A morte, ontem, da histórica intérprete de Jolie Môme e de Bonjour Tristesse, Juliette Gréco, ícone da canção francesa e musa do quarteirão parisiense Saint Germain des Près, é notícia em todo o mundo. Leia aqui um texto da Lusa sobre ela.
“Juliette Gréco morreu nesta quarta-feira 23 de setembro de 2020 rodeada pelos seus na sua amada casa de Ramatuelle [no sudeste de França]. A sua vida foi fora do comum”, declarou a família, num comunicado enviado à AFP, no qual salienta que, “aos 89 anos, ela ainda fazia a canção francesa brilhar”.
Juliette Gréco nasceu em 07 de fevereiro de 1927 em Montpellier, no sul de França, mas cresceu perto de Bordéus, no sudoeste, criada pelos avós maternos, após a separação dos pais.
Na sua autobiografia publicada em 1983, “Jujube”, diminutivo de infância, Gréco conta como, após a detenção da mãe, que pertencia à resistência, ela foi encarcerada durante 10 dias em Fresnes, em 1943, com a irmã mais velha, Charlotte. A mãe e a irmã foram deportadas para o campo de concentração de Ravensbrück, na Alemanha, mas sobreviveram.
Esse drama marcou-a e fez dela uma mulher livre e politicamente empenhada que, em 1981, num espetáculo no Chile, perante notáveis do regime ditatorial de Pinochet, apenas interpretou canções proibidas. Após o concerto, foi escoltada para o aeroporto por militares.
No final dos anos 1940, Raymond Queneau e Jean-Paul Sartre assinaram os primeiros êxitos de Juliette Gréco no cabaret Le Tabou: “Si tu t’imagines” e “La Rue des Blancs-Manteaux”.
Ela cantou também Pierre Desnos, Jacques Prévert, Bertolt Brecht, Boris Vian, Françoise Sagan, Charles Aznavour, Léo Ferré, Guy Béart, Serge Gainsbourg e Georges Brassens.
Depois de passar por outros cabarets míticos, como La Rose Rouge e Le Bouef sur le Toit, veio a consagração no Olympia, em 1954, e depois em Nova Iorque. Juliette Gréco tornou-se então num símbolo da canção francesa em todo o mundo.
Nos Estados Unidos, o seu companheiro, o produtor norte-americano Darryl Zanuck, conseguiu-lhe papéis nos filmes “Bonjour Tristesse” (1958), de Otto Preminger, “Raízes do Céu” (1958), de John Huston, e “Drama no Espelho” (1960), de Richard Fleischer.
Regressada a Paris, dedica-se à música: a canção “Déshabillez-moi”, um dos seus maiores êxitos, foi gravada em 1968.
Celebrizada pela sua interpretação de Belfegor em 1965, na série televisiva epónima, a cantora da Rive Gauche estreou-se no teatro em 1945, em “Victor ou les enfants du pouvoir”, e no cinema em 1949, em “Orphée”, de Jean Cocteau.
A glória nunca a abandonou e, em 2004, um ano depois do seu álbum “Aimez-vous les uns les autres” e 50 anos após o primeiro concerto, regressou ao Olympia.
Em julho de 2005, foi convidada de honra do festival Francofolies de La Rochelle e, em fevereiro de 2007, pelo seu 80.º aniversário, reencontrou o seu público no Théâtre du Châtelet, em Paris. Em agosto de 2013, aos 86 anos, cantou também no Festival de Ramatuelle.
Em Portugal, atuou por duas vezes, em 2001 e 2008, ambas no Centro Cultural de Belém (CCB), e em 2013, voltou a Lisboa, no dia em que completava 86 anos, não para cantar, mas para ser homenageada no Instituto Franco-Portugais, por ocasião do lançamento da coleção Chanson Française, editada pelo diário Público com selo da Levoir e da Le Chant du Monde.
Nos últimos anos da carreira, gravou discos com as novas gerações de autores, como Miossec, Benjamin Biolay, Olivia Ruiz e Abd Al Malik.
Juliette Gréco anunciou em 2015, aos 87 anos, que iria abandonar os palcos, após uma última digressão.
“É muito duro, é muito complicado para mim, é muito doloroso: é preciso saber sair em beleza”, disse na ocasião à estação televisiva RTL a intérprete de “Déshabillez-moi”, uma das suas mais célebres canções.
Embora admitindo que quando está em palco nunca se sentia cansada, explicou: “Vou fazer 88 anos daqui a 10 dias e não quero dar a imagem de uma velha mulher que se agarra ao passado, não quero ter vergonha, ir demasiado longe”.
Em 2016, ano em que perdeu a única filha, Laurence-Marie, teve um acidente vascular cerebral.
“Sinto muita falta. A minha razão de viver é cantar! Cantar é a totalidade, está o corpo, o instinto, a cabeça”, afirmou a cantora, numa entrevista publicada em julho na revista francesa Télérama.
Após uma longa relação com o trompetista do jazz Miles Davis, casou-se com o comediante Philippe Lemaire (em 1953), pai da sua filha, e com Michel Piccoli (em 1966), de quem se divorciaria em 1977. Em 1988, voltou a casar-se com o antigo pianista de Jacques Brel, Gérard Jouannest.