Portugal e o papel das diásporas na Europa. Opinião – Paulo Pisco

OPINIÃO

Portugal e o papel das diásporas na Europa – um artigo de Paulo Pisco, publicado no jornal Público

Procurar estabelecer uma política europeia para as diásporas é um passo muito relevante para dignificar as comunidades estrangeiras nas nossas sociedades e reconhecer a sua importância.

As diásporas são uma realidade bem presente em todas as sociedades do mundo, que sempre conheceu movimentos de populações de umas geografias para outras, na esperança de uma vida mais próspera ou para fugir de conflitos ou ditaduras, constituindo também, ao mesmo tempo, um inegável fator de progresso económico, social e cultural. As diásporas construíram nações, como os Estados Unidos, e reconstruiram países em ruínas, como a França do pós-Guerra, que se ergueu com o trabalho de milhões de Portugueses, Italianos, Espanhóis, Argelinos e de outros povos.

A grandeza dos números fala por si. Só no espaço da União Europeia, de acordo com o Eurostat, havia em 2019 cerca de 13,5 milhões de cidadãos comunitários a viver noutro Estado-membro e perto de 22 milhões de países terceiros, muitos deles oriundos de países membros do Conselho da Europa.

Daí que seja da maior importância ultrapassar os estereótipos e ideias negativas sobre os migrantes, eliminar preconceitos e criar as condições para que possam sentir-se cidadãos iguais em direitos, deveres e oportunidades, o que é determinante para que as sociedades sejam mais coesas, inclusivas e produtivas. E os governos têm aqui um papel determinante a desempenhar.

As diásporas, talvez por constituírem um domínio menos problemático e discreto no universo das migrações, constituem-se como grupos mais ou menos organizados de indivíduos de um mesmo país a viver no estrangeiro, mantendo fortes laços identitários, culturais e económicos com os países de origem, com mecanismos de integração espontâneos nas sociedades de acolhimento.

Mas, como refere o cardeal Tolentino de Mendonça, que também se debruçou sobre a diáspora portuguesa, a condição dos migrantes “é a de habitar ‘entre’, entre cá e lá, nem completamente cá, nem completamente lá”. E esta circunstância tanto se aplica aos emigrantes das primeiras gerações, como aos das segundas e terceiras, que muitas vezes vivem um fenómeno de dupla identidade, como bem se percebe pelo exemplo da emigração portuguesa.

Ora, este “cá e lá” significa um duplo desenraizamento, em relação ao país de origem e ao de acolhimento, o que implica perda de direitos e vantagens, relativamente aos dois, mesmo quando esses cidadãos adquirem uma segunda nacionalidade ou vivem em espaços privilegiados de cidadania, como é o caso da União Europeia. Daí que muitas vezes se ouçam migrantes dizer que se sentem estrangeiros tanto no seu país como no de acolhimento, a que não serão alheios os preconceitos, incompreensão e resistências que sempre existem em todas as sociedades relativamente às pessoas que vêm de fora.

Por estas razões, procurar estabelecer uma política europeia para as diásporas, que é o tema do meu relatório na Comissão das Migrações e Refugiados do Conselho da Europa, é um passo muito relevante para dignificar as comunidades estrangeiras nas nossas sociedades e reconhecer a sua importância.

Isto passa, necessariamente, por identificar um conjunto de políticas e de instrumentos nos países de origem e de acolhimento para que o imenso potencial das diásporas possa ser plenamente aproveitado. Passa por garantir a participação política das diásporas e a sua representatividade, por reforçar os laços com elas e cooperar mais com países e organizações internacionais.

E, claro, constitui um poderoso contributo para ultrapassar preconceitos, combater o racismo e a xenofobia, promover a integração de cidadãos e reforçar a coesão das nossas sociedades, hoje tão postas à prova com o aparecimento de partidos de extrema direita, que assentam a sua retórica num provincianismo anti-humanista, na estigmatização de outros grupos e na falta de sentido da história.

O relatório que agora começou a ser discutido no Conselho da Europa tem outra virtude. É que, não obstante Portugal ser um país em que as migrações são um fenómeno estrutural ao longo da nossa história e de onde emerge o humanismo, universalismo e cosmopolitismo que nos caracteriza, nunca teve o devido reconhecimento internacional pela já longa prática de relacionamento com as suas comunidades espalhadas pelo mundo, composta por milhões de portugueses e lusodescendentes fortemente ligados às suas origens lusitanas.

Desde o advento da democracia, em 1974, que os legisladores conferiram à diáspora portuguesa dignidade constitucional e o direito de representação através da eleição de quatro deputados na Assembleia da República, além de a estrutura dos sucessivos governos sempre ter tido uma Secretaria de Estado das Comunidades.

Por isso, a partir do momento em que Portugal surge claramente como uma referência pela relação com as suas comunidades num relatório do Conselho da Europa, está também a dar um importante contributo para que outros países melhorem a relação com os seus cidadãos expatriados e para que o mundo seja mais coeso e com menos discriminações.

Paulo Pisco é deputado do PS e membro do Conselho da Europa

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