Bancos a operar em Portugal trocavam dados sobre produtos de crédito ao consumo, crédito para compra de habitação e crédito a empresas, prática que durou mais de uma década e lesou clientes, concluiu a Autoridade da Concorrência.
A Autoridade da Concorrência (AdC) anunciou esta tarde que condenou 14 bancos a operar a Portugal ao pagamento de coimas que, no valor global, atingem os 225 milhões de euros “por prática concertada de troca de informação comercial sensível”. De acordo com a instituição liderada por Margarida Matos Rosa, esta prática ilegal aconteceu “durante um período de mais de dez anos, entre 2002 e 2013”.
Os bancos condenados, diz o comunicado da AdC, “são a o BBVA, o BIC (por factos praticados pelo então BPN), o BPI, o BCP, o BES, o BANIF, o Barclays, a CGD, a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, o Montepio, o Santander (por factos por si praticados e por factos praticados pelo Banco Popular), o Deutsche Bank e a UCI”.
Em causa está a troca de informação “sensível referente à oferta de produtos de crédito na banca de retalho, designadamente crédito habitação, crédito ao consumo e crédito a empresas”.
Juridicamente, este não é um caso de cartelização, embora a Adc refira que “o comportamento dos referidos bancos constitui uma importante restrição da concorrência”, já que tinha, na prática, o mesmo efeito do cartel.
O esquema é explicado pela entidade reguladora, ao afirmar que cada instituição financeira fornecia aos seus concorrentes dados sobre as suas ofertas comerciais, como “os spreads a aplicar num futuro próximo no crédito à habitação ou os valores do crédito concedido no mês anterior” e que “não seriam acessíveis” de outro modo.
“Assim, cada banco sabia, com particular detalhe, rigor e actualidade, as características da oferta dos outros bancos, o que desencorajava os bancos visados de oferecerem melhores condições aos clientes, eliminando a pressão concorrencial, benéfica para os consumidores”.
Por outras palavras, ao saber de antemão o que os seus concorrentes estavam a fazer, os bancos que participaram neste esquema tinham pouco ou nenhum incentivo para disputarem os clientes com base em propostas mais competitivas.
Segundo a AdC, “em sentido contrário à evolução de Euribor, os spreads aplicados pelas instituições financeiras a novas operações de crédito registaram uma subida acentuada, a partir de meados de 2018”.
Assim, a entidade reguladora deu como provado que foi a acção irregular dos bancos que permitiu atenuar o efeito da redução da Euribor, que poderia ter sido mais benéfica para os consumidores.
“À descida abrupta da Euribor corresponde uma subida sustentada dos spreads médios, que atenua a redução da taxa de juro que decorreria da descida abrupta da Euribor”, refere o documento de perguntas e respostas elaborado pela AdC.
Longo processo
Este era um processo que a entidade reguladora tinha pendente desde 2015, embora o processo contra-ordenacional tenha tido início em Dezembro de 2012.
Ainda na presidência de António Ferreira Gomes (o antecessor de Margarida Matos Rosa), a entidade reguladora acusou 15 bancos (entre eles Caixa Geral de Depósitos, BCP, BES, BPI e Santander Totta) “por suspeita de prática concertada, na forma de intercâmbio de informações comerciais sensíveis, no que respeita à oferta de produtos de crédito na banca de retalho, designadamente crédito à habitação, crédito ao consumo e crédito a empresas”.
De 15 bancos passaram agora a 14 porque, segundo afirma a AdC, esta ficou impedida de punir a prática relativamente ao Abanca, também visado na acusação, uma vez que este “cessou a prática anos antes dos restantes bancos”. De acordo com o que apurou o PÚBLICO, a instituição espanhola escapou à coima porque as ilegalidades que terá praticado prescreveram. Embora tenha ganho expressão no mercado português com a compra do negócio de retalho do Deutsche Bank em Março de 2018, o Abanca já estava presente antes disso, focando-se nas PME.
Depois, há ainda o caso do Santander, que além da sua própria coima ficou com a do Popular, instituição financeira espanhola concorrente que adquiriu em 2017. Quanto ao Banif, que também foi absorvido pelo Santander após o colapso do banco português, a coima que lhe cabe ficou fora das responsabilidades do Santander. O mesmo se passou com o BES, ficando o Novo Banco ausente deste processo.
Outro caso interessante é o do Eurobic, que terá de pagar pelos erros do BPN, banco que comprou em 2011 na sequência da sua nacionalização.
De acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, o valor máximo de coima aplicada a uma das instituições financeiras visadas chegou aos 80 milhões de euros (35% do montante total). O cálculo é efectuado tendo em conta o volume de negócios de cada banco, mas também os valores dos segmentos em causa.
A AdC explica que, uma vez concluída a decisão de condenação, pediu um parecer ao regulador sectorial, ou seja, ao Banco de Portugal, que exprimiu receios relativamente ao impacto de eventuais coimas para o sector financeiro.
A entidade liderada por Carlos Costa considerou que, “caso fossem determinadas coimas que correspondessem ao montante máximo previsto” na Lei da Concorrência, ou seja, 10% do volume de negócios, isso poderia afectar, “de forma material”, a “estabilidade financeira e a resiliência de um número significativo de instituições”. Esta é uma consequência que a AdC rejeita. As coimas, diz, afiguram-se “adequadas e proporcionais às infracções cometidas por cada banco”.
Nos anos em que, segundo a AdC, ocorreram estas práticas, houve uma forte concessão de crédito, com largas centenas de milhões de euros em financiamentos a serem aplicados, principalmente entre 2002 e 2011 (ano em da entrada da troika de credores em Portugal).
Quem denunciou?
O processo teve início numa denúncia de uma das instituições financeiras participantes no final de 2012, que aderiu ao regime de clemência. O processo tardou a fazer o seu percurso devido às dezenas de recursos interpostos pelos bancos em tribunal. Ao todo, foram apresentados 43 recursos pelos bancos, dos quais, segundo a AdC, só cinco conheceram decisões favoráveis.
De acordo com o que foi noticiado pelo Diário Económico (hoje extinto), o delator foi o Barclays. Com isso, o banco de origem britânica conseguiu garantir a dispensa de pagar a sua parte da coima. Houve ainda um segundo banco que obteve um corte de 50% na coima após apresentar provas adicionais. Também segundo o antigo Diário Económico, este segundo banco a apresentar um pedido de clemência foi o Montepio. Neste último caso, a instituição financeira compromete-se a não apresentar recurso da decisão na justiça. Quantos aos outros bancos, podem recorrer para o Tribunal da Concorrência, em Santarém.
A AdC diz não ter conhecimento da existência de condenações semelhantes noutros Estados-membros da União Europeia, pelo que se trata, por isso, de uma “condenação inédita”.
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