Em entrevista à RTP, o antigo Presidente da República apelou aos « velhos » como ele: devem ficar em casa, recorrer aos cuidados recomendados e se necessário « oferecer o ventilador » aos mais novos.
Para Ramalho Eanes, se Portugal chegar a uma situação limite em que não existem ventiladores suficientes para todos, os mais velhos — como ele, que tem 85 anos — devem dar o exemplo e ceder aos mais novos, desde logo “ao homem que tem mulheres e filhos”.
A afirmação do antigo Presidente da República foi feita em entrevista à RTP. Lembrando que “a crise não vai acabar agora, porque é necessária uma vacina — e mesmo que apareça na melhor das hipóteses no fim do ano, vai demorar depois meio ano [ou] um ano a ser produzida em quantidade” —, Ramalho Eanes apelou aos mais velhos:
« Nós — e eu falo porque sou um velho, tenho 85 anos… nós, os velhos, devemos pensar que a nossa situação é igual à das outros. E se alguma coisa há, é a obrigação suplementar de dizer aos outros que isto já aconteceu, que se ultrapassou, que [esta crise] vai ser ultrapassada”, começou por dizer, reforçando depois o apelo: “Nós, os velhos, vamos ser os primeiros a dar o exemplo. Não saímos de casa, recorremos sistematicamente aos cuidados que nos são indicados e mais, quando chegarmos ao hospital, se for necessário oferecemos o nosso ventilador ao homem que tem mulher e filhos”.
“Nós, os velhos.” pic.twitter.com/9f1IAc3AVN
— Carlos C Carapinha, adorador (@macguffin_69) April 1, 2020
“O Estado não pode ser o Estado mínimo, tem de ser o Estado necessário”
O antigo Presidente da República deixou ainda, na entrevista à RTP, um alerta crítico: “O homem julgou que era capaz de tudo, que podia dominar tudo. Esta situação pandémica mostra que afinal continua a ser o ser frágil, falível, que tem de estar em permanente ligação e comunhão com os outros”. Para Ramalho Eanes, a crise atual do novo coronavírus “vai fazer com que repensemos o próprio Estado, as próprias funções do Estado”.
« O Estado não pode ser um Estado mínimo, como se diz. O Estado tem de ser o Estado necessário e um Estado que não olhe apenas para a situação presente, para as eleições e para o resultado, mas olhe para o futuro e para o futuro da sua comunidade. E um Estado que procure fazer o que é indispensável para que esse futuro seja viável”, notou.
Defendendo também que Portugal “deveria ter usado as Forças Armadas mais cedo” para não assoberbar tanto e numa primeira fase os profissionais de saúde, que considera “extraordinários”, Ramalho Eanes abriu portas a possíveis nacionalizações — “perfeitamente admissível e natural que venham a acontecer” — e apelou a que não se cometa o erro da Alemanha no início dos anos 1930, onde “uma política de rigor financeiro” resultou em “uma situação catastrófica, uma situação social impensável e uma crise política que levou ao Nazismo”.
O sucessor de Francisco da Costa Gomes e antecessor de Mário Soares na Presidência da República admitiu ainda que “o confinamento é antinatural, antissocial e leva certamente a situações complicadas”, porque “haverá necessidade de apoio psiquiátrico, psicológico”, mas pediu: “É necessário que as pessoas se convençam que têm uma responsabilidade acrescida não apenas em relação ao presente mas em relação ao futuro. Têm de ficar em casa o tempo que for necessário”.
Para “vencer esta batalha com o novo coronavírus” — e o antigo general está convencido “que a podemos vencer” — será necessário “corresponsabilidade e solidariedade”, defendeu ainda o antigo PR. Ramalho Eanes deixou ainda críticas à falta de solidariedade entre países: defendeu que “a globalização trouxe uma interdependência, mas não uma solidariedade que é indispensável” e que a pandemia “demonstra a evidência que nenhum país por si consegue resolver os seus problemas”. Recordou aliás: “A própria China, poderosa, recebeu no início da crise apoio da França e Itália.
“Forças Armadas deviam ter sido chamadas mais cedo”
Sobre a forma como Portugal tem combatido o surto do novo coronavírus, Eanes disse que o estado de emergência – e as medidas que lhe estão associadas – poderiam ter sido tomadas mais cedo, mas ressalvou: é sempre mais fácil fazer comentários depois do facto consumado.
“Talvez tivesse sido melhor fazermos isso [decretar o Estado de emergência] com mais antecedência. Embora seja muito fácil dizer o que era melhor depois de as coisas terem acontecido”, disse.
« Num combate há sempre uma primeira linha e uma segunda linha. Na primeira linha deviam estar não os hospitais, mas a política e as forças de segurança, os partidos, a polícia, as Forças Armadas e nós todos. (…) Os hospitais devem ser uma segunda linha, para lá só devem ir os que estiveram na primeira linha e que precisam de ser apoiados ».
Porquê, porque as unidades hospitalares precisam de ter “capacidade de respirar”, o seu pessoal não se pode esgotar, para que mantenham a disponibilidade de cuidar de quem precisa.
Ainda assim, avalia o ex-Presidente, “andámos bem, as instituições, o Presidente da República, o Governo, os partidos, as forças sociais, a PSP, as GNR, as Forças Armadas”. E essas sim, deveriam ter sido chamadas mais cedo.
Alfa/Observador.pt/RTP.