Judiciária não exclui hipótese de ódio racial na morte de Luis Giovani Rodrigues, informa o jornal Expresso em expresso.pt
A noite estava ainda a começar no Lagoa Azul. A pista de dança iluminada a tons rosa, lilás e azul ainda não estava cheia, no balcão ainda não ser formavam grandes filas à espera de uma bebida, nos sofás e bancos ainda havia lugares por ocupar. Eram “no máximo” 23h quando Luis Giovani Rodrigues, 21 anos, e dois amigos entraram no bar numa sexta-feira. Ficaram até ao fechar das portas, já era madrugada de sábado quando saíram. Uma hora depois, e a cerca de 700 metros do local onde os três amigos passaram a noite, Giovani foi encontrado caído e inconsciente. Viria a morrer dez dias depois, no Hospital de Santo António, no Porto.
“Chegaram num grupo de três logo ao começo da noite e saíram quando já estávamos a fechar, por volta das 03h”, conta ao Expresso Virgílio Afonso, proprietário do Lagoa Azul, bar no centro de Bragança com 27 anos de existência. “Já tinha visto o Giovani uma ou duas vezes no bar. Os três estavam a agir normalmente como se age num bar. Estavam a divertir-se. Não estavam embriagados, estavam normais. Se estavam alcoolizados fingiam mesmo muito bem.”
O que aconteceu de seguida é pouco claro. O proprietário recusou dar alguns detalhes do que aconteceu naquela madrugada de 21 de dezembro, justificando que está em contacto com as autoridades e não quer prejudicar a investigação. “Posso dizer que já entreguei à polícia as imagens de videovigilância do interior do estabelecimento e também do exterior.”
O primeiro relato daquela noite foi feito por Reinaldo Rodrigues, primo de Giovani e o seu contacto de emergência, ao jornal “Contacto” e dava conta que ainda dentro do Lagoa Azul um amigo de Giovani tinha-se envolvido em problemas com um outro homem por ter tocado, sem intenção, numa mulher enquanto esperavam na fila de pagamento. No entanto, Virgílio Afonso garante que o “único problema daquela noite” não inclui nem Giovani nem qualquer um dos seus amigos.
“Não aconteceu nada dentro do bar. Não aconteceu nada fora, pelo menos na zona até onde as câmaras de videovigilância cobrem”, assegura o proprietário. “Nessa noite houve apenas um senhor que passou à frente para pagar e que resultou num pequeno confronto com outro cliente. Para evitar problemas, um funcionário aproximou-se explicando que não podia fazer aquilo e pediu que o acompanhasse até uma área de acesso restrito no bar. Após alguns minutos, este cliente, aparentemente calmo, pediu para sair garantindo que não se confrontaria com mais ninguém.”
Foi após a saída e encerramento das portas do Lagoa Azul que a situação escalou. Ao “Contacto”, o primo de Giovani conta que ao virar de uma esquina os três amigos foram confrontados pelo homem com quem tinham tido problemas no bar e um grupo de “cerca de 15 rapazes em três grupos armados com cintos, ferros e paus”.
“Caíram todos em cima do amigo mais velho, que está com o corpo cheio de hematomas. O Giovani foi lá pedir para pararem e antes de acabar a frase levou com uma paulada na cabeça”, relatou Reinaldo Rodrigues. O grupo fugiu e Giovani e dois os amigos também, mas ambos perceberam entretanto que tinham perdido a carteira e o telemóvel. Pararam e voltaram para trás. Chamaram por Giovani, mas ele continuou a correr e ficou sozinho.
O que aconteceu entretanto ainda ninguém sabe responder. Eram 04h quando os Bombeiros Voluntários de Bragança foram alertados para um homem caído na avenida Sá Carneiro, no centro da cidade, numa rampa de acesso para pessoas com mobilidade reduzida, perto de uma escadas e numa zona rodeada de lojas e prédios. Saíram de urgência para acudir aquilo que lhes tinha sido indicado como uma “intoxicação” – uma categoria que engloba uma série de episódios, sendo o consumo excessivo de álcool um dos mais frequentes.
“A primeira equipa encontrou um jovem deitado no chão e inconsciente”, diz José Fernandes, comandante dos Bombeiros Voluntários de Bragança. Demoraram três minutos a chegar ao local. “A equipa, que incluía um enfermeiro, fez a primeira abordagem ao indivíduo e só quando o transferiu para a ambulância notou que este tinha um hematoma na testa. Então perceberam a gravidade da situação e levaram-no para unidade de saúde de Bragança.” Às 04h19, Giovani dava entrada nas urgências.
A gravidade do estado de saúde do jovem obrigou a que fosse transferido para o Hospital de Santo António, no Porto. “Fomos chamados eram 06h35 para fazer a transferência do doente”, acrescenta o comandante dos bombeiros. “Não é comum coisas destas acontecerem. Pessoas embriagadas apanhamos uma vez por outra. Situações como esta não me lembro de nada, menos ainda com um desfecho como este.”
O proprietário do Lagoa Azul diz o mesmo: “Há sempre uma ou outra discussão por causa da namorada ou disto ou daquilo. É normal na noite haver um arrufo mas nada como isto. Bragança é o paraíso, uma cidade até demasiado calma. (…) Não sei o que terá acontecido. Não sei se quem o agrediu já tinha problemas com ele”, diz Virgílio Afonso.
Giovani ficou internado no Porto. Não resistiu aos ferimentos. Morreu na madrugada de 31 de dezembro. Eram 03h.
O Expresso contactou o INEM, que assistiu o jovem, assim como o Instituto Politécnico de Bragança, onde estava a estudar há cerca de dois meses, mas até ao momento não obteve qualquer resposta.
ÓDIO RACIAL OU MOTIVO FÚTIL? PJ TEM TODAS AS “OPÇÕES EM ABERTO”
Giovani é cabo-verdiano, nascido em Mosteiros, na Ilha do Fogo. Chegou a Portugal em outubro para estudar. Foi para Bragança para se licenciar em Design de Jogos Digitais no instituto politécnico local – embora as aulas deste curso sejam leccionadas no campus de Mirandela. Viviam na cidade com dois amigos, também cabo-verdianos: Elton e Jailson.
O caso da agressão a Giovani está a ser investigado pela Polícia Judiciária. Ao que o Expresso conseguiu apurar, nenhuma hipótese está posta de parte. “Neste momento está tudo em aberto e a PJ não excluiu qualquer possibilidade sobre a motivação do crime. Admite-se que tenha sido ódio racial e que tenha sido um crime de motivo fútil”, diz fonte próxima da investigação.
Para já não há ninguém detido e as autoridades estão a interrogar testemunhas.