“O seu cérebro desligou-se para não sentir o frio, a fome ou o medo”. Caso do bebé português fechado na mala de um carro choca a França

Caso do bebé português fechado na mala de um carro: “O seu cérebro desligou-se para não sentir o frio, a fome ou o medo”. Julgamento de Rosa Maria da Cruz, que durante dois anos escondeu a filha, na mala de um carro, está a decorrer em Tulle, na região da Corrèze. Factos ocorreram há mais de cinco anos e a criança continua gravemente deficiente. Juízes, advogados e imprensa ficaram chocados com as primeiras sessões no tribunal.

Alfa/Expresso. Por Daniel Ribeiro. Artigo publicado em Portugal na quarta-feira, às 18h.

O estado mental de Séréna, hoje com 7 anos, continua muito debilitado, por ter vivido 23 meses fechada numa mala de um carro e no meio de uma incrível imundície. Juízes, advogados, assistentes sociais e os membros do júri viram, à porta fechada, um vídeo da menina, por ter sido decidido que ela não está em condições de ser interrogada em público.

“É uma menina com vida, bastante bonita, com algumas capacidades de coordenação sobre coisas simples”, explicou Gilles Fonrouge, o presidente do Tribunal. O juiz detetou, no entanto, na criança, “uma ausência de comunicação espontânea, como se fosse impermeável ao que se passa à volta dela”.

Já Marie-Pierre Peis-Hitier, uma das advogadas dos serviços de ajuda à infância, que realizou o vídeo, informou que apenas se percebe claramente o que diz Sérèna quando ela diz “não”. “Ela apenas pronuncia três ou quatro palavras depois de muito solicitada pela assistência familiar”, acrescentou.

Séréna é hoje uma criança adotada e, de acordo com especialistas ouvidos pelo tribunal e pela imprensa, apenas na adolescência e na idade adulta se poderão avaliar realmente as sequelas ligadas às “privações sensoriais e aos estímulos dos seus primeiros 23 meses de vida”. Alguns evocam “um défice funcional a 80 por cento” e “uma síndroma irreversível de autismo”.

“Só começou a mastigar no ano passado, aos seis anos, já aprendeu a caminhar e a andar de bicicleta, mas no que respeita ao cérebro é irrecuperável. Estava num estado lastimoso. Para simplificar: o seu cérebro desligou-se para não sentir o frio, a fome ou o medo. Hoje não poderemos voltar a ligar o que foi desligado”, explicou o especialista Bernard Magret.

O tribunal vai agora examinar o perfil psicológico da mãe da criança, que escondeu a gravidez e deu à luz, dentro de casa, sozinha e às escondidas do marido, Domingos Sampaio Alves, e dos outros três filhos.

Rosa Maria da Cruz incorre numa pena de 20 anos de prisão. Tem 50 anos, e Domingos 45. Este já depôs perante o tribunal, onde reiterou que desconhecia a existência de Séréna até ela ter sido descoberta por acaso, a 25 de outubro de 2013, pelos empregados de uma oficina de automóveis na região onde habita.

Foto: Rosa Maria da Cruz/AFP

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