Não é polícia quem quer

Alfa/Expresso (semanário, edição papel e online). Por Daniel Ribeiro. Adaptação atualizada.

Alexandre Benalla, em primeiro plano, tinha a total confiança
 do Presidente Emmanuel Macron

FOTO LUDOVIC MARIN/EPA

Polémica. Tentativa de criar força de segurança paralela gera pior crise desde a eleição de Macron, em maio de 2017

A queda de Alexandre Benalla, guarda-costas em quem Emmanuel Macron depositava grande confiança, colocou em dificuldades o líder francês, travou uma restruturação (que decorria no maior sigilo) de todo o sistema de segurança no Eliseu e paralisou a Assembleia Nacional, que não consegue funcionar normalmente desde há dez dias, quando o escândalo foi revelado pela imprensa.

Benalla, civil de 26 anos que já fora chefe da segurança de Macron durante a campanha das presidenciais de 2017, era uma figura central no Palácio, onde a sua importância crescente não era bem vista pela estrutura oficial de proteção do chefe de Estado, designadamente o sector militar e policial. Existiam “fricções” e “rancores” com o muito oficial Agrupamento de Segurança da Presidência da República, confessou Benalla numa entrevista, quinta-feira, ao jornal “Le Monde”. “A verdade é que a minha nomeação para esse posto chateou muita gente, porque um garoto de 25 anos que não estudou na Escola Nacional de Admnistração, que diz as coisas frontalmente, suscita rancores”, explicou.

Macron fala em “tempestade num copo de água” e tenta desvalorizar o escândalo que eclodiu depois de o mesmo diário ter divulgado um vídeo que mostra o chefe da segurança de Macron e da sua mulher, Brigitte, a espancar e deter um jovem, durante uma manifestação no dia 1 de maio. Benalla estava equipado com um capacete da polícia quando atacou o manifestante, à frente das forças antimotim, que não reagiram e pareciam vê-lo como um superior hierárquico. Antes deste episódio, já Benalla agredira uma jovem no Quartier Latin. Também fora filmado, equipado com braçadeira de agente policial, a usar um aparelho de transmissão rádio reservado às forças da ordem.

A “CÉLULA DO ELISEU”

O escândalo terá impedido a criação de uma “polícia paralela” no Eliseu que estaria em fase avançada de construção, denunciaram deputados e outros políticos da esquerda, direita e ultradireita. A existência de uma “polícia paralela” presidencial não é facto novo. Durante os mandatos de François Mitterrand (1981-1995) existiu a chamada “célula do Eliseu”, que protagonizou um dos maiores escândalos da época ao colocar sob escuta, de forma ilegal, políticos, jornalistas e artistas. Essa “célula” trabalhava com plena autonomia, sem depender dos comandos operacionais normais e reportando apenas ao chefe de Estado. Reveladas as escutas, a “célula” foi dissolvida. De igual modo, a alegada “polícia paralela” de Macron terá morrido à nascença.

O “escândalo Benalla” atinge o Presidente, porque os serviços do Palácio tiveram conhecimento dos vídeos no dia 2 de maio e tentaram abafar o caso, suspendendo apenas o agente de segurança durante 15 dias, com perda de salário “transferida” para dias de férias em atraso que não gozara. Depois da “sanção”, Benalla regressou às suas atividades no Eliseu, foi visto ao lado de Macron em múltiplas situações e chegou a organizar operações especiais como o desfile triunfal dos campeões do mundo de futebol nos Campos Elísios ou as cerimónias oficiais do Dia Nacional, a 14 de julho.

Benalla era “muito bem visto” no Palácio, afirmaram testemunhas nas comissões parlamentares de inquérito constituídas na Assembleia Nacional e no Senado. Não obstante, a sua influência junto de Macron e a crescente importância na sede da presidência provocavam “ciúmes” aos militares e agentes do quadro oficial.

QUATRO INVESTIGAÇÕES OFICIAIS

Já depois de os serviços presidenciais terem “sancionado” Benalla, foi-lhe atribuído um luxuoso apartamento de 80 metros quadrados numa zona nobre de Paris. Tinha direito a carro oficial com motorista e porte de arma.

Além das audições a políticos, militares e policias, lançadas pelas duas câmaras do parlamento, estão em curso um processo judicial contra Benalla e quatro pessoas (um dirigente do partido República em Marcha, de Macron, e três polícias) e um inquérito interno da “polícia das polícias”. Este visa esclarecer o comportamento das forças da ordem durante a agressão de 1 de maio e a forma como Benalla obteve licença para andar armado e ostentar distintivos como uma braçadeira com grau de capitão.

Há, também, efeitos políticos. A oposição vai apresentar duas moções de censura ao Governo. Não tem hipótese de passar, pois Macron tem uma esmagadora maioria, mas o debate manterá o escândalo na agenda.

MATAR O MENSAGEIRO

Para limitar os danos políticos causados pelo seu antigo protegido (80% dos franceses dizem-se chocados com o caso, segundo uma sondagem), Macron optou numa primeira fase pelo silêncio. Depois deu respostas rápidas a algumas perguntas para desmentir que a queda de Benalla tivesse provocado uma crise no poder. Tentou aparecer a trabalhar, despreocupado e sorridente, e manteve viagens programadas há muito a Madrid e Lisboa. Anulou, no entanto, uma visita prevista a uma etapa da Volta a França em bicicleta para evitar contactos com jornalistas e populares.

Em breves declarações, atacou os jornalistas, recorrendo a fórmulas que se assemelham às utilizadas pelo seu homólogo dos Estados Unidos, Donald Trump, segundo Philippe Moreau Chevrolet, professor de Comunicação Política no Instituto Sciences Po. “É muito ‘trumpista’ quando repete, por exemplo, que a imprensa não diz a verdade e que o país real não liga nada a este caso”, explica o perito.

Na entrevista a “Le Monde”, Benalla reconhece que errou na manifestação de 1 de maio, mas diz que, através dele, “querem atacar o Presidente”. “Sou o elo mais fraco”, sublinhou. Devido a este caso, que ainda não está encerrado, Macron enfrenta a pior crise desde que foi eleito, em maio de 2017.

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