Portugueses na Suíça regressam em massa a Portugal

MIGRAÇÕES – Regresso de emigrantes. Há uma vaga inédita de portugueses a deixar a Suíça. Milhares estão a voltar. É já considerado um “caso excecional” na história da emigração portuguesa. Pensões de reforma baixas e impostos motivam retorno sem precedentes na história da emigração portuguesa

Alfa / Resumo de um longo trabalho do Expresso (por Raquel Albuquerque, edição semanal)

João e Joneide do Carmo voltaram ao Marco de Canaveses este ano e investiram numa rulote <span class="creditofoto">FOTO joão girão</span>

João e Joneide do Carmo voltaram ao Marco de Canaveses este ano e investiram numa rulote

FOTO JOÃO GIRÃO

O calendário da rulote para este mês de agosto já está cheio: por cada fim de semana, uma festa. De aldeia em aldeia no Marco de Canaveses e noutras redondezas do Porto, a rulote amarela do senhor João ganha quilómetros e clientes. Com apenas dois meses de vida, está ainda a adaptar-se às estradas, tal como João Babo do Carmo está a ambientar-se à nova etapa, agora que pôs fim à vida de emigrante. Trinta e dois anos depois de ter partido para a Suíça, levado pela onda de portugueses que para lá fugiram à procura de trabalho, o cozinheiro de 61 anos juntou-se agora à crescente vaga de regressos. Voltou em janeiro deste ano e com vontade de se agarrar, de vez, à terra onde nasceu.

“Quando fui para a Suíça, por cada 20 portugueses que iam, um regressava. Agora, por cada um que vai, há 20 que voltam”, conta. O número de portugueses a deixar aquele país europeu, durante décadas um dos principais destinos da emigração nacional, está a aumentar há seis anos e disparou nos últimos dois. Só em 2018, foram mais de 10 mil, o dobro de 2013. E pelo segundo ano consecutivo houve mais portugueses a sair da Suíça do que a entrar (…). “Chegámos a um ponto em que a comunidade está a diminuir. Isso só aconteceu em destinos não europeus, como os Estados Unidos ou o Canadá”, diz Rui Pena Pires, coordenador do Observatório da Emigração.

Só da cidade de Chaux-de-Fonds, na fronteira com a França, saíram 400 famílias portuguesas no ano passado. E há regiões como Friburgo onde vários prédios quase exclusivamente habitados por portugueses estão agora a ficar sem ninguém.

A primeira geração de portugueses na Suíça está a chegar à reforma e a pensão é demasiado baixa para o custo de vida.

Os dados da Secretaria de Estado das Migrações da Suíça, enviados ao Expresso, mostram que metade dos portugueses que saíram daquele país no ano passado tinham autorização de residência permanente (ou seja, viviam no país há mais de cinco anos). Cerca de 40% tinham entre 40 e 64 anos, mas tem aumentado a proporção dos que têm mais de 65. E embora não seja certo que todos regressem a Portugal, os investigadores admitem que a maioria está a voltar à terra natal.

Só para o Marco de Canaveses regressaram no último ano 21 emigrantes portugueses na Suíça. João é um deles. Outros 60 já manifestaram vontade de voltar, segundo o Gabinete de Apoio ao Emigrante da autarquia.

“A primeira geração de portugueses a emigrar para a Suíça, no final dos anos 70 e início dos 80, está a chegar à reforma. Muitas pessoas entre os 60 e os 65 anos, que nem pensavam regressar a Portugal porque é na Suíça que têm os filhos e os netos, fizeram as contas e perceberam que a reforma é demasiado baixa para lá viverem sem terem de recorrer às poupanças”, afirma Liliana Azevedo, que tem uma bolsa de doutoramento no CIES — Instituto Universitário de Lisboa para estudar os percursos dos reformados portugueses naquele país europeu. “As rendas são altíssimas e cada pessoa é obrigada a pagar um seguro de saúde mensal entre 500 e 600 euros. Com reformas pouco acima dos mil euros é impossível viverem. Por isso, uns já regressaram e outros estão para regressar.” A realidade não deixa dúvidas a Rui Pena Pires: “A Suíça já é um caso excecional na história da emigração portuguesa na Europa.”

O PÂNICO GERADO PELO FISCO

Mas há outras razões para o regresso, como o desemprego ou o facto de os salários não terem acompanhado o aumento do custo de vida. “Alguns portugueses deixaram de esconder a miséria em que viviam. Há quem tenha dívidas porque o salário não chega para as despesas ou porque está desempregado”, alerta Nuno Santos, presidente da Associação de Apoio à Comunidade Portuguesa na Suíça.

A troca automática de informação financeira entre países da OCDE, que permitiu ao Fisco suíço saber se os estrangeiros estão a declarar todo o seu património, é outro fator. “Quase todos os portugueses têm bens em Portugal. A maioria nunca os declarou na Suíça e agora foi obrigada a fazê-lo”, diz Liliana Azevedo. “Alguns cantões exigiram acertos nos impostos e gerou-se um pânico que levou muitas pessoas a antecipar o regresso.”

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O que os faz vir não é a tributação suíça, que já conseguiram resolver, mas a baixa reforma, explica. “Pagar renda, despesas, mais cerca de mil euros por mês para os dois seguros de saúde é duro. Viver na Suíça assim é difícil. Aqui em Portugal vive-se melhor com o mesmo dinheiro, ainda que lá consiga rapidamente marcar um exame médico se precisar e cá não seja bem assim.

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VAGA DE RETORNOS SEM PARALELO

Agora, vêm para ficar. “Em alguns casos, é quase como se estas pessoas estivessem a emigrar novamente”, realça Rui Pena Pires. “Voltam para as aldeias de onde partiram há 40 anos, mas já não é o mundo de onde saíram. Agora não há lá ninguém. Alguns portugueses que emigraram para França também voltaram na reforma, mas nunca houve uma vaga de retornos com esta dimensão.” O caso excecional da Suíça exige respostas, defende. “É preciso dar apoio e informação”, por exemplo mediando o contacto com a Segurança Social ou as Finanças.

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Emigrantes já podem fazer registo para procurar emprego. 42 já se candidataram a apoio financeiro para regressar.

Mais de 1800 cidadãos portugueses residentes em 72 países inscreveram-se no site do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) nos últimos três meses, desde que foi criada a possibilidade de os emigrantes se registarem para procurarem ofertas de trabalho antes do seu regresso.

A medida insere-se no “Programa Regressar”, criado pelo Governo com o objetivo de apoiar o retorno de trabalhadores que tenham deixado o país até 31 de dezembro de 2015. O programa inclui um apoio financeiro pago pelo IEFP aos emigrantes e lusodescendentes que comecem a trabalhar por conta de outrem em Portugal continental em 2019 ou 2020, com um contrato de trabalho sem termo (…). Segundo dados do Ministério do Trabalho, desde que as inscrições arrancaram há duas semanas, o IEFP já recebeu 42 candidaturas e 500 pedidos de esclarecimento. Só na declaração de IRS relativa aos rendimentos de 2019 será possível conhecer o impacto da redução de 50% do IRS dado aos emigrantes que regressam este ano ou no próximo.

IEFP recebeu 42 candidaturas e 500 pedidos de esclarecimento sobre apoio até €6500

Além das medidas incluídas neste programa, há 2055 portugueses a beneficiar do Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais, dirigido a cidadãos nacionais ou estrangeiros que tenham tido morada fiscal fora de território nacional nos cinco anos anteriores à sua entrada em Portugal. São uma minoria (7%) no total de 29.901 beneficiários do regime, embora não se saiba quantos são trabalhadores ou pensionistas.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) estima que 20 mil portugueses tenham regressado em 2017 (últimos dados disponíveis), num total de cerca de 50 mil desde 2015. Mas ainda não existem dados relativos ao ano passado e só os Censos de 2021 irão permitir fazer um retrato pormenorizado destes regressos. O que se sabe é que 90% dos emigrantes que voltam ao país se fixam nas freguesias de onde partiram, o que justifica a aposta na criação de mais gabinetes de apoio ao emigrante nas autarquias. Segundo o Portal das Comunidades Portuguesas, dos 157 gabinetes existentes em câmaras e juntas de freguesia, 142 estão a funcionar e os restantes estão em fase de instalação.

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