Ao longo da história, os cientistas também contribuíram para racismo, considera Rui Diogo, especialista em biologia evolutiva e antropologia, que trabalha nos EUA.
Os seres humanos pertencem todos à mesma espécie e não há raças humanas, mas ao longo dos séculos os cientistas também contribuíram deliberadamente para a ideia de que há várias raças e que a branca europeia é superior, sublinha o investigador português Rui Diogo, especialista em biologia evolutiva e antropologia que vive nos Estados Unidos e está agora em Portugal para uma série de conferências sobre evolução e racismo.
Numa conferência organizada pelo Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa, em conjunto com o Museu Nacional de História Natural e da Ciência, o professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de Howard e membro do Centro de Estudos Avançados de Paleobiologia dos Hominídeos da Universidade de George Washington, Estados Unidos, salientou numa palestra esta terça-feira que “biologicamente não há raças humanas” e, portanto, não há raças negras ou brancas. Hoje, quarta-feira, deu outra palestra no Centro Ciência Viva de Lagos.
No entanto, disse, os estudos de primatas e da evolução foram usados ao longo da história para reforçar o preconceito e garantir a distinção de “raças humanas”, legitimando a ideia de que há raças superiores e raças inferiores. Mas ao longo de muitos anos, alertou Rui Diogo, essa ciência foi usada para colocar “o negro ao lado dos macacos” e o “branco europeu” como raça superior. “Os preconceitos dos cientistas também influenciaram a ciência”, frisou.
Para o investigador, a verdade é que a ciência explica hoje as diferenças de cor da pele como mudanças epigenéticas (mudanças na forma de funcionamento dos genes) relacionadas com o clima.
“A cor da pele tem a ver com os raios ultravioleta, não é raça”, explicou o especialista, acrescentando que a ciência explica que peles mais escuras existem onde há mais sol e as mais claras em países com pouco sol, precisamente para assim absorverem o pouco sol que existe.
E, no entanto, um branco pode ser mais “aparentado geneticamente” com um negro do que um negro com outro negro.
Racismo de tipo A e B
É por tudo isto que Rui Diogo, como referiu à agência Lusa, tem, juntamente com outros investigadores, vindo a pedir à Sociedade Americana de Antropologia Física e à Sociedade de Anatomia que façam um pedido formal de desculpas. “Não é fácil, mas temos de chegar lá”, disse, acrescentando que a ciência, a antropologia e a anatomia, se portaram “muito mal”. “Seria reconhecer que os investigadores promoveram de forma activa e baseados em agendas políticas o racismo de tipo B durante centenas de anos.”
Nas sociedades humanas, Rui Diogo divide assim o racismo em tipo A e tipo B. O primeiro entende outra cultura como diferente, com quem não se quer relacionar: é um racismo cultural. O segundo tipo de racismo considera que o outro já nasce inferior, que é biologicamente inferior. O racismo de tipo B, mais recente, é mais perigoso, refere o investigador, e está na origem de genocídios.
O especialista cita um artigo científico do século XX que fala da “cara nojenta do negro”. Diz que as metáforas usadas por Charles Darwin na teoria da evolução através da selecção natural – como a “sobrevivência do mais apto” – foram usadas, e continuam ainda hoje a ser usadas, para justificar o racismo. E considera ainda que mesmo no filme King Kong “há uma agenda” racista, comparando-se o gorila ao negro, que destrói a civilização e rouba as mulheres. “Muitos cientistas tinham uma agenda política clara”, diz Rui Diogo.
O investigador admite que há determinadas características mais comuns em determinados grupos, mas diz que não se relacionam com a cor da pele. E dá um exemplo: no tempo da escravatura, um terço dos escravos morria nos navios, os que sobreviviam tinham em comum determinadas capacidades de resistência, mas não por serem negros.
Mas, se hoje a ciência é clara, como é que há ainda tantas situações de racismo, que parecem estar a aumentar? Rui Diogo responde que as explicações científicas sobre a cor da pele e a genética são pouco divulgadas e diz que em tempos de crise aumenta o estereótipo em relação aos outros, seja por causa da competição no emprego, seja pelo acesso à saúde, seja por outros motivos.
Autor ou primeiro autor de 14 livros científicos e a preparar um novo livro sobre racismo, Rui Diogo fala ainda de um outro fenómeno, recente, a que chama “neocolonialismo científico”. Acontece quando, explica, investigadores brancos descobrem fósseis em países africanos, se fotografam ao lado deles e os trazem para a Europa para os estudar. Rui Diogo coloca a questão ao contrário: “Imagine-se um grupo de arqueólogos de um país africano a fazer escavações na Lourinhã e a levar os ossos de dinossauro.”
Artigo Jornal Público.