‘Saudade de Paris’ junta restos de alta-costura e ‘sabor’ cabo-verdiano

Uma marca de vestuário chegou ao mercado francês com « uma maneira alternativa » de ver a moda, com peças de edição limitada feitas de restos de tecidos das casas de alta-costura parisienses, por entre um ambiente com ‘sabor’ e alguma inspiração em Cabo Verde.

A marca ‘Saudade de Paris’ nasceu em 2016, pelas mãos de Vilson Rocha, de raízes cabo-verdianas, e Jonathan Kirschstetter. Nesse mesmo ano recebeu o prémio Positive Planet Awards na fundação Louis-Vuitton, em Paris, uma distinção para iniciativas sustentáveis que privilegiam a proteção do planeta, e, desde novembro de 2017, conta com uma ‘loja-ateliê’ no centro da capital francesa.

O número 69 da Rue Maubeuge, no 10.º bairro de Paris, foi o espaço escolhido para desenhar, cortar, costurar, expor e vender as peças concebidas por Vilson Rocha, o estilista parisiense com raízes familiares na ilha de Santo Antão, em Cabo Verde, que defende uma forma diferente de ver a moda.

« É uma maneira alternativa porque é uma forma de economia que é diferente porque tudo é pensado para ser feito aqui em Paris: os tecidos, a fabricação. É 100% ‘made in Paris’, aqui, neste ateliê », contou à Lusa o estilista francês, num português tímido porque poucas vezes o fala.

Ao princípio, Vilson e Jonathan queriam apostar simplesmente em criar peças bonitas e tecnicamente « irrepreensíveis », mas o conceito ganhou uma dimensão mais ética e ecológica quando descobriram « uma caverna de Ali Babá, cheia de tesouros em tecidos que vinham de casas de luxo e que estavam destinados à destruição ».

No fundo – continuou Vilson Rocha – é uma « forma de economia positiva » e de « pensar o planeta de forma diferente » que consiste em levar para a moda o conceito de ‘upcycling’, ou seja, a reutilização criativa de tecidos destinados ao lixo.

« Vamos à procura dos tecidos nas grandes casas de moda aqui em Paris e assim recuperamos cinco, 10 metros de tecidos. É, por isso, que cada roupa é de edição limitada. Os tecidos vêm da casa Vuitton, Givenchy, Hermès, algumas peças que vêm da Dior. Depois há Céline, Kenzo », descreveu o estilista.

O resultado são peças personalizadas com edição limitada, vendidas com « um certificado de autenticidade com o nome e o número do exemplar » e, « em geral, não há mais do que quatro peças com o mesmo tecido ». Como numa prova de artista numerada.

« Não é muito como uma obra de arte, mas uma forma de dizer que há unicamente quatro peças no mundo e eu tenho o número um ou dois ou três ou quatro e o quatro é a última peça. É uma maneira de dizer que eu fiz a peça e eu fiz a peça para si. Os nossos destinos estão ligados. É a saudade. A saudade é isto », explicou.

‘Saudade de Paris’ refere-se, também, à saudade dos primórdios da ‘haute couture’ francesa em que, por exemplo, Gabrielle Chanel começou por criar, também numa loja, modelos exclusivos feitos sob medida e em escala artesanal.

« É por isso que é um tipo de Saudade de Paris porque é a saudade de um tempo que passou mas que tentamos reviver na maneira de fazer mas com um estilo contemporâneo », acrescentou.

A loja ‘Saudade de Paris’, aberta ao público e a ecoar músicas como ‘Ténpu ki bai’ da cabo-verdiana Mayra Andrade, também tem um ateliê no qual Vilson confeciona as peças, a partir de apenas alguns modelos que declina em diferentes criações graças à diversidade de tecidos.

O nome da loja é, ainda, uma referência às cartas que os seus avós de Cabo Verde lhe enviavam e que acabavam todas com a frase « com saudades ».

A palavra « saudadeur » – uma contração de saudade’ com o termo francês ‘ambassadeur’ – também aparece impressa em t-shirts brancas e é sinónimo de embaixador de uma nova forma de vestir contra a produção em grande escala.

« Saudador é uma pessoa que tem estilo, que não se cola às modas porque as modas passam. É apenas uma maneira de ver a vida, com estilo e ética, mas não é por ser ecológico que tem de ser feio », explicou, sublinhando que a marca pretende captar a « essência de Paris » que « não significa seguir as modas, mas ter estilo ».

As calças, casacos, camisas, bermudas e calções, feitos por medida e com tecidos da alta costura, acabam por ser « um luxo acessível » e « o modelo de negócio funciona » ainda que sejam necessárias algumas explicações junto dos clientes.

« Tem que se transmitir a mensagem a cada cliente, a cada pessoa porque eles não entendem logo qual é a nossa mensagem porque neste mundo em que estamos a viver há muitas roupas e regressar para uma moda mais ética e mais ‘slow fashion’ é ser um pouco extraterrestre aqui em Paris », concluiu.

A coleção, unissexo, é descrita como minimalista, tendo em conta que « cada peça é como uma página branca na qual o tecido imprime um estilo » e como « chic streatwear » já que « o lado elegante das peças pode transformar-se em ‘streatwear' » em função da forma como se coordenam as peças ‘saudadeur’ com outras roupas e acessórios.

Além dos coordenados em exposição na loja – desde casacos e ‘smokings’ inspirados nos quimonos japoneses, a camisas e vestidos com golas em vinil e padrões originais – há também colares, pulseiras, sacos e almofadas que Vilson realiza, sozinho, no ateliê.

No futuro, o seu « sonho » é abrir uma ‘Saudade de Paris’ no Japão.

 

Alfa/Lusa

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