Revista de imprensa (Expresso). « É tudo teu, Bruno »

É tudo teu, Bruno. Bruno Fernandes meteu a bola na gaveta da baliza de Svilar e garantiu, um ano depois, mais uma final da Taça de Portugal para o Sporting.

Um trabalho de Hugo Tavares Silva no Expresso – (adaptação Alfa)

Foto GUALTER FATIA/GETTY IMAGES

No relvado sabe-se sempre quem é o quê e o que tem. Os homens seguros de si vivem de outra maneira. Os serenos também. Não se acham perfeitos, mas não se pensam (como dizia Pessoa sobre os deuses), muito menos se questionam demasiado. Depois, há o outro lado: quem os olha, inveja e respeita. Quem os teme. Bruno Fernandes é um futebolista que parece gozar daquela aura de lenda: quando acerta é genial, porque escolhe muitas vezes bem, e quando falha vai a tempo de corrigir porque os outros não acreditam que ele erra. Bruno Fernandes, o homem que define a dimensão do futebol do Sporting, resolveu o quarto dérbi da época e meteu os leões em mais uma final Taça de Portugal (vs. FCP).

Os de verde e branco entraram muito bem, anunciando uma bela jogatana (muitas vezes furiosa e tresloucada, mas ambiciosa). Afinal, os homens da casa estavam em desvantagem nesta derradeira paragem antes do Jamor (1-2) e teriam de dar ao pedal. Nos primeiros cinco minutos, os leões conquistaram três livres e um canto. Gudelj e Bruno Gaspar remataram de longe, com bolas que não passaram assim tão longe da baliza do rapazola Svilar.

As escolhas de Marcel Keizer deixavam espaço a alguma especulação. Como jogaria? Como encaixariam? Como começavam com bola, como fechavam? O relógio andou e as dúvidas foram dissipadas. Com bola, Bruno Gaspar projetava-se, tal como o extremo Acuña, e Mathieu, Coates e Borja faziam a linha de três. Sem bola, o colombiano era lateral esquerdo.
Se o Benfica não andava aos papéis, estava lá perto. Talvez não tenha ajudado nadinha estar em vantagem, convidado a esperar que o vento passasse. A bola não sossegava nos pés dos visitantes. Só funcionava, e muito de vez em quando, uma ou outra saída rápida para o ataque.

Depois de, finalmente, o Benfica se espreguiçar com mais qualidade pelo meio-campo rival adentro (ligação Pizzi-Rafa-Seferovic), Gabriel lesionou-se e deu o lugar a Gedson, que iria, na teoria, oferecer outra potência e capacidade de transporte.

Era uma batalha de dois estilos nem por isso muito prováveis: a pressão (e alguma pressa, normalmente pelos flancos) do Sporting vs. apatia-contra-ataques do Benfica.

A meia-hora trouxe mais bola para as camisolas vermelhas. Houve mais sossego, mais serenidade, embora sem grandes ideias para aborrecer Renan. Mas não se perdia tudo, já se trocavam passes no meio-campo rival. Entretanto, Fejsa e Luiz Phellype tentaram de longe, para tentar trazer golo para um jogo mexido, aqui e ali interessante.

Seferovic esteve perto de molhar a sopa, depois de um belíssimo passe de João Félix, já muito perto do intervalo. Valeu Borja, com um toque subtil, o suficiente para atrofiar a raquete do suíço.

A segunda parte arrancou com um aviso à tripulação. Bruno Fernandes queria ser o herói e voltar a meter o Sporting no Jamor, tal como na época passada. Um grande bilhete, de livre direto, à barra abocanhava a esperança.

O jogo continuou vivo e apressado, com muitas decisões erradas e alguns bons momentos. Lage tentou devolver algum tino à equipa, metendo no relvado Jonas. Pizzi tentava combater a indolência coletiva, mas não era o dia deles.

Conservadores ou sem capacidade?

Revolucionário, pela proposta de jogo e rasgo, é Bruno Fernandes, o homem que parece ter visão 360º e atrai sempre a bola, satisfeita por o satisfazer. Aos 75′, o médio controlou a bola dentro da área, enganou Grimaldo com uma dança singela e chutou, com vigor e autoridade, para o poste mais próximo. Golaço com a canhota, 1-0. E o Jamor ali tão perto.

Taarabt ainda entrou para, quem sabe, esboçar uma qualquer espécie de milagre. Viu-se, mais uma vez, a qualidade técnica do marroquino, que não tem medo nenhum de assumir a bola. O Benfica empurraria um pouco o Sporting para trás, inventando alguns cruzamentos (Seferovic foi quem esteve mais perto de ser feliz), mas o que estava mal feito já não seria corrigido.

Apito final. O Sporting está no Jamor, contra o FC Porto, reeditando assim uma final que aconteceu pela última vez em 2008 (2-0, Tiuí, Tiuí).

Bruno Fernandes tinha os olhos brilhantes, como quem estaria para perder algumas lágrimas. Estava emocionado. Nunca é bom sinal quando um jogador decide o fado de uma equipa inteira, mas este Sporting é mesmo o Sporting de Bruno. O rapaz que fez mais de 100 jogos na Serie A, que esta noite celebrou o 100.º jogo pelos leões, marcou o 26.º golo da temporada, o que o deixa apenas a um do recorde de Frank Lampard.

É tudo teu, Bruno.

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