sobre o apuramento geral da eleição do círculo da Europa, de um total de 195.701 votos recebidos, 157.205 foram considerados nulos, o que equivale a 80,32%.
Em causa estão protestos apresentados pelo PSD após a maioria das mesas ter validado votos que não vinham acompanhados de cópia do cartão de cidadão (CC) do eleitor, como exige a lei.
Como esses votos foram misturados com os votos válidos, a mesa da assembleia de apuramento geral acabou por anular os resultados de dezenas de mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los uma vez na urna.