MANUEL VALLS: Gozado num sítio, atacado no outro: como um ex-primeiro-ministro francês vai concorrer à Câmara de Barcelona.
Em França gozam com ele, na Catalunha, os autonomistas atacam-no duramente: a candidatura à presidência da Câmara de Barcelona de Manuel Valls, ex-primeiro-ministro francês e antigo candidato frustrado ao Eliseu, é um caso de estudo da Europa sem fronteiras, da cidadania europeia e de complicadas ambições políticas
ALFA/EXPRESSO (adaptação) – por DANIEL RIBEIRO
Manuel Valls, 56 anos, nascido na Catalunha e naturalizado francês aos 20 anos, deixou recentemente crescer uma barba controlada e, depois de algumas derrotas políticas em França, anda a percorrer desde a primavera mercados e bairros da segunda maior cidade do reino de Espanha, a apertar mãos aos eleitores e a dizer “eu sou catalão e espanhol”.
Depois de ter sido pesadamente derrotado por duas vezes na corrida à presidência da República francesa, pretende concorrer à liderança da Câmara de Barcelona, em princípio em nome da Europa, da unidade da Espanha, contra a independência da Catalunha e com o apoio do movimento de centro-direita, Ciudadanos.
O antigo primeiro-ministro francês (socialista da tendência liberal e social-democrata) sofreu várias derrotas em França, incluindo em eleições internas no seu antigo partido (PS), mas continua a ser um homem político com ambições – que são agora, segundo as aparências, também transfronteiriças.
CHACOTA EM FRANÇA, ONDE AINDA É DEPUTADO
A sua ambição catalã é objeto de gozo em França. “Eu sou um espanhol em férias em França desde há 40 anos”, disse um humorista, imitando a voz de Valls.
Na Catalunha, alguns também não são nada meigos com o ex-chefe de Governo francês. “Barcelona não é o caixote do lixo para reciclar deputados franceses que nem o seu partido quer”, escreve a imprensa independentista local, segundo relatam os jornais
“Oportunista, paraquedista, jacobino, candidato dos ricos”, são outros dos epítetos que lhe são dedicados, traduzidos do catalão pela imprensa francesa.
Manuel Valls é catalão de origem, o que nunca negou. Mas enfrenta diversos problemas com esta candidatura, que anunciou ao fim da tarde de terça-feira, 25.
Quando chegou a primeiro-ministro francês, pela mão do anterior presidente, François Hollande, pronunciou pomposamente esta frase: “Casei com a França aos 20 anos”.
Hoje ainda é, aliás, deputado francês na Assembleia Nacional por um círculo da região de Paris, cargo do qual não se pretendia demitir mesmo estando ausente de França, durante meses seguidos, em campanha eleitoral para a presidência de uma Câmara de um país estrangeiro (as eleições municipais em Barcelona estão marcadas para maio de 2019).
De acordo com a lei francesa, que não prevê uma situação destas, Manuel Valls não era obrigado a demitir-se – apenas depois, se for eleito, terá de escolher um dos mandatos. No entanto, acabou por anunciar que vai demitir-se.
Valls já na realidade era um “deputado fictício”, porque desde há vários meses tem passado mais tempo em Barcelona do que na região parisiense, e gera comentários sarcásticos no seu país de adoção. “Valls é um cromo”, diz-se em alguns cafés e nos corredores políticos de Paris.
“Esta candidatura é uma novidade à escala do continente europeu: o antigo primeiro-ministro de um país que parte à conquista de uma das principais cidades de um outro”, exclama o jornal “Libération” desta terça-feira.
As críticas são muitas, mas Valls defende-se como “homem moderno e cidadão europeu”. Contudo, não consegue apagar a ideia de que escolheu Barcelona porque nem o PS, o seu antigo partido, nem o “República em Marcha”, do presidente Emmanuel Macron, o desejam como militante do topo.
Nascido numa família abastada, intelectual e antifranquista da Catalunha (pai catalão, mãe suíça), Manuel Valls fala catalão e espanhol e tem hoje uma nova companheira espanhola, rica e herdeira de laboratórios farmacêuticos, muito influente na região.
Mas a importância da mulher e a sua atual residência “secundária” em Barcelona podem não ser suficientes para garantir a conquista da Câmara da cidade. No início do verão, a sua eventual candidatura recolhia apenas cinco por cento das intenções de voto.
No entanto, esta projeção eleitoral, feita quando ele ainda não era candidato, não o desanima. Aparentemente, conta com o sistema eleitoral proporcional e com as grandes divisões do quadro político-partidário catalão para vencer na reta final.
Contudo, se perder a eleição, o que não pode de forma alguma ser excluído, não se sabe o que fará a seguir. Voltará para França onde tem sido deputado “aparentado da República em Marcha”, o seu atual estatuto no Parlamento? E, nesse caso, será de novo bem recebido no país com o qual “se casou aos 20 anos”?