Menina de 11 anos foi violada. Família pediu um aborto. Médicos fizeram uma cesariana

“Quero que tirem o que ele pôs dentro de mim”: negaram o aborto e fizeram uma cesariana a uma menina de 11 anos que foi violada. Foi na Argentina.

JUAN MABROMATA/ GETTY IMAGES

A criança foi violada pelo companheiro da avó. A família pediu para que fosse feito um aborto. Quando finalmente foi aceite, os médicos recusaram por a autorização ter demorado: “objeção de consciência”. Já era tarde. Fizeram uma cesariana. Aconteceu na Argentina – um trabalho de Marta Gonçalves no Expresso.

Alfa/Expresso

A menina, de quem não se conhece a identidade, tem 11 anos e foi submetida a uma cesariana. Estava grávida de 23 semanas. Foi violada. O bebé está vivo mas, dizem os médicos, tem poucas probabilidades de sobreviver. Cortar o ventre da menina e fazer-lhe um parto foi a solução escolhida quando o regular procedimento do aborto se tornou demasiado perigoso: embora a família tenha feito o pedido logo que se apercebeu de que a menina tinha engravidado, a decisão foi recorrentemente atrasada. Vários médicos da região de Tucumán, no norte da Argentina, recusaram executar o procedimento.

“Quero que me tirem o que aquele homem velho pôs dentro de mim.” À equipa de psicólogos e psiquiatras, a menina terá dito que queria abortar. Também a mãe pediu o aborto assim que lhe disseram pela primeira vez que a filha estava grávida. A menina queixara-se de dores na barriga e a mãe levou-a ao centro de saúde. Tinha a crescer algo dentro dela há 19 semanas. E só quando o soube, contou que o companheiro da avó, de 66 anos, a tinha violado.

Foi levada para o hospital, onde tem estado internada desde então à espera de uma decisão, relata a imprensa argentina. Pela lei, o aborto é crime, à exceção de quando a vida da mãe está em risco e não há outra solução ou quando a mãe é vítima de violação. Esta era uma dessas excepções.

E, no momento em que a menina disse “fui violada”, tudo ficou ainda mais complicado. O caso foi entregue à Justiça, chegou aos tribunais e politizou-se. Há quem garanta que a menina e a família nunca quiseram o aborto. “Sou próximo quer da criança quer da mãe. Esta criança quer continuar com a gravidez. Estamos a considerar os riscos, ela tem uma estrutura larga e pesa mais de 50 quilos”, dizia Gustavo Vigliocco, responsável pelo sector da saúde em Tucumán, em conferência de imprensa – versão desmentida pela família que, segundo um documento a que o jornal “Pagina 12” teve acesso, preencheram de imediato o pedido para a interrupção voluntária da gravidez.

Foram cinco semanas de internamento. Cinco semanas de espera por uma decisão que não chegava. Só esta terça-feira o tribunal ordenou que fossem tomadas medidas imediatamente. Mas fazer um aborto já era demasiado perigoso.

“Quando entramos no quarto onde ela estava, vi um corpo infantil ainda sem estar desenvolvido. Estava a brincar com um carrinho de bebé de plástico, aí as pernas fraquejaram”, relatou Cecilia Outsset, a ginecologista que juntamente com o marido, também ele médico, acompanhou a operação. Ela, que não estava escalada para trabalhar, teve de apoiar o marido porque não havia mais ninguém. “Objeção de consciência”, justificaram os restantes médicos, segundo o jornal argentino “Clarín”. O anestesista e a enfermeira tiveram de de ser recrutados noutras unidades de saúde.

“A verdade é que não podíamos fazer um parto por via vaginal porque o corpo dela não estava desenvolvido o suficiente, além disso não estava em condições psicológicas para o fazer devido aos abusos que sofreu”, explicou a ginecologista. A menina vivia com a avó, havia sido retirada à mãe pelos serviços sociais. As suas duas irmãs já tinham sido abusadas pelo companheiro da mãe. Esta quarta-feira, fizeram-lhe uma cesariana.

PORQUÊ TANTO TEMPO?

Há diferentes respostas a esta pergunta. Para as organizações não governamentais de proteção de Direitos Humanos – tal como a Amnistia internacional – ou as associações feministas e movimentos pró-aborto, a culpa está do lado das autoridades, que usaram o caso para marcar uma posição política e evitarem a concretização do aborto, prolongando a espera o máximo tempo possível para que já só fosse possível uma cesariana: “é o pior tipo de crueldade que se podia fazer a esta criança”.

“A Amnistia Internacional repudia a violência institucional exercida pelo Sistema Provincial de Salud e da Província de Tucumán. A demora injustificada do acesso à interrupção voluntária da gravidez violou os direitos de uma menina à saúde, autonomia, privacidade e intimidade, fazendo dela outra vez vítima”, defendeu a ONG. Segundo dados da organização, em 2017, registaram-se 2493 partos de raparigas com menos de 15 anos. A cada três horas, um nascimento. “A maioria são consequência de situações de abuso e coerção que resultam em gravidez infantil indesejada.”

No entanto, se a pergunta for dirigida às autoridades argentinas, a resposta é outra: “não criamos obstáculos”. “Quero deixar claro que foi o sistema de saúde que foi buscar a menina a casa. Por outras palavras, se não tivesse sido o sistema, a menina nunca teria chegado ao sistema de saúde”, argumentou Rossana Chahla, ministra da Saúde, em conferência de imprensa.

No hospital, a menina era medicada para que o feto amadurecesse. O jornal “Clarin” dá conta da intervenção de várias pessoas para que a medicação não fosse tomada e que alguns ativistas pró-vida, com a autorização do responsável pela Saúde da região, entraram nas instalações fazendo-se passar por médicos. O objetivo? Convencer mãe e filha a não prosseguir com o aborto.

A interrupção voluntária da gravidez é crime na Argentina, salvo em situações de violação ou risco de vida. O tema tem sido motivo de vários protestos por parte de movimentos pró-vida e organizações feministas, exemplo disso foi a manifestação na semana passada em Buenos Aires, a capital do país. No ano passado, a legalização do aborto foi debatida ao nível político. O Presidente, que afirmou ser contra, assegurou que não iria vetar qualquer que fosse a decisão do Congresso. A 14 de junho, a Câmara de Deputados aprovou a lei por uma margem pequena (129-125). No entanto, a legislação foi barrada pelo Senado, onde não passou por sete votos.

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