Falhou a eleição para deputada no seu círculo eleitoral, mas Berta Nunes, médica, ex-presidente da câmara de Alfândega da Fé, é a nova secretária de Estado no MNE
Tem 64 anos, é licenciada em Medicina e, durante 19 anos, trabalhou como médica no Centro de Saúde de Alfândega da Fé. Em 2009 concorreu à presidência da Câmara desta vila transmontana, famosa pela qualidade das cerejas, do azeite, e das amêndoas. Dona de um currículo pouco convencial e de uma determinação que não conhece limites nem barreiras, está a caminho do Palácio das Necessidades.
É uma mulher dos sete instrumentos e uma grande atração por trilhos convencionais que, ainda jovem, a levaram a trocar o Porto pelo Nordeste transmontano em busca da utopia ecológica, que acreditava numa vida mais próxima do que a terra produz e no valor terapêutico das plantas. “Lembro-me de ela ter chegado a Alfândega, na década de 1980, com o Jacinto Rodrigues — cujos pais eram daqui —, e com a então mulher dele. Andavam de carroça” disse ao Expresso um habitante da vila, recordando os tempos dessa década que se seguiu ao 25 de Abril de 1974.
Quatro décadas passadas, Berta Ferreira Milheiro Nunes, está a caminho do Palácio das Necessidades para ser a sucessora de José Luís Carneiro na secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas.
Quem a conhece, reconhece-lhe uma enorme determinação que, segundo os mais críticos, usa para alcançar objetivos que traça para si própria.
Já a sua amiga Teresa Féria — que foi presidente da Associação de Mulheres de Juristas — diz que tem uma « imensa capacidade para mobilizar e envolver pessoas » nos projetos que põe em marcha. E a antropóloga, Paula Godinho, recorda o « belo trabalho de etnobotânica que Berta fez no Barroso », recuperando saberes sobre plantas em desuso.
NA CÂMARA DE ALFÂNDEGA DA FÉ
Em outubro de 2009 foi eleita presidente da Câmara de Alfândega da Fé pelo Partido Socialista. Reeleita nas duas eleições seguintes (2013 e 2017), suspendeu o mandato a 1 de agosto deste ano, para ser a número dois do PS pelo distrito de Bragança, nas legislativas de 6 de outubro.
Falhou o sonho de chegar ao hemiciclo de São Bento porque o PS só elegeu um deputado por aquele círculo eleitoral, mas não falhou um outro desafio que abraçara em agosto: vir para Lisboa fazer política.
A 8 de outubro, dois dias depois das legislativas, Berta Nunes renunciou em definitivo ao mandato como presidente da Câmara de Âlfândega da Fé. Em declarações à Lusa, disse que já estava a exercer o seu último mandato, e queria “dar espaço” ao seu vice-presidente que deverá ser o candidato do PS nas autárquicas de 2021. Questionada também pela Lusa sobre um possível regresso à profissão, a médica deu uma resposta vaga: “É sempre uma possibilidade”.
Deixou, no entanto, a garantia de que iria continuar “a fazer política”, até por integrar a Federação Distrital do PS de Bragança e a Comissão Nacional do Partido.
À Rádio Brigantia, Berta Nunes lamentou que o PS não tenha vencido, em Bragança: “Com a experiência que tenho, 10 anos na autarquia e toda a experiência anterior, considero que na Assembleia podia ser uma mais-valia para o distrito, mas o povo decidiu e está decidido e nós temos de respeitar os resultados das eleições”.
Num balanço aos dois mandatos e meio na liderança da autarquia, Berta Nunes destacou a “situação ruinosa” em que encontrou as finanças da Câmara, garantido que o seu executivo fez o saneamento da dívida herdada, “o que implicou pagar €1,2 milhões anuais à banca”, com enormes sacrifícios para a população.
A sua passagem pela autarquia de Âlfândega da Fé foi alvo de críticas do PSD em 2017, e de alguns setores locais que alegam que ela apostou na promoção do emprego camarário.
Alfândega da Fé foi um dos quatro concelhos, entre os 12 do distrito de Bragança, onde o PS ganhou as legislativas (43,7% contra 37,76%), sem abalar, contudo, o resistente feudo social-democrata .
No distrito o PSD obteve 40,78% dos votos e elegeu dois deputados, enquanto os socialistas ficaram na casa dos 36, 56%, com um deputado eleito – Jorge Manuel Gomes, empresário da região e ex- secretário de Estado da Administração Interna, entre 2015 e outubro de 2017, e líder da Distrital do PS de Bragança.
DOUTORADA EM ANTROPOLOGIA MÉDICA
Em 1996, doutorou-se em Medicina Comunitária no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, com uma tese que a devolveu aos seus projetos de juventude: “Ideias e as Práticas dos Leigos em relação ao Corpo e à Saúde”.
Em entrevista ao jornal I, em 2014, disse que foi viver para Alfândega da Fé para “estar mais perto das pessoas, da comunidade”, e por não gostar de viver na cidade.
Contou ainda que na não havia nenhum médico na sua família, mas sim muita religião. Por influência da mãe pensou ser missionária, sonho que abandonou na juventude.
O associativismo estudantil, e a revolução de Abril, levaram-na para politica; como muitos da sua geração, estreou-se num grupo marxista-leninista — ilusão que acabou quando descobriu o “centralismo democrático”.
Entre 2005 e 2009 foi coordenadora da sub-região de Saúde de Bragança. Antes tinha sido diretora do Centro de Saúde de Âlfândega da Fé; coordenou ainda uma rede europeia de médicos em contexto rural.
Natural de Santa Maria de Lamas, distrito de Aveiro, Berta Nunes faz 64 anos a 25 de outubro. É provável que os comemore nas Necessidades.